ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2012
Identificador de dinheiro
O inventor do Bina diz que tem 185 bilhões a receber
Clara Becker | Edição 75, Dezembro 2012
Era hora do almoço e a praça de alimentação de um shopping na Asa Norte de Brasília estava lotada. Mas ninguém parecia ter reconhecido Nélio José Nicolai, um senhor de barba e cabelos brancos escassos perdido na multidão. “Se eu tivesse nascido nos Estados Unidos, seria uma celebridade bilionária”, disse ele. “Uma espécie de Bill Gates.”
Quando tem que preencher um formulário, Nicolai completa o campo referente à profissão com “inventor”. Há 41 patentes registradas em seu nome no Instituto Nacional de Propriedade Industrial. Ele já concebeu de relógios que cantam o hino – “Para ninguém passar vergonha na Copa” – a programas de computador anti-hackers. Mas sua especialidade são os dispositivos para uso na telefonia. Sua cria mais famosa é o identificador de chamadas conhecido como Bina.
Apesar da extensa lista de invenções, Nicolai nunca foi à universidade. Nascido em Belo Horizonte e filho de um dos fundadores do Cruzeiro, foi jogador de futebol até os 21 anos, quando decidiu fazer um curso técnico. “Eu era péssimo aluno, sempre abaixo da média”, disse. Formou-se em eletrotécnica. “Adoraria posar de gênio, mas não sou. Minhas ideias vêm em sonhos.”
Foi assim com o Bina, que ele idealizou numa noite em 1977, quando trabalhava na companhia telefônica estatal que operava em Brasília. Quando acordou sobressaltado após o sonho, anotou a ideia que tivera para resolver o problema dos trotes anônimos que atormentavam provedores e usuários de telefonia. No dia seguinte, pôs-se a trabalhar nela e terminou por desenvolver a tecnologia batizada de Bina – sigla para “B Identifica o Número A”. Nicolai deu entrada na patente em 1980 e conseguiu o registro oito anos mais tarde.
O invento foi parar na imprensa e Nélio do Bina, como passou a ser chamado, foi eleito por duas vezes operário-padrão. Em 1984, porém, foi despedido. “Me mandaram embora porque eu enchia o saco com um aparelho que, segundo eles, não tinha demanda no mercado”, explicou. “Achavam que identificar quem chamava era quebra de sigilo. Disseram que aquilo jamais seria usado nos Estados Unidos.”
Quase três décadas depois, o invento é adotado por companhias telefônicas de todo o mundo. Nicolai ganhou medalha da Organização Mundial da Propriedade Intelectual e perdeu a conta dos países em que foi fazer palestras sobre sua inovação. “Até no Kuwait fui parar”, disse. Já no Brasil, o inventor do Bina tem penado para receber o reconhecimento – e, sobretudo, os royalties – que julga merecer. Nicolai está há quinze anos brigando na Justiça com as telefônicas por seus direitos. “Normalmente se fala de sonhos que viram realidade. Comigo foi o contrário: eu tinha uma realidade que virou sonho.”
Vivaz e afável, o inventor não tem o semblante de quem passou as últimas décadas em litígio judicial. Mas há um bom motivo para a serenidade e o sorriso estampados em seu rosto. Aos 72 anos, parece que sua sorte está mudando.
A batalha de Nicolai é pelos royalties referentes a uma patente de 1997 – uma adaptação do Bina para centrais telefônicas digitais, num momento em que os celulares chegavam ao mercado. Quando o inventor bateu à porta das operadoras para cobrar a compensação pelo uso indevido da tecnologia, foi recebido com deboche. “Eles me mandaram entrar na Justiça. ‘Quem sabe seus bisnetos não recebem alguma coisa?’”
Em 1998, Nicolai acionou a Americel, braço da Claro na capital federal. “Não é nada pessoal”, justificou. “É só porque fica em Brasília e eu não teria dinheiro para arcar com os custos de um processo em outro estado.” Foi bem-sucedido em primeira e segunda instâncias. Em 2002, obteve sua vitória definitiva, mas nunca viu a cor do dinheiro porque no ano seguinte várias telefônicas se juntaram contra ele para anular a patente. Alegaram que ela estava mal redigida e que “não havia suficiência descritiva para uma inventividade”. Enquanto o mérito da causa era julgado, os direitos de Nicolai foram suspensos à sua revelia.
Inúmeros advogados, traições, humilhações e tentativas de suborno depois, Nicolai ganhou em setembro sua primeira causa. A 2ª Vara Cível de Brasília determinou que a Vivo pague em juízo 25% do valor solicitado pelo inventor. “Eles não pagaram, claro. O juiz me disse que, se eu esperei dez anos, posso esperar um pouco mais, acredita?” A disputa com a Claro está encaminhada. “Entrei em acordo porque eles reconheceram a patente”, disse Nicolai. Uma cláusula de confidencialidade impede que ele revele o valor do acordo. “Foram alguns milhões, mas nem um décimo do que me devem.”
O dinheiro veio em boa hora. Nicolai está desempregado desde 1984. “Virei encrenca, nunca mais quiseram me contratar”, brincou. Pai de quatro filhos, desfez-se do que pôde para arcar com os custos dos processos. Quando já não tinha mais o que vender, passou a comercializar cotas da provável vitória judicial. Ao longo dos anos, vendeu cinco cotas de 100 mil reais para os que acreditavam em seu logro. Estava para ser despejado quando ganhou na Justiça. Depois que o vento virou, Nicolai comprou uma mansão no Lago Norte e trocou seu Saveiro 2000 por uma Mercedes zero-quilômetro.
Mas a disputa continua. De acordo com suas contas, as empresas telefônicas lhe devem 185 bilhões de reais em royalties, com correção monetária. Nicolai ouviu de uma juíza que a dívida se tornou impagável. “Mas o trabalho dela é jurídico, não financeiro”, protestou. “Ela tem que julgar meu direito, e não se as empresas conseguem pagar.”
O inventor fez questão de demonstrar seu raciocínio na ponta do lápis. “O Bina custa 10 reais por assinante”, disse, e escreveu o número no caderninho da repórter. “São 259 milhões de celulares no Brasil. A patente é válida por vinte anos. E estou pedindo 25% de royalties sobre cada cobrança.” Nicolai fez as contas e concluiu: “O Sérgio Cabral fica chorando que vai perder os royalties do pré-sal. É só ele me levar para o Rio e me deixar ganhar esse processo. Só de imposto pago 5 bilhões.”