O diretor achava que o ponto fraco de Lindsay não eram as drogas, mas o medo de ficar só. Precisava de gente e de caos em torno dela 24 horas por dia. A ideia de ficar a sós a apavorava FOTO: WIREIMAGE_GETTY IMAGES
É isso que dá escalar Lindsay Lohan para seu filme
O diretor Paul Schrader se viu nu num quarto em Malibu, com saudade dos cachorros que deixara em casa e tentando convencer a atriz a tirar o roupão
Stephen Rodrick | Edição 77, Fevereiro 2013
Lindsay Lohan avança pelo hotel Chateau Marmont como se fosse dona do lugar, porém num estilo meio prisão domiciliar. Logo estará devendo 46 mil dólares ao estabelecimento. Os frequentadores espiam discretamente quando ela escapole para uma mesa onde terá uma reunião com um jovem produtor e um velho diretor. A mãe da atriz, Dina Lohan, está sentada à mesa ao lado. Lohan mãe prende o cabelo louro por atrás da orelha e tenta captar a conversa. A algumas mesas de distância, um homem distinto, de meia-idade, espera pacientemente pela atriz. Está com uma pilha de presentes para ela.
Lindsay senta, sorri e vai direto ao assunto.
“Oi, tudo bem? Eu não vou fazer a Cynthia. Quero fazer a Tara, a personagem principal.” Braxton Pope e Paul Schrader concordam com a cabeça, satisfeitos. Tinham sido avisados pelo agente dela que seria assim. Respondem que é uma excelente ideia.
Schrader acha que ela é perfeita para o papel. Nem todo mundo concorda. Ele foi o roteirista de Touro Indomável e Taxi Driver e tem dezessete longas no seu currículo de diretor. Ainda assim, há quem tema que Lindsay seja a pá de cal de sua longa carreira. Na dela, há prisões, acidentes de carro e muita ingestão de pó branco. A própria filha de Schrader implora ao pai que não trabalhe com Lindsay. Um amigo, produtor de elenco, interrompe a conversa toda vez que ele menciona o nome da atriz. Além disso, há também a temática explícita do filme. Nudez total e muito sexo. Definitivamente proibido para menores. A mulher do diretor, a atriz Mary Beth Hurt, sequer conseguiu ler o roteiro até o fim, dizendo depois de cinquenta páginas que não passava de pornografia. Não conseguia entender por que ele queria tanto fazer o filme.
Mas Schrader encontrava-se sem alternativas. Sua última grande oportunidade viera uns dez anos antes, quando foi escolhido para dirigir uma sequência de O Exorcista. Na época, disse para um jornalista: “Se eu não fizer uma merda muito grande neste filme, pode ser que termine a carreira de pé, sem ter que me humilhar demais para ganhar meus caraminguás.” Alguns meses depois, foi substituído pelo diretor de blockbusters Renny Harlin, que refilmou tudo desde o início. Logo Renny Harlin! Schrader está agora com 66 anos, e ainda está atrás dos caraminguás.
Pope, de camisa xadrez e gravata fininha, tem toda a pinta de produtor. Seus dedos estão sempre vasculhando o iPhone, ansiosos. No início de 2011, ele apresentou Schrader a Bret Easton Ellis, escritor cujas sátiras ácidas lhe renderam notoriedade precoce e que ultimamente vinha se dedicando a roteiros de cinema. Os três iam fazer Bait, um thriller de tubarões baseado num roteiro de Ellis, mas o financiamento espanhol secara. Schrader sugeriu que eles fizessem alguma coisa baratinha que não tivesse cara de coisa baratinha. Pope usou suas relações com o agente de Lindsay, e é assim que ela foi parar aqui neste dia de primavera.
Ellis se faz notar pela ausência, entocado a 1 quilômetro dali, envolvido numa de suas guerras pelo Twitter. (Ele já embarcou em cruzadas nas mídias sociais contra David Foster Wallace, J. D. Salinger e Kathryn Bigelow.) Acha que Lindsay não é a pessoa certa para o papel, especialmente se for para fazer par com o astro pornô que ele cortejou on-line. Ellis, contudo, gastara todo o cacife que tinha para contratar sua estrela. Além do quê, a hipoteca de seu apartamento em Los Angeles é hoje mais cara do que o valor do imóvel no mercado. No fim, Ellis acabará cedendo.
Schrader, Pope e Lindsay acertam os detalhes. O filme, The Canyons, tem um micro-orçamento, 250 mil dólares, no máximo. Ellis, Pope e Schrader entram com 30 mil cada um. O restante será levantado via Kickstarter, um fundo on-line de captação de verbas para projetos artísticos, com promessas de pontas no filme, pitacos no roteiro e – pela bagatela de 10 mil dólares – o arremate do prendedor de dinheiro que Robert De Niro deu a Schrader no set de Taxi Driver. Sem dinheiro de estúdio, não haverá ninguém com direito a opiniões cretinas que precisam ser acatadas. Lindsay ganhará 100 dólares por dia e uma percentagem do lucro igual à de Ellis, Pope e Schrader, porém sem direito a voto nas decisões. Esta última cláusula é inegociável.
Schrader revê algumas regras básicas; nada de trailers no set e uma cena obrigatória, incluída no contrato, de ménage a quatro. Ah, e mais uma coisinha, Schrader acrescenta: ele promete não tentar transar com ela. Essa questão teria sido mais relevante em 1982, mas tudo bem. Lindsay levanta e se despede, dizendo o quanto está empolgada de trabalhar com eles. Sai do restaurante, seguida pela mãe e pelo sujeito misterioso com os presentes.
Ainda na mesa, Pope ajeita a gravata e solta o ar. Vira-se para Schrader e faz uma única pergunta: “O que você achou?”
Schrader tem plena consciência de que deveria estar apavorado, mas está caidinho demais para isso. Ou ao menos tão caidinho quanto lhe permite sua herança calvinista.
“Acho que vai dar certo.
“Se Schrader não estava preocupado com a reputação de Lindsay, pode ser porque está habituado à disfunção. Quando era menino, a mãe puritana lhe mostrou o que era o Inferno enfiando uma agulha no seu polegar. Seu pai participou de uma campanha para impedir que A Última Tentação de Cristo, filme escrito pelo próprio filho, passasse na cidade natal da família, Grand Rapids, no estado de Michigan. Depois da morte do pai, Schrader descobriu que ele tinha uma coleção de fitas VHS de todos os seus filmes, todas ainda fechadas, na embalagem original. Quando tinha 20 e poucos anos, Schrader dormia com um revólver embaixo do travesseiro porque só conseguia pegar no sono se soubesse que tinha escolha. Hoje em dia só viaja levando o equivalente a milhares de dólares em dinheiro, em moedas de vários países diferentes.
