ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2013
Tu tá aqui que eu sei
A tecnologia a serviço dos gays em busca de uma história rápida
Consuelo Dieguez | Edição 76, Janeiro 2013
O iPhone tremelicou sobre a mesa do bar. Douglas Santos, de 24 anos, um rapaz magro, pequeno, cabelos e olhos pretos, alertou: “Opa! Tem alguém querendo fazer contato.” Clicou na tela do celular e, no mesmo instante, surgiram fotos de mais de vinte homens jovens, corpos perfeitos, rostos bem tratados. Conforme seu dedo deslizava pela tela, novas imagens se sucediam até somarem mais de duas centenas. Uma bolinha colorida ao lado de cada uma indicava se os contatos estavam online. Àquela hora, oito da noite de uma sexta-feira chuvosa em Botafogo, na Zona Sul do Rio de Janeiro, a maioria trazia o sinal verde de disponível.
O contato que fizera tremer a tela de Douglas era, como tantos outros daquela galeria, um rapaz sarado e bem-apessoado. No brevíssimo perfil ao lado da foto ele informava ter 26 anos, 1,86 metro e 78 quilos. Em seguida, vinha uma descrição ainda mais curta e grossa do que ele buscava naquele momento: sexo rápido, aproveitando que estava de passagem pelo bairro. Douglas não se interessou e deixou o moço sem resposta.
Sentado ao lado de Rodolfo Silva, um homem de olhos claros e biótipo de modelo com quem vive há um ano, Douglas não estava interessado em encontros naquele momento. Enquanto bebericava caipisaquê de morango, ele se divertia tentando explicar para uma amiga heterossexual como funcionava aquela rede. Lu de Moraes, uma jovem esguia de cabelos pretos, arregalava os olhos verdes toda vez que via uma nova foto na tela do celular de Douglas. “Não posso acreditar que esses homens bonitos sejam todos gays”, disse.
Para espanto maior da moça, Douglas explicou que aqueles mais de 200 rostos enfileirados na tela estavam concentrados num raio de apenas 3 quilômetros. Se eles resolvessem ir para um bar em outro bairro, outras centenas de caras e corpos masculinos surgiriam na tela do celular, quase todos com o mesmo propósito: sexo com desconhecidos. Ou fast sexo, como Douglas e Rodolfo batizaram esses encontros. “A maioria dos que entram nessa rede não quer saber nada do outro. O único objetivo é aproveitar a proximidade geográfica com o interlocutor para transar e tchau”, explicou Rodolfo.
Para entrar na rede, é preciso baixar um aplicativo no celular chamado Grindr, que se define em inglês como “a maior rede de celular para rapazes do mundo”. As moças não devem se animar: o serviço é direcionado apenas para o público gay masculino. Embora já exista há três anos, o Grindr só explodiu recentemente. Segundo seu site, mais de 4 milhões de gays em 192 países estão conectados à rede. E cerca de 10 mil novos usuários baixam o aplicativo diariamente.
O Grindr funciona como uma espécie de radar gay. Ao acessar o aplicativo, o usuário contata todos os usuários da rede num raio de 3 quilômetros. Com isso, ele pode marcar um encontro imediato com o parceiro desejado. “São pessoas que querem a mesma coisa que você e estão próximas”, disse Rodolfo. “Esse é o propósito do aplicativo. Quero transar: vamos ver quem está por perto.”
Douglas e Rodolfo baixaram o Grindr há poucos meses. Tinham a fantasia de colocar uma terceira pessoa na relação. Só se interessaram por um dos interlocutores, que, segundo Rodolfo, parecia ser um pouco mais que “um pedaço de carne”. A dupla se identifica na rede como “casal Fla”, já que mora no bairro do Flamengo. Eles expõem suas idades e características físicas e alertam sobre o que pretendem na cama. Nada de falar sobre a vida pessoal. Douglas e Rodolfo dizem ter interesse em conhecer um pouco mais da pessoa com quem irão se relacionar, por isso evitam marcar encontros para o mesmo dia em que fizeram o contato.
Mas a maioria, segundo Rodolfo, só quer mesmo é se encontrar na hora, transar e nunca mais se ver. “O Grindr acaba reforçando o estereótipo de que o gay é promíscuo e transa com qualquer um”, disse. Sua opinião é de que isso acontece por culpa, principalmente, dos enrustidos que têm vergonha de se assumir. “São executivos casados com mulheres e filhos, gays com uma fachada hétero”, definiu. “Como, pelas circunstâncias, eles têm que marcar encontros furtivos, o que deveria ser um site de relacionamento acabou virando um aplicativo de pegação.”
Parte do aumento da procura está na discrição do aplicativo. Quando o usuário o apaga de seu celular, não tem como ser rastreado. “Ao contrário dos encontros marcados por computador, que podem ser pegos pelas esposas, namoradas ou namorados, o Grindr não deixa rastro”, disse Douglas. “É tudo muito fácil.”
Lu de Moraes decidiu testar o aplicativo. Baixou o programa em seu celular, criou o perfil falso de um rapaz e mandou uma mensagem. Logo se viu cercada por gays. Foi instruída a ser firme na mensagem. “Tem que ter um ar marrento”, explicou Douglas. “Gay gosta de gay com pegada.” O resultado é que quase todas as mensagens começam com um “E aí, beleza? Rola alguma coisa?” Lu seguiu as orientações. Logo, apareceu um interessado a 11 metros dela. O trio discretamente virou a cabeça para os lados procurando quem seria.
O Grindr tem o efeito colateral de funcionar também como um espião. Paulo Vinícius, jovem executivo paulista da área de marketing, instalou o aplicativo no seu celular em janeiro. Ficou impressionado com a proporção de gays à sua volta. “Não tinha ideia de que tinha tantos vizinhos gays.” Disse que, em São Paulo, a maior concentração de usuários do Grindr está na avenida Paulista, pela quantidade de bares. Ele logo desistiu do programa. “É muito podrão, estou fora.”
Com a tela do Grindr aberta, Douglas e Rodolfo já conseguiram evitar que algumas amigas jogassem charme para enrustidos. “Certa vez uma amiga se empolgou com um cara que eu já tinha visto no aplicativo”, contou Douglas. Lu de Moraes continuou entretida na conversa com um usuário da rede. Recebeu uma resposta. “Se procura só músculos, estou fora. Quero antes um papo para ver o que rola.” Um outro, com o corpo esculpido em academia, avisou: “Vamos parar de encenação. Sou escroto, fútil e vazio como todo mundo aqui.”