Endurance
Roald Amundsen – cinematógrafo fica para trás
Quando olhou para trás, a última coisa que Roald Amundsen viu foi Prestrud com o cinematógrafo.
Cinco homens, liderados por Amundsen, partiram de Franheim (casa do Adiante – o navio da expedição) na baía das Baleias, em 20 de outubro de 1911, com 5 trenós e 52 cachorros, rumo ao Pólo Sul, distante cerca de 1400 quilômetros, com a intenção de serem os primeiros a chegarem à latitude 90º. Prestrud e o cinematógrafo ficaram para trás.
Quando olhou para trás, a última coisa que Roald Amundsen viu foi Prestrud com o cinematógrafo.
Cinco homens, liderados por Amundsen, partiram de Franheim (casa do Adiante – o navio da expedição) na baía das Baleias, em 20 de outubro de 1911, com 5 trenós e 52 cachorros, rumo ao Pólo Sul, distante cerca de 1400 quilômetros, com a intenção de serem os primeiros a chegarem à latitude 90º. Prestrud e o cinematógrafo ficaram para trás.
O primeiro nome de Prestrud era Kristian – tenente da Marinha norueguesa, e sub-comandante da expedição. Até chegarem à Antártica, o próprio Amundsen fizera as filmagens, mas perdeu interesse pelo cinematógrafo quando se instalaram na costa leste da barreira Ross – a Grande Barreira de Gelo –, onde foi montada a base à qual deu o nome de Framheim. Filmar ficou, então, por conta do sub-comandante.
Cinematógrafo era como se chamava a câmera de filmar a manivela levada na expedição, equipada também com duas câmeras fotográficas.
O próprio Amundsen (foto ao lado) descreveu a partida para o Pólo:
“No mar congelado estava Prestrud com o cinematógrafo, girando a manivela o mais rápido que podia enquanto passávamos. Quando chegamos ao alto da barreira, no outro lado, ele estava lá de novo, girando sem parar. A última coisa que vi, enquanto passávamos pelo alto do espinhaço e tudo que nos era familiar desaparecia, era um cinematógrafo; vinha terra a dentro em alta velocidade. Eu estivera ocupado olhando para frente, e virei de repente para lançar um último olhar na direção do ponto que para nós representava tudo que era lindo no mundo, quando vi um – o que você acha? Um cinematógrafo. Ele não pode estar captando nada além do ar agora, pode? – Nem isso. O cinematógrafo desapareceu debaixo do horizonte.”
A partir desse momento, durante a viagem de ida ao Pólo Sul e de volta à base, que durou ao todo cerca de 3 meses, nada foi filmado. Da etapa final rumo ao Pólo foram feitas apenas fotografias. Como aconteceu na expedição que custou a vida ao capitão Scott e seus companheiros, e se repetiria com Ernest Shackleton, poucos anos depois, quando o foi esmagado pelo gelo e afundou, os momentos supremos, e verdadeiramente heróicos, das expedições, não foram filmados (releia os posts Silêncio branco – a viagem do capitão Scott e South – glorioso épico ou fracasso glorioso?).
Um homem a mais para filmar, além do transporte da câmera, poderia por a missão em risco? Uma fotografia bastava para provar que o objetivo fora alcançado? A necessidade de reduzir a equipe ao mínimo, e de levar o menor peso possível, deve ter influído, sem dúvida. Mas a verdade é que, nessa época, não parecia ser tão grande a importância de fazer o registro filmado do momento decisivo – a chegada ao Pólo.
Feitas para serem exibidas em forma de cine-jornais e, principalmente, como ilustração de palestras para angariar fundos que ajudassem a financiar a expedição, essas filmagens atendiam sua finalidade, mesmo sem registrarem o que hoje nos pareceria essencial. Encenações, legendas e conferências ilustradas com projeções eram recursos narrativos legítimos que supriam as lacunas do que não havia sido filmado. O próprio Amundsen, de volta à Noruega, teve uma fonte de renda significativa graças às turnês de palestras que fez mundo a fora, durante os vinte e cinco anos seguintes. Uma fotografia foi suficiente para atender à expectativa da plateia norueguesa. Milhares de espectadores reagiram com entusiasmo ao verem projetada a imagem estática da bandeira do seu País tremulando no Pólo Sul.
O que viria a se chamar cinema documentário ainda estava sendo inventado.
O DVD editado pelo Instituto de Cinema da Noruega (Norsk Filminstitut) inclui a íntegra dos 43’ filmados, sem qualquer edição, além das versões editadas para exibição em cinema na Noruega (16’), e para ilustrar palestras na Inglaterra (21’) e na Alemanha (11’).
As imagens têm início com um longo travelling lateral passando pelo Fram, com a bandeira norueguesa hasteada, ancorado no condado de Akershus, vizinho de Oslo. Seguem-se situações filmadas no convés, durante a viagem rumo sul, em que os marinheiros se divertem uns às custas dos outros; um leitão sendo sacrificado com uma marretada certeira na cabeça; o batismo do Equador, em que um marinheiro, primeiro, dança vestido de mulher e, depois, sentado no colo de outro marinheiro, alisa seus bigodes ao som de um bandolim; de casaca, cartola e com um coração de pano costurado no traseiro, um terceiro marinheiro parece fazer uma apresentação humorística diante de uma câmera fotográfica.
Icebergs anunciam a aproximação da Antártica. Seguem-se baleias, a Grande Barreira Gelada, focas, até uma série de planos que correspondem à descrição de Amundsen, citada acima, da partida de Framheim para o Pólo.
Tendo ficado para trás, o cinematógrafo se dedica a atividades cotidianas: marinheiros fazendo palhaçadas ou simplesmente caminhando e conversando no convés do Fram; o integrante de uma expedição japonesa com sua câmera fotográfica no tripé; o navio Kainan Maru, ancorado na baía das Baleias; uma coreografia de pinguins da qual participa um marinheiro fumando cachimbo.
Roald Amundsen só é filmado depois da volta à Noruega, pondo as luvas, de camisa de colarinho duro e alto, paletó de três botões, colete, pérola na gravata e chapéu. Depois dele, o cinegrafista e sub-comandante da expedição, Kristian Prestrud, entra em quadro também vestido com elegância, e se prepara para fumar um charuto.
Finalmente, é feito um desenho a giz de Amundsen com os braços abertos, segurando numa mão a bandeira da Noruega, de capuz para o frio polar e o corpo formado pelo globo terrestre com a indicação do Pólo Sul e do Norte, que ele também seria, incontestavelmente, o primeiro a atingir, em 1926.
Baseado no DVD Roald Amundsen’s South Pole Expedition, Norsk FilmInstitut, que inclui livro de 200 páginas contendo artigos sobre Amundsen e a expedição, e também The South Pole:1910-1912, Roald Amundsen (Digireads.com Publications, 2004).
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