Está convencido de que dá conta de Lindsay. Acha que já viu de tudo na vida. Trinta anos atrás, dirigiu um George C. Scott alcoólatra em Hardcore – no Submundo do Sexo. Um dia, Scott resolveu que não sairia do trailer e chamou Schrader para entrar no seu santuário etílico.
“Você é um puta roteirista, mas é o pior diretor do mundo”, disse Scott. “Jure que nunca mais vai dirigir um filme, e eu saio.” Schrader caiu de joelhos e jurou. Algumas semanas depois, Scott ficou sabendo que Schrader ia dirigir Gigolô Americano. Quando voltou a ver o diretor, desandou a gritar: “Seu mentiroso!”
Schrader tinha, de fato, quebrado a promessa, mas isso era normal em Hollywood. Manipular alguém como Scott – ou Lindsay – era uma parte importante de seu talento. Ainda assim, não seria fácil. Na segunda reunião, Lindsay reclamou com Schrader de um “docudrama” que estava rodando para a rede de tevê Lifetime, no qual ela fazia o papel de Elizabeth Taylor, um de seus ídolos. Decretou que o diretor era um babaca, que o seu par romântico era um pesadelo e a equipe, hostil. E por aí foi. Schrader ouviu por um tempo. Parecia arrasado. Bateu delicadamente a cabeça calva na mesa. Lindsay perguntou qual era o problema.
“Este sou eu daqui a dois meses. Você vai se voltar contra mim.”
A atriz tocou delicadamente o braço dele. “Ah, que é isso, Paul. Não vai ser assim não.”
Schrader decidiu acreditar nela. Naquele verão, ele elaborou uma tirada para encorajar os menos destemidos. “Não é nossa obrigação salvar essa menina”, dizia. “Nossa obrigação é só atravessar com ela três semanas em julho.”
Um mês depois, Schrader estaria nu num quarto em Malibu, com saudades dos cachorros que deixara em casa e tentando convencer Lindsay a tirar o roupão.
Três semanas podem acabar durando muito.
Conheci Schrader em 2009, quando ele estava tentando fazer um filme de suspense combinando Bollywood e Hollywood, e com Leonardo DiCaprio no elenco. “É o futuro do cinema”, me disse Schrader num almoço em Manhattan. “Financiamento globalizado. O mercado americano está seco.”
Mas o dinheiro indiano minguou, e Leonardo DiCaprio perdeu o interesse. O projeto morreu. Em 2011, Schrader, que construiu a carreira fazendo filmes sobre homens solitários com tendências sinistras, estava convencido de que o financiamento tradicional para os projetos que lhe interessavam tinha sumido para sempre, junto com o público disposto a sair de casa, e pagar 12 dólares para ver esses filmes num cineclube pequeno e desconfortável. Na verdade achava que o público ainda existia, mas não saía mais de casa. Acreditava que seu futuro estava em filmes que pudessem não só passar em cinemas independentes, mas também aparecer no mesmo dia em pay-per-view. Filmes recentes como Quatro Amigas e um Casamento, com Kirsten Dunst, e A Negociação, um thriller com Richard Gere, deram um lucro razoável usando esse modelo. Schrader esperava seguir esse caminho, mas com um orçamento mais mirrado. Escreveu uma espécie de manifesto para os dois sócios, em janeiro do ano passado:
“O roteiro tem que se basear em vários personagens, precisa se centrar em relacionamentos, ter diálogos afiados, locações contemporâneas e um certo ar risqué – cinema para a era pós-sala de cinema. Poderíamos atrair atores interessantes e criar um perfil para o filme nas mídias sociais. Seria algo totalmente nosso.”
Assim como Schrader, Ellis estava numa encruzilhada. Depois dos primeiros sucessos, Abaixo de Zero e O Psicopata Americano, seus livros não vinham vendendo bem. Cansado do romance como arte, decidira mudar-se para Los Angeles e tentar fazer carreira no cinema. Mas nenhum de seus roteiros recentes estavam em produção, e ele estava louco para ter um filme pronto. Já tinha começado o roteiro enquanto Pope traçava estratégias.
Schrader era bom de conversa, mas era Pope quem teria que implementar o plano. Ele sugeriu transformar The Canyons no filme mais aberto da história do cinema. Haveria atualizações diárias no Facebook e o elenco seria integralmente composto de atores selecionados a partir de fitas de audições enviadas para o site do filme. Pope argumentava que essa abordagem populista também podia ser aplicada ao financiamento. Explicou o Kickstarter a Schrader: bastaria arranjarem uns brindes bacanas, e gente de tudo quanto era idade ia botar dinheiro on-line só para ter alguma associação com artistas malditos como Schrader e Ellis. Logo o filme começou a oferecer aos doadores uma análise de roteiro feita por Schrader por 5 001 dólares e uma semana de malhação com Ellis e o seu personal trainer por 3 mil. Em um mês, conseguiram mais de 150 mil dólares.
Ellis martelou a primeira versão do texto em um mês e meio. Tinha descoberto recentemente a existência de um rapaz de 26 anos conhecido como “a estrela pornô que dá pra apresentar pra família”. James Deen, cujo nome real é Bryan Matthew Sevilla, é um rapaz judeu de Pasadena cujos pais são cientistas da Nasa – sem brincadeira. Seus 4 mil filmes lhe renderam legiões de adoradores porque ele é ao mesmo tempo bem-dotado e sensível. Mas Ellis não via o ator como inofensivo. Escreveu o roteiro tendo Deen em mente para o papel de Christian, o clássico personagem de seus romances: o herdeiro sociopata. Estava convencido de que “havia um demônio por trás do judeu bonitinho que a gente apresenta para a mãe”.
O Christian de Ellis gostava de trazer homens e mulheres para sua mansão em Malibu para transarem com Tara, sua namorada emocional e economicamente dependente. Christian e Tara se veriam num triângulo sórdido com Ryan, um ator bonito e não muito inteligente, mas ardiloso e sedutor. Haveria sexo, um assassinato e depois mais sexo.
