“400 contra 1” começa com uma legenda que não faz sentido. Seguem-se os acordes da trilha musical tonitruante que por si só arruina o filme.

Ao acabar de ler a explicação inicial, a única atitude cabível, para quem tenha respeito próprio e senso de dignidade, é levantar e ir embora.

Dirigido por Caco Souza, “400 contra 1” deve ser um caso raro na história do cinema – antes do segundo minuto de projeção, o espectador já perdeu vontade de continuar assistindo o filme. "> “400 contra 1” – bastam dois minutos - revista piauí
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“400 contra 1” – bastam dois minutos

“400 contra 1” começa com uma legenda que não faz sentido. Seguem-se os acordes da trilha musical tonitruante que por si só arruina o filme.

Ao acabar de ler a explicação inicial, a única atitude cabível, para quem tenha respeito próprio e senso de dignidade, é levantar e ir embora.

Dirigido por Caco Souza, “400 contra 1” deve ser um caso raro na história do cinema – antes do segundo minuto de projeção, o espectador já perdeu vontade de continuar assistindo o filme. 

| 06 ago 2010_08h24
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“400 contra 1” começa com uma legenda que não faz sentido. Seguem-se os acordes da trilha musical tonitruante que por si só arruina o filme.

Ao acabar de ler a explicação inicial, a única atitude cabível, para quem tenha respeito próprio e senso de dignidade, é levantar e ir embora.

Dirigido por Caco Souza, “400 contra 1” deve ser um caso raro na história do cinema – antes do segundo minuto de projeção, o espectador já perdeu vontade de continuar assistindo o filme.

A legenda da abertura informa que “esse filme é uma ficção baseada em fatos reais e não intenta reconstituir fielmente a complexidade da vida de um ou mais indivíduos”; logo depois, o adendo ao título informa que se trata de “uma história do Comando Vermelho”.

À parte o fato de ser mal escrita, terá sido por conselho de advogados que os produtores incluiram a legenda inicial? Combinada com o subtítulo, além de óbvias, uma anula a outra. Seria necessário esclarecer que uma história do Comando Vermelho é um filme de ficção baseado em fatos reais? Qual seria a alternativa possível?

Por outro lado, o que resta concluir se o filme faz questão de deixar claro que não tenta “reconstituir fielmente a complexidade da vida de um ou mais indivíduos”? Que procura reconstituir de maneira infiel e simplória a vida etc.? O que podemos esperar de um filme que se apresenta dessa forma?

Sendo sobre o Comando Vermelho, como não podia deixar de ser, a ação se passa numa cidade, em locais e em anos, que “400 contra 1” faz questão de informar com precisão. Para isso, abusa de legendas informativas, sem as quais seria impossível acompanhar a narrativa que embaralha épocas sem nenhuma razão aparente. Ao roteiro, assinado por Victor Navas, com a colaboração de Julio Ludemir, faltam requisitos mínimos de inteligibilidade e coerência. A entediante narração do personagem do Professor – informativa e didática – agrava a deficiência. Imagens, que ilustram de forma literal o que está sendo dito, coroam a sucessão de equívocos.

Elenco irregular e diálogos primários são indícios de inexperiência. A insistência em encenar situações explícitas de violência reforça essa impressão, indicando propósito de explorar o que costuma ser considerado um atrativo comercial, além de atiçar a avidez da pirataria.

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A legenda final, citando o verdadeiro nome do personagem principal, conhecido como Professor, confirma a total falta de sentido da tentativa inicial de desvincular da verdade factual a versão ficcional de “400 contra 1”.

Chama atenção mais uma vez, no caso de “400 contra 1”, a promoção orquestrada em torno de uma produção da Globo Filmes. Depois de ser exibido no encerramento do Festival de Paulínia, o que denota falta de critério do evento, esta semana começou com matéria ocupando 2/3 de página, assinada por Rodrigo Fonseca, publicada terça-feira no Segundo Caderno do “Globo”; no site do jornal, o diretor do filme depõe sobre as opções estéticas do filme – seria o caso de exclamar: opções estéticas! Além disso, comerciais foram exibidos nos intervalos do Jornal Nacional.

O pretexto da matéria assinada por Rodrigo Fonseca é a suposta demanda dos camelôs por cópias piratas de “400 contra 1”. Critério editorial curioso esse, que ocupa espaço e tempo do leitor com um filme que tenta fazer um espetáculo explorando a violência e depois reclama por ter atiçado os baixos instintos do comércio ilegal.

Ao deixar de publicar crítica de “400 contra 1” ontem, o Segundo Caderno, de certa maneira, admite que o filme não merecia o espaço que dedicou a ele na terça-feira.

Além da campanha articulada em veículos das Organizações Globo ser desproporcional em relação à dos filmes de outras produtoras, configurando abuso de poder econômico, a cobertura e a publicidade são caso flagrante de propaganda enganosa, tentando vender produto supérfluo que não trará nenhum benefício a quem o assistir.

Para coroar a semana, no que tem pouco de jornalismo e se aproxima de um , o caderno Rio Show do “Globo” de hoje dedica duas páginas a “400 contra 1”. Tentando aparentar isenção, no canto inferior direito, publica crítica arrasadora assinada por André Miranda, em que o bonequinho está dormindo, com o título “Reconstituição parece um pastiche”. A maior parte das duas páginas, porém, além de uma foto três vezes maior que a crítica, é ocupada por um artigo assinado por Jorge Antonio de Barros, com o ambíguo título “Contra a glamorização do crime”, como se fosse referência ao filme, quando, na verdade, o texto diz que ele “escorrega na glamorização do crime”.

Alguém precisa de explicação para essas duas páginas, sabendo que o filme é produzido pela Globo Filmes?

Dois enganos de Jorge Antonio Barros denotam falta de atenção e desconhecimento de causa. Ao contrário do que afirma, no final de “400 contra 1”, ao menos na cópia que tenho, há uma legenda, à qual me referi acima, em que é informado que “William da Silva Lima, o Professor, entre fugas e recapturas, ficou preso até 2005, quando fugiu novamente. Ainda permanece foragido.” Afirmar, por outro lado, que “400 contra 1” tem “linguagem semidocumental” é um equívoco de tal dimensão que não merece maiores comentários.