Ellis e Deen flertaram pelo Twitter enquanto ele escrevia o roteiro. Também jantaram juntos no Soho House, em Los Angeles. Depois desse jantar, Ellis ficou ainda mais convencido de que Deen era perfeito para o papel de Christian. Schrader tinha lá suas dúvidas, preocupado com a necessidade de eliminar os maus hábitos adquiridos por Deen em milhares de filmes pornôs. Ellis contra-argumentava, dizendo que os outros atores testados para o papel tendiam a ler as falas com uma pegada brega; só Deen lia o texto com a malevolência correta. Schrader acabou mostrando as fitas dos três finalistas para a sua mulher, em casa. Ela lhe disse que Deen era o melhor.
Mais ou menos na mesma época, Pope foi conversar com Lindsay. Ellis estava cético, com medo do melodrama que ela traria ao projeto. Mas Pope e Schrader lembraram a Ellis o que ele mesmo tinha dito em um ensaio para o site The Daily Beast um ano antes: “Será que [os americanos] querem mesmo boas maneiras? Educação? Cortesia aristocrática? Não. Querem a realidade, por mais louca que tenha ficado a celebridade que lhes traz essa realidade.”
Ellis estava falando de Charlie Sheen, mas podia estar se referindo a Lindsay Lohan. Filha mais velha de um corretor da Bolsa drogado e criminoso e de uma dançarina de carreira fracassada, ela sobreviveu à infância em Long Island, se mudou para Hollywood e tornou-se a nova queridinha da América com suas participações brilhantes em Operação Cupido e Meninas Malvadas. Virou cantora e ganhou um disco de platina. Em 2006, foi a melhor coisa em A Última Noite, de Robert Altman. O futuro era seu.
Então – como diria o narrador do programa E! True Hollywood Story – tudo caiu por terra. Filmes caros precisam de seguro caso uma atriz morra ou fique incapacitada. As escapadas de Lindsay a tornaram inviável do ponto de vista das seguradoras. O trabalho foi sumindo, e ela se acomodou à posição de remate venenoso das piadas de toda uma geração.
Pope, no entanto, achava que o talento ainda estava lá, enterrado em algum lugar. (Durante as filmagens de Liz & Dick, o filme da Lifetime, a ambulância fora chamada apenas uma vez. Já era alguma coisa.) Além disso, The Canyons tinha um orçamento tão pequeno que eles não precisavam de seguro. Se ela sumisse, Pope, Ellis e Schrader simplesmente perderiam o que tinham investido.
Lindsay facilitou essa decisão quando concordou em fazer um teste. Dava para ver que o papel de Tara não seria difícil para ela. Os grandes olhos verdes, que pareciam tão adoráveis dez anos antes, agora transmitiam um desespero acuado. Claro que escalar dois nomes com histórico desmentia a ética de filme aberto, feito em casa, supostamente participativo do projeto, mas por enquanto ninguém estava pedindo o dinheiro de volta.
Alguns meses depois da reunião no Chateau Marmont, o elenco se reuniu nos estúdios Prettybird em Culver City, perto de Los Angeles, para a primeira leitura do roteiro. À cabeceira da mesa estava Schrader, com Ellis à sua esquerda. Pope sentou no outro extremo. Os atores foram chegando aos poucos e sentando. Só faltava uma pessoa: Lindsay Lohan.
Schrader deu as boas-vindas a todos e abriu a sessão dizendo: “Lindsay disse que não ia conseguir vir hoje, e eu lhe disse tudo bem, mas que estava com uma atriz em Paris esperando uma ligação.” Ele fez uma pausa, e a sala vibrava. “Ela está a caminho.”
Matando tempo, Deen mexia no seu telefone. Enquanto isso, Nolan Funk – um canadense topetudo escalado para representar o elo fraco no triângulo amoroso do filme – cerrava o cenho e lia o script em voz baixa. Cerca de vinte minutos depois, Lindsay chegou com um assistente minúsculo a reboque. Sorriu nervosamente e sentou, ajeitando a blusa bufante de estampa floral e chacoalhando as pulseiras.
“Oi, pessoal.”
Schrader lançou-lhe um impaciente olhar paternal e começou a falar do filme. Mas Ellis e Funk estavam desconcentrados. Do outro lado da mesa, Funk conseguia ver que seu nome tinha sido riscado no script de Lohan e que abaixo dele estavam os nomes de três ou quatro atores como possíveis substitutos. Ellis viu que o nome de Deen também estava atravessado por um risco.
As dúvidas particulares de Lohan não diminuíam seu entusiasmo público. Ela tinha mil ideias a respeito de Tara. Schrader mencionou que a personagem era uma atriz fracassada.
“A rejeição é uma coisa que faz uma atriz crescer.”
Lohan soltou uma risada sarcástica.
“Não tanto quanto ir para a cadeia, isso eu posso garantir.”
O rosto normalmente gélido de Ellis se abriu num sorriso irônico.
“De fato, cadeia também serve.”
Schrader disse que ainda estava tentando achar alguém para o papel do psiquiatra, que era pequeno, mas central.
“Eu liguei para o Jeff Goldblum e o Willem Dafoe. Eles não estão disponíveis. Alguém tem alguma ideia?”
Lindsay deu um gritinho e disse: “Que tal o Jared?”
Schrader concordou com a cabeça.
“Jared Harris?”
“Não, Jared Leto.”
Pope fez uma careta. (Schrader acabou escalando Gus van Sant.)
Perto das três da tarde, Schrader disse que estava de bom tamanho. Lindsay saltou da cadeira e saiu para fumar. Estava bem pálida, a pele avessa à luz do sol. Mas estava empolgada por estar trabalhando.
“Eu sinto tanta falta disso tudo”, dizia entre tragadas. Sua voz era rouca, com a aspereza da nicotina. “Agora estou bem. Cara, é o Bret Easton Ellis, e o Paul Schrader! É um sonho, isso. Quando este filme acabar, quero ir para bem longe, tipo África. Uganda, talvez. Mas agora só quero é trabalhar mesmo.”
Lindsay exsudava adrenalina e tagarelava com um senso de humor autocorrosivo. (Ela tem descansos de copos que dizem: “Antes eu ficava tensa, mas agora descobri um comprimido que resolve.”) Contou de uma recente sessão de fotos em que pediram para ela usar listras. “Eu disse: ‘Ora, listras depois da cadeia, acho que não, né!’”
Alguns minutos depois, despediu-se e saiu cambaleando nos saltos altíssimos em direção a seu Porsche alugado.
Aí sumiu por uns dias.
O começo das filmagens estava previsto para dali a menos de uma semana, de modo que Schrader marcou uma reunião com Deen e Lindsay no Prettybird, para planejarem as cenas de sexo do filme. Ela cancelou no primeiro dia, mas prometeu que viria na manhã seguinte, um domingo. Não apareceu. Schrader e Pope mandaram mensagens de texto e deixaram recados de voz. Nenhuma resposta. Schrader pensou no que devia fazer. Naquele momento ele estava por cima; havia mesmo uma atriz à espera em Paris. Mas uma vez começadas as filmagens, ele perderia o poder. Lindsay poderia impedir o andamento de todo o projeto. Sendo assim, ele a demitiu.
Schrader voltou para o seu quarto no Orlando Hotel em Beverly Hills e mandou Pope dar a má notícia. Pope finalmente conseguiu falar com Lindsay, dizendo que assim não era possível. Ela começou a chorar e implorou, pedindo mais uma oportunidade. Pope lhe disse que Schrader não voltaria atrás.
Lindsay foi para o Orlando. Bateu em todas as portas até achar o quarto de Schrader. Enquanto esmurrava a porta do quarto, mandava-lhe uma mensagem de texto atrás da outra, de modo maníaco. De dentro do quarto, Schrader ouvia Lindsay chorando no corredor, mas não queria deixá-la entrar. Em vez disso, mandou-lhe uma mensagem.
“Lindsay, volta para casa.”
O gerente do hotel ligou para perguntar se devia chamar a polícia. Schrader disse que não e ficou sentado na cama. Lindsay ficou no corredor soluçando por mais uma hora e meia até finalmente ir embora.
Por fim, o diretor ligou para Pope e pediu a ele que reunisse todo mundo no Prettybird para assistir aos testes de Lindsay e da atriz francesa. Todos concordaram que Lindsay era exponencialmente melhor. Schrader decidiu que lhe daria mais uma oportunidade.
Alguns membros da equipe de produção acharam que esse era o objetivo de Schrader desde o início: uma estratégia para colocar a atriz na linha. Naquela noite, Pope, Lindsay e Schrader se encontraram no Churchill, um bar do Orlando Hotel. Um garçom lhes trouxe bebidas – café para Lindsay, um manhattan para Schrader, uma vodca com soda para Pope. O clima era de desânimo. Finalmente, Schrader pegou seu copo.
“Preciso de um drinque!”
Lindsay riu e limpou as lágrimas dos olhos. Explicou que tinha perdido a reunião no Prettybird porque ficara discutindo o roteiro com Nolan Funk até três da manhã e tinha tomado um remédio para dormir. Schrader definiu as regras: mais uma dessa e ela estava fora. Se achava que ninguém queria trabalhar com ela agora, imagine depois de ser expulsa de uma produção de orçamento micro.
Schrader acreditava que o ponto fraco de Lindsay não eram as drogas – apesar de ter-lhe explicado a matemática dos momentos certos em que se devem tomar soníferos –, mas sim o medo de ficar só. Precisava de gente e de caos em torno dela 24 horas por dia. A ideia de ficar a sós a apavorava.
No dia seguinte, Lindsay chegou mais ou menos na hora para um teste de maquiagem. Sentou-se à mesa com uma latinha de Sprite, olhou para a câmera e soltou um sorriso-modelo que cairia bem no melhor comercial de refrigerante do mundo. Schrader agarrou meu braço e apontou para a imagem de Lindsay.
“Está vendo? É por isso que a gente aguenta essa palhaçada toda. Dá para fazer filme ruim com atrizes que nunca se atrasam. Mas olha isto! O resto é ruído.”
No entanto, sempre havia ruído. Dias depois, as filmagens começaram às três da manhã, no elegante bar ao lado do Chateau Marmont, que Pope tinha descolado de graça. Não foi um primeiro dia fácil. A cena cobria os primeiros seis minutos do filme, e havia muita falação e pouca ação. Mas Pope estava preocupado com outra coisa.
“Parece que ela está maquiada para outro filme.”
Era verdade; o rosto de Lindsay tinha algo de teatro Kabuki. Ela decidira usar várias camadas de rímel e uma maquiagem de gatinha nos olhos, com traços negros que apontavam para as orelhas. Antes da ação, Pope mostrou-lhe polaroides em que ela estava linda com maquiagem minimalista.
“Olha, o nosso interesse é deixar você bonita”, disse-lhe Pope. “Você já fica linda com um pouquinho só de maquiagem.”
Mas Lindsay estava tentando se livrar do seu passado de menininha da Disney e achava que aquele jeito meio Courtney Love a deixava com uma imagem mais estilosa.
Pope cedeu. Não dá para ganhar todas.
O truque de The Canyons era fazer um filme de 250 mil dólares parecer um filme de 10 milhões. Felizmente, a reputação de Schrader inspirou doações impensáveis para qualquer cineasta recém-formado. Um dos participantes do Kickstarter deu 10 mil para a produção e mais 10 mil para um designer, isso tudo para que Schrader pudesse usar a linda casa dele em Malibu para as filmagens. Foi a sorte grande: a casa era um palacete deslumbrante com imensas janelas, uma escadaria que dava para a piscina e uma incrível vista do mar.
A casa logo virou o componente mais confiável do elenco depois de James Deen. No primeiro dia de filmagem em Malibu, Deen conquistou a equipe, predominantemente masculina, com sua surpreendente candura. Ele não era especialmente alto nem forte; 1,75 metro, talvez, e uns 70 quilos, mas eles o olhavam admirados. No almoço, um dos integrantes da equipe fez a pergunta que estava na cabeça de todo mundo.
“E aí, com quantas mulheres você já transou?”
Deen só riu e coçou a cabeça, sem jeito.
“Cara, não tenho ideia. De verdade.”
Deen já trabalhou em todas as posições da indústria pornô: produção, direção, atuação. Quando adolescente, aprendeu a se sentir à vontade diante de uma plateia “fazendo umas loucuras” com uma menina na frente dos amigos antes de se retirar para o quarto. Era um jeito de perder a vergonha de transar em público. Quando começou a trabalhar, se orgulhava do seu profissionalismo: nunca se atrasava, e era sempre meticuloso em tudo. (Já foi visto, no set, verificando se os sacos de lixo estavam bem presos em volta das bordas das latas.) Mas passava uma impressão de solidão. Disse-me que seu advogado, uma figura barbada parecida com o Gandalf, de O Senhor dos Anéis, era um dos seus melhores amigos. No set de Canyons, foi o único membro do elenco que não recebeu visitas.
Só Lindsay recebeu uma visita naquele primeiro dia em Malibu. Era Steve Honig, seu assessor de imprensa, um sujeito careca, atarracado, vestindo camisa jeans. Ele disse a Schrader que era inaceitável ter um repórter no set. Schrader respondeu que entendia sua posição, e que, se ele quisesse tirar Lindsay do filme, era só dizer. Honig recuou. Honig e eu conversamos uns minutos enquanto a equipe esperava a neblina baixar. “Eu não quero que essa matéria se resuma aos atrasos da Lindsay”, disse ele. “Todas as atrizes se atrasam. A Julia Roberts se atrasa.”
Horas depois, a filmagem parou para o almoço. Lindsay anunciou que queria comer alguma coisa fora dali. Isso preocupou Pope e Schrader – eles só podiam monitorá-la enquanto ela estivesse sob suas vistas –, despacharam então o coprodutor, Ricky Horne Jr., para servir de chofer para Honig, Lindsay e seus assistentes, levando-os aonde quisessem ir.
Horne desceu com eles morro abaixo, e teve que parar num portão. Foi quando seus passageiros se amotinaram, saltando do carro. Honig apertou o controle remoto alucinadamente até o portão abrir, mas os quatro saíram correndo para o carro do assistente de Lindsay. Horne ficou sentado ao volante, sem ação por um minuto, até acordar e voltar morro acima para relatar o acontecido a Schrader. O diretor ficou enlouquecido.
“Agora ela perdeu o direito de sair para almoçar. A partir de hoje, fica aqui.”
A atriz voltou, com apenas quinze minutos de atraso, emergindo da sala de maquiagem para dar com um Schrader enfurecido. Passaram boa parte da tarde discutindo sobre continuidade.
“Lindsay, você estava com o cigarro erguido no último take e agora ele está abaixado. Vamos fazer de novo.”
Ela suspirou. Agora que a filmagem tinha começado, ela é que mandava.
“Desculpa, Paul, acho que você vai ter que me demitir outra vez.”
No meio da semana, Schrader e Lindsay estavam em plena guerra. Uma tarde, ele filmou alguns trechos que levavam à principal cena de sexo do filme. Lindsay não gostou.
“Deu para pegar o meu queixo triplo ali?”, disse ela para ninguém e para todos ao mesmo tempo. “Take horroroso, aquele.”
Ainda naquela tarde, chegou a hora de ensaiar uma cena de briga em que Christian confronta Tara com evidências de infidelidade. Schrader tentou descrever para Deen como queria que o ator jogasse Lindsay no chão. Deen concordou com a cabeça e repassou a cena lentamente. (Era um atrito constante entre os dois atores, Deen economizando energia e Lindsay exigindo esforço total nos ensaios.) Depois de um tempo, Schrader entrou na cena para mostrar a Deen o que queria, movendo a atriz delicadamente e virando-a para o chão.
“Entendeu, James?”
Deen concordou com a cabeça, mas Schrader não estava convencido. Ele então agarrou Lindsay, virou-a por cima de sua perna esquerda e a arremessou contra o chão. Ela gritou, e a equipe prendeu a respiração. Mas ela levantou-se rapidinho, sorrindo.
“Genial! Quer fazer de novo?”
Schrader disse que não seria necessário. Na manhã seguinte filmaram a cena para valer. Deen ganhou vida, jogando uma Lindsay só de baby-doll no chão e socando a parede com tanta fúria que achei que ele talvez tivesse quebrado a mão. Lindsay ficou jogada no chão, com as mãos protegendo a cara, ombros trêmulos, lágrimas escorrendo pelo rosto. Nos intervalos, ela ouvia a versão de Ryan Adams para a música Wonderwall. Depois de três takes, Schrader disse que estava satisfeito e Lindsay começou a fuçar a bolsa atrás de um cigarro. Desceu as escadas, e alguém elogiou seu desempenho.
“É que eu tenho bastante experiência nessa área, graças ao meu pai.”
Não entrou em detalhes, e ninguém perguntou nada.
Na noite seguinte, a equipe de Canyons foi reduzida ao mínimo. Era hora de filmar o ménage a quatro. A cena aparece num momento crucial do filme, quando Tara, em geral passiva, vira o jogo com Christian e o tira de sua zona de conforto na esfera sexual. Se o diretor errasse a mão, a cena certamente ganharia um Framboesa de Ouro. Por outro lado, se bem filmada, resolveria o resto do filme.
Pope contratara mais dois atores pornôs para fazer os outros papéis. A atriz contratada fez o ensaio completamente nua, contando vantagem por se recusar a raspar os pelos púbicos, como estabelecem as normas do pornô. Lindsay surtou.
“E eu lá estou interessada nisso?”
Ela se refugiou num closet que ficava a poucos metros da cama em que a cena seria filmada. Tinha acabado de demitir seu assistente e agora estava com um velho amigo chamado Gavin. Schrader esperou meia hora e foi ver se ela estava pronta para filmar. Gavin explicou que Lindsay não se sentia bem trabalhando com atores pornôs e, para ser sincero, também não se sentia bem trabalhando com Deen.
Schrader perdeu o controle.
“Pois fique sabendo que o James Deen é a única coisa boa que vai sair deste filme.”
Lindsay gritou de dentro do closet.
“É exatamente isso que me assusta!”
Schrader saiu batendo os pés. Esperou mais uma hora. Voltou para conversar de novo com Lindsay, desta vez fazendo o papel do policial agressivo dos interrogatórios de filmes feitos para a tevê. Gavin não o deixou entrar, de modo que ele ficou gritando da porta.
“Você assinou o contrato. Sabia que este momento ia chegar!”
Passou mais uma hora, e Lindsay acabou saindo do closet e indo para a cama. Mas não tirava o roupão. Schrader estava com medo de que a primeira luz da manhã começasse a entrar pela casa. Pensou em mandar dispensar a equipe. Mas aí se deu conta de que havia ainda uma coisa que não tinha tentado. Tirou toda a roupa. Nu, foi na direção de Lindsay.
“Lins, quero que você se sinta à vontade. Anda, vamos filmar isso de uma vez.”
Lindsay guinchou.
“Paul!”
Pope ouviu o guincho e subiu correndo as escadas. Virou no corredor e deu de cara com Schrader, pelado. Soltou um “opa” e voltou lentamente, em marcha à ré.
Mas aí aconteceu uma coisa interessante. Lindsay tirou o roupão. Schrader gritou ação, e eles filmaram em apenas um take de catorze minutos. Lá pela metade da cena, Lindsay olhou direto para a câmera e deu um sorriso indecoroso e um pouco desequilibrado, direto para Schrader. Ele sorriu de volta.
Uns minutos depois, Schrader gritou corta! A equipe guardou os equipamentos. Pope foi ver como estava Lindsay. Percebeu que ela e Gavin tinham bebido, o que era compreensível para uma moça que acabara de filmar uma cena de sexo com três atores pornôs. Falando manso, Pope disse que o motorista poderia levá-la em casa, mas ela recusou, entrou no Porsche e desceu a estradinha escura e estreita. Estavam todos torcendo para ainda terem uma atriz principal na manhã seguinte.
Na tarde posterior, por volta das 18 horas, Lindsay subiu o morro em alta velocidade. Era o último dia em que a produção poderia usar a casa de Malibu, e ainda havia duas cenas essenciais. A primeira era a resolução emocional do filme: Tara abandonando Christian e Christian a deixando ir em troca de um favor fatal.
A cena seria filmada na “hora mágica”, o momento em que antecede o pôr do sol, e, como sempre, Lindsay estava atrasada. Fora uma semana interminável, todos trocando os dias pelas noites, e a equipe inteira estava estressada, inclusive Deen. Ele não aguentava mais Lindsay. Durante o ensaio, o ator e Schrader haviam levantado a voz durante uma discussão sobre a interpretação de Deen. Depois de ele ter comentado pela quarta vez que discordava do desenrolar da cena, Schrader berrou: “Deen. Faça essa porra dessa cena como eu mandei.”
Os dois saíram da casa e conversaram um tempo antes de voltar com sorrisos constrangidos. (Mais tarde, Deen me disse: “A gente gritou um com o outro porque não dava para gritar com quem a gente queria gritar de verdade.”) Lindsay sacudia a cabeça, repreendendo Deen.
“Não é profissional tratar o diretor desse jeito. É pura falta de respeito.”
A luz ia sumindo enquanto Lindsay discorria sobre como a cena deveria acontecer, que era, aliás, exatamente o contrário do que Schrader queria. Ela finalmente parou de falar e se virou para o diretor.
“Paul, como é que você quer fazer essa cena?”
Schrader suspirou.
“Eu estava com esperanças de dirigir a cena, mas está na cara que você não vai deixar. Vamos pular essa. Está tarde demais, a luz foi embora.”
Pope interveio. Pôs a mão no ombro de Schrader e disse:
“Vamos tentar, Paul.”
Miraculosamente, as câmeras rodaram e toda a tensão, todos os egos, toda a incoerência explodiram em forma da cena mais eletrizante do filme: Deen, frio e mau; Lindsay, vulnerável e amedrontada.
Só restava fazer um close de Deen tocando no rosto de Lindsay com um dedo molhado de sangue. Só metade do rosto dela apareceria no quadro. A maioria das atrizes jogaria um coliriozinho para encher os olhos de lágrimas e pronto. Em vez disso, ela voltou para o quarto, e todo mundo ficou esperando.
Eu estava parado perto da porta, e logo pude ouvi-la chorando. Começou baixinho, quase um sussurro, mas aumentou até virar um urro gutural. Eram os soluços de uma criancinha perdida na floresta.
Ela saiu do quarto, e eu assisti à cena num monitor. Agora, sem a maquiagem espalhafatosa, Lindsay estava linda e triste, de uma beleza comovente: ficou fácil entender por que homens como Schrader estavam dispostos a colocar suas vidas nas mãos dela. A câmera rodou e Deen se aproximou lentamente para tocar o rosto da atriz. Nesse momento Schrader xingou.
“Esse sangue está com cara de falso. É para parecer seco, de horas atrás, e está com cara de fresco. A gente vai ter que corrigir isso na pós-produção. Chega.”
Depois do jantar, Lindsay surgiu transformada – vacilante e feliz, com um sorriso brincalhão no rosto. Schrader tentou marcar a próxima cena com ela – uma discussão com Christian por causa do comportamento criminoso dele –, mas Lindsay ficava tropeçando e dando risadinhas, errando todas as marcas. Schrader pediu pausa de quinze minutos. Ele se virou para mim e deu de ombros. “Se ela quer tratar isso aqui feito The Real Housewives of Beverly Hills, é assim que vou filmar.”
Schrader disse à equipe que eles iam filmar o resto da cena com câmeras na mão. Assim, onde quer que Lindsay estivesse seria a sua marca. Enquanto ajustavam o equipamento, ela saiu para fumar no pátio. Ainda estava com o microfone, então todos que estavam de fone ouviram o que ela disse.
“Eu estou com um assistente desmaiado lá em casa e outro lá em Palisades dizendo que quer se enforcar. Maravilha.”
Ela soltou uma baforada, apagou o cigarro e voltou para dentro. Schrader ficou mais uma hora filmando a cena, xingando em voz baixa enquanto Lindsay revirava os olhos para ele da escada.
Lindsay pediu uma pausa rápida para retocar a maquiagem e se refugiou no quarto. Schrader foi dar uma palavrinha com ela e saiu com uma cara safada.
“Sabe aquele aplicativo de iPhone que faz umas explosões?”
Ergueu o telefone e me mostrou as imagens que tinha acabado de fazer, de Lindsay sendo maquiada. Apertou um botão, e uma explosão de altíssima qualidade pulverizou a sua estrela.
Schrader deu o primeiro sorriso da noite. Começou a falar de Os Desajustados, um filme de 1961, escrito por Arthur Miller e dirigido por John Huston. O filme registrou as últimas atuações tanto de Clark Gable quanto de Marilyn Monroe. A filmagem foi confusa, cinquenta dias que viraram noventa, com Marilyn passando uma semana no hospital durante esse período.
“Nós estamos fazendo Os Desajustados com um micro-orçamento”, Schrader riu. Ele coçou a cabeça e arqueou as sobrancelhas. “Mas o negócio é que Os Desajustados é realmente um belo filme.”
Schrader estava ficando arrogante. Apesar de todas as brigas com Lindsay, a filmagem mantinha-se dentro do cronograma previsto; ela não tinha faltado nem um dia.
“Estamos perto do ponto em que mesmo que ela desapareça ainda vai dar para fazer um filme”, me disse Schrader. “Só mais um dia cheio e pronto.”
Foi aí que as coisas começaram a ir ladeira abaixo de verdade. Lady Gaga agora estava hospedada no Chateau, e isso era uma péssima notícia para The Canyons. Lindsay não apareceu de manhã, e depois saiu para almoçar com amigos, voltando com uma conta de 600 dólares em sushi, saquê e vodca.
“Acho que ela ainda não entendeu”, disse Pope. “Seiscentos dólares é coisa pacas num filme como esse. Isso é a diária de seis caras aqui.”
Na manhã seguinte, Lindsay deveria filmar no Café Med, um restaurante em West Hollywood. Mas quando cheguei Pope estava à beira do pânico.
“A Lindsay ficou na balada com a Lady Gaga até cinco e meia da manhã. A filmagem dela era às seis.”
Às nove da manhã, Lindsay estava deitada num sofá do Café Med com as mãos na frente dos olhos, protegendo-os de um sol imaginário. A produção tinha reservado o restaurante até as onze. Schrader andava de um lado para o outro, respirando pesado.
Um médico chegou e mediu a pressão de Lindsay. Ele foi até Pope e Schrader. Seu diagnóstico: uma infecção no ouvido. Ela não poderia mais trabalhar naquele dia. Schrader não engoliu essa história.
“Esse cara é o médico dela; vai dizer o que ela quiser. Eu filmei de maca, uma vez. Ela podia encarar, mas não quer.”
Pope e Schrader juntaram o pessoal da produção num canto e pensaram em cenas que podiam rodar naquele dia em substituição àquela. “O que é que a gente ainda tem para o James?”, perguntou Schrader.
Houve um silêncio constrangido antes de alguém da produção declarar: “Hã, eu estava passando pelo aeroporto de Burbank ontem e vi o James estacionando lá.”
Ligaram para ele. Deen admitiu que não estava em Los Angeles.
“Merda”, disse Schrader. “Ele concordou em não filmar pornô durante o nosso filme. Agora está fora da cidade fazendo pornô. Eu disse a ele que tinha que ficar na cidade. Agora perdemos um dia inteiro.”
A equipe cuidou de outras cenas enquanto Lindsay se recuperava da gripe Gaga. O estresse da filmagem estava pesando em todos; a equipe não recebia havia uma semana. Pope, na esperança de levantar o moral do pessoal, sugeriu rifar dois tablets Samsung que tinham sido usados no filme. Schrader não embarcou na ideia.
“Eu não tenho tablet. Quero um para mim.”
Na manhã seguinte, todos se reencontraram no Café Med. Lindsay chegou quase na hora. Passou um ônibus turístico, com os passageiros acenando e tirando fotos. Durante uma mudança de câmera, conversei com Lindsay enquanto ela fumava no estacionamento. Ela começara a se dar conta de que o filme estava quase pronto. Parecia sinceramente desolada.
“Eu precisava de um tempo para perceber o buraco em que eu mesma me meti, e meio que me dei conta do que estava fazendo. Gosto de trabalhar. Gosto de estar aqui. Isso aqui me deixa feliz. Tem uma fala no filme da Elizabeth Taylor em que ela diz: ‘Eu estou tão entediada, ninguém nunca me explicou o que fazer quando não estou trabalhando’, e eu meio que estou entendendo isso agora.”
Lindsay estava com um chapéu de aba mole para proteger a pele do sol e acenou quase sem dar bola para dois fotógrafos que a miravam de uma ladeira a 20 metros dali. Lembrei que ela disse que queria ir para a África depois que a filmagem acabasse. Ainda ia? Ela sacudiu a cabeça: tinha mudado de ideia.
“Não quero tirar folga, quero ficar trabalhando. Tem uns outros roteiros, e quero dirigir um dia, aí de repente quando não estiver filmando posso dirigir alguma coisa porque aprendi muito com o pessoal com quem trabalhei.”
Falei da cena, na casa, em que ela se desmanchou em lágrimas. Acho até que disse que ela ainda tinha um dom e que esse dom não deveria ser desperdiçado. Os olhos de Lindsay ficaram cheios de água.
“Eu sei. Eu estou tentando. De verdade.”
Mas aí sacudiu a cabeça.
“Não posso chorar. Estou maquiada.”
Faltava só mais uma cena. Os produtores do filme negociaram com o Loews Hotel em Santa Monica para usar uma suíte onde pudessem se preparar para a filmagem. Ia ser complicado; o roteiro dizia que Lindsay era seguida por um maníaco enquanto fazia compras no Santa Monica Promenade. O único problema era que o shopping queria 10 mil dólares para autorizar a filmagem, e The Canyons não tinha esse dinheiro todo. Então eles decidiram por um lance arriscado: filmar um dos rostos mais conhecidos dos Estados Unidos caminhando por um shopping lotado, com câmeras na mão.
Schrader já estava examinando a locação quando Lindsay chegou à suíte com o seu séquito. Ela sorriu e acenou para todo mundo, e aí percebeu uma revista com Oliver Stone na capa. Pegou a revista e a rasgou em pedacinhos, xingando. (Lindsay tinha sido uma das opções para um papel em Selvagens, de Stone, mas o diretor acabou desistindo dela.) Depois foi para o quarto, gritando: “Alguém quer uma cervejinha?” E logo voltou.
“O frigobar está vazio. Mas que estranho, não?”
Lá no shopping, Schrader andava nervoso de um lado para o outro. “A gente tem que conseguir três takes, e tem que ser de primeira.” Ele estava com medo de chamar a atenção dos seguranças do shopping. Uma hora depois, Lindsay chegou com o seu Porsche preto seguido por quatro ou cinco paparazzi. Schrader jogou as mãos para o céu e disse: “Era só o que faltava!”
Lindsay, educadamente, mandou-o calar a boca.
“Pode deixar, Paul, vai dar tudo certo.”
Ela desceu do carro e se virou para os fotógrafos.
“Eu vou fazer um acordo com vocês. Dou uma foto bem boa, mas depois vocês têm que ir embora.”
Lindsay virou para o seu lado mais fotogênico e ergueu a saia comprida, mostrando um pouco de perna.
“O.k., vamos lá. Cinco, quatro, três, dois, um. Agora vocês têm que ir embora.”
Os fotógrafos se afastaram. Lindsay entrou no shopping, e Schrader começou a filmar. Mas eles logo foram detidos pela senhora que chefiava a segurança do local.
“Isso é proibido.”
Lindsay abriu um sorriso inocente.
“Ele só está tirando umas fotos, juro.”
A senhora da segurança bufou.
“Você estava usando a mesma roupa de quando estiveram filmando lá em cima no Sonoma Wine Garden na semana passada. Têm que parar de filmar já.”
Era o fim. Derrotado, Schrader voltou para o hotel. Lindsay foi para o Porsche. Gavin estava ao volante. Ela me disse para ir no banco de trás. Antes de chegarmos ao portão de saída, um fotógrafo saltou de um canto escuro. Lindsay gritou com ele.
“Seu mentiroso!”
O fotógrafo deu de ombros.
“A minha câmera travou naquela hora.”
Lindsay mostrou o dedo médio em riste, e nós partimos para a rodovia.
“Eu despistei um monte deles no caminho para o Loews. Aí, quando cheguei lá, tinha mais, e eram uns carros totalmente diferentes, gente da X17 e da Splash”, disse ela, falando rápido. A caçada dos paparazzi a tinha deixado animada de um jeito que eu ainda não vira. “Eles já estavam esperando no hotel; eles já estavam lá.”
Perguntei por que ela não tentava um carro que desse menos na cara.
“Já tentei de tudo, eu usava peruca… a gente saía de jipe Wrangler, com uns Cadillacs velhos – tentei de tudo.”
Lindsay gritou para Gavin entrar numa transversal, mas ele deixou passar. Ela deu um suspiro dramático, mas não parecia incomodada de verdade.
“É meio apavorante. Já teve gente que me ofereceu 25 ou 30 ou às vezes 50 mil por uma foto de biquíni. Eu fico com medo que eles ponham rastreador no meu carro, e aí só Deus sabe…”
De volta ao Loews, Schrader e Pope estavam discutindo as alternativas. Lindsay sugeriu rodar a cena no Grove, um shopping elegante de West Hollywood.
“Olha, dá para a gente fazer no Grove, e dá para fazer de graça.”
Pope olhou para ela, sem entender.
“A gente faz o Access Hollywood pagar. Eles filmam, eu respondo três perguntas sobre o filme e eles pagam a autorização. É mole.”
Pope e Schrader não estavam levando muita fé naquilo. Mas Lindsay continuou insistindo enquanto saía da sala. “Eles topam na certa.”
Alguns dias depois, Schrader e Pope, tendo escolhido uma operação mais convencional, filmaram Lindsay no Century City Mall, pagando 3 mil dólares pela autorização.
E assim, sem mais, o filme estava pronto. Schrader me disse que ia levar seis semanas para editar, mas depois de três semanas eu recebi um e-mail dizendo que já estava quase pronto. Fui encontrá-lo numa pequena sala de edição no último andar do Brill Building, em Nova York, onde estavam reunidos meia dúzia de amigos de Schrader do cinema independente. Ele colocou um DVD.
A cena de abertura se arrastava indefinidamente. Schrader tentara quebrar a monotonia com movimentos de câmera exibicionistas que só enfatizavam o lado mortiço da cena. Como Pope temia, a maquiagem deixava a atriz com cara de quem tinha pousado direto de um filme completamente diferente.
No entanto, depois de uns quinze minutos, a coisa começou a funcionar. Deen exalava uma malevolência discreta. Ellis tinha razão: ele nascera para representar um personagem de Bret Easton Ellis. Lindsay estava ao mesmo tempo vulnerável e depravada.
Quando o filme acabou, os amigos de Schrader preferiram não comentá-lo, mas ele estava em êxtase. Continuamos a conversa num bar próximo. Schrader tinha certeza de que o filme seria aceito no Festival de Sundance. Quem sabe não daria para recuperar dez vezes o que investiram.
“A gente achando que ia ser um Meu Jantar com André, mas é um filme de verdade. Cacete, não é que a gente conseguiu?”
Porém, como tratava-se de The Canyons, o fim não podia ser tão tranquilo assim. Voltei a Los Angeles para assistir ao filme uns dias depois com Ellis e Pope. Ellis foi o que menos gostou.
“Ficou tão arrastado. Dura uma hora e meia que parecem três. Eu via esse projeto como um thriller meio noir e meio gaiato, mas o Schrader fez, sei lá, um filme do Schrader.”
Pope e Ellis concordaram que a cena de abertura não tinha dado certo. Pope ligou para Schrader propondo refilmá-la, e recebeu uma negativa enfurecida.
“A gente podia filmar de novo, por 15 mil, num dia só”, disse Pope. Mas logo se corrigiu. “Quer dizer, com a Lindsay, a gente ia ter que orçar dois dias, mas dava. Só que ele não quer.”
Era isso mesmo. Schrader não podia nem ouvir falar da possibilidade de refilmar. E com razão. Foram necessários dois meses e a intervenção do pai de Lindsay para fazer com que a atriz concluísse duas horas de dublagem para as cenas externas. Nesse meio tempo, ela socou uma médium, foi acusada de bater num pedestre em Nova York, estava sendo investigada pela Receita Federal e viu seus pais darem vexame num episódio muito especial do programa de entrevistas Dr. Phil.
Enquanto isso, Ellis, Pope e Schrader não se entendiam sobre a montagem final do filme. Pope mostrou uma versão semifinalizada de The Canyons para Steven Soderbergh. Intrigado, Soderbergh se ofereceu para fazer uma edição se o deixassem ficar com o material por 72 horas.
Schrader não deixou.
Falei com ele pela última vez em Toronto, onde estava trabalhando na trilha sonora do filme como músico canadense Brendan Canning. Ele acabara de saber que The Canyons não fora aceito pelo Sundance – o filme seria posto à venda pela William Morris Endeavor no fim de janeiro –, e estava num humor ainda pior do que o normal.
“A mera ideia dessas 72 horas é uma piada”, disse Schrader. “Ele precisaria de 72 horas só para ver o material todo. E você sabe o que o Soderbergh faria se outro diretor se oferecesse para editar um filme dele?”
Respondi que não. Schrader se reclinou na cadeira e me mostrou os dois dedos médios.
“É isso que o Soderbergh faria.”
Inevitavelmente a nossa conversa voltou ao tema Lindsay Lohan. Schrader mostrou o filme para Lindsay e para a mãe dela, Dina, em outubro, no apartamento dele em Nova York. As duas ficaram tão furiosas com o tempo que a câmera dedicava a James Deen que Schrader teve que levar Dina para outra sala a fim de conseguir passar o filme todo.
Perguntei se Schrader se arrependera de ter escolhido Lindsay. Ele sacudiu a cabeça.
“Não, ela está ótima no filme.”
Schrader então me contou um segredo. Até o dia da desastrosa exibição em seu apartamento, ele vinha conversando com Lindsay para ver se ela estrelaria um remake de Gloria, de John Cassavetes, sobre uma mulher que está fugindo da máfia. O diretor se animou como uma criança; era a esperança triunfando sobre a memória de ter se obrigado a ficar pelado no set.
“Não tem outro ator principal no filme. Ela seria perfeita para o papel.”
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