ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2013
Síndico padrão FIFA
Sua reunião de condomínio nunca mais será a mesma
Renato Terra | Edição 83, Agosto 2013
A denúncia veio pelo interfone: “Sérgio, meu vizinho está fumando maconha.” “Pois não. Pode me passar seu RG, dona Maria?”, respondeu o síndico. Diante da estupefação da moradora, justificou-se: “Para ligar para a Polícia Federal, tenho que identificar o autor da denúncia. Não vi nenhum consumo de drogas, não posso dar meu RG. Pode me passar o seu?”, insistiu. O caso foi deixado de lado.
Sérgio Craveiro citou esse exemplo para mostrar à plateia que os problemas pessoais dos moradores não devem ser assumidos pelo síndico. “Cansei de ficar sem dormir por causa de problemas que não eram meus”, prosseguiu. “Nesses casos, temos que ser apenas mediadores.”
Craveiro falava para uma audiência de dez pessoas reunidas numa sala comercial no Centro de São Paulo. Elas haviam desembolsado 650 reais para participar do Curso de Síndico Profissional e Administração de Condomínios. Tinham abdicado de um fim de semana em julho para assistir às aulas das oito da manhã às seis da tarde de sábado e domingo.
Mas era por um bom motivo. Assim que todos se acomodaram na sala de aula, após ganhar um bloquinho, uma caneta e um pacote de Club Social, o professor explicou que havia criado o curso para ensinar como ganhar dinheiro com o ofício de síndico. Um bom síndico profissional, prosseguiu, pode faturar até 9 mil reais por condomínio que administra – basta que cada morador contribua com uma taxa de 25 a 40 reais. Craveiro é atualmente síndico de onze condomínios.
Na plateia, metade dos alunos já atuava como síndico e recebia apenas isenção da taxa condominial – que variava de 100 a 500 reais. “Eu apenas assino cheques”, brincou Paulo Henrique Corrêa, um analista autônomo do mercado financeiro. Como muitos ali, assumiu a função de síndico porque ninguém mais quis.
Os principais problemas do síndico, ensinou Craveiro, podem se resumir na fórmula dos “quatro cês”: cachorro, cano, criança e carro. O segredo da gestão eficiente está na boa relação com o zelador e com a administradora terceirizada, que lida com contratos, notas fiscais e outras questões operacionais fora do condomínio.
Craveiro frisou a importância de todos conhecerem a convenção do condomínio e as leis federais que regulamentam a função do síndico. “Todo mundo que faz obra no apartamento, por exemplo, tem que ter o laudo de um engenheiro responsável, inclusive se for pintar a parede”, afirmou, para pasmo da audiência. “Mas ninguém faz isso”, protestou um aluno. “O prédio pode cair por causa de uma obra malfeita, e o síndico é responsabilizado civil e criminalmente”, ressaltou. “Se todo mundo colocar mármore no piso, acaba comprometendo a estrutura do prédio”, atestou Leandro Cabrelli, um jovem de 26 anos que veio de Ribeirão Preto especialmente para o curso.
O professor causou espécie quando contou que as reuniões de condomínio comandadas por ele – ou assembleias gerais ordinárias, como ele prefere chamar – duram no máximo quarenta minutos. E ensinou a receita da concisão: é preciso enviar com antecedência a todos os moradores um edital de convocação com os temas da pauta. “A cada reunião devem ser tratados no máximo quatro assuntos, e tópicos de fora da pauta devem ser barrados.”
Sérgio Craveiro tem 39 anos, sobrancelhas espessas e cabelos levemente grisalhos cortados bem rentes. Fala alto e é direto e pragmático, o que já lhe rendeu fama de grosseiro. Cita de cabeça uma penca de leis, códigos e procedimentos jurídicos de uso prático para os síndicos. “Quando um morador vem gritando, eu não respondo, espero que ele se acalme. Em seguida, pergunto se leu a convenção do condomínio. Eu não invento regra nenhuma, apenas sigo”, explicou. “Mas quando a pessoa fala baixo, chega a arrepiar. É nesses que vocês têm que prestar atenção.”
Aos 15 anos, por causa de uma briga com o pai, Craveiro decidiu correr atrás de independência financeira e foi trabalhar como office boy. Em 1992, aos 18 anos, numa reunião de condomínio, deparou-se com um dilema que definiria o rumo de sua vida: ninguém queria ser síndico. Seu pai pediu a palavra e lançou seu nome. Craveiro lembra a reação dos presentes: “Mas o Serginho? Ele é muito jovem!” Como ninguém mais se apresentasse, o rapaz começou a administrar seu primeiro prédio, recebendo três salários mínimos pela função. Nos meses seguintes, já acumulava a gestão de mais dois prédios vizinhos. Formou-se em administração de empresas e fez mestrado em Chicago.
Craveiro não é o síndico do prédio onde mora, em Santos, mas administra as despesas domésticas e adora conversar sobre questões condominiais em família. Suas filhas, de 8 e 6 anos, entendem do assunto e estão prestes a se tornar síndicas mirins. Ele atende telefonemas e responde a e-mails de manhã, de noite e de madrugada. “Mas se alguém me liga na hora da novela, dou uma desculpa”, confessou.
O celular de Craveiro não tocou nem uma vez sequer durante o curso. Quando alguém liga com algum pedido, ele pede que a solicitação seja encaminhada por escrito. “É sempre bom deixar tudo registrado. A pessoa que te pede ajuda hoje pode te processar lá na frente.” Fez uma pausa e completou com um bordão que repetiu várias vezes no fim de semana: “O mundo é mau.”
Presidente da Confederação Nacional dos Síndicos, Craveiro briga pela regulamentação da profissão, ainda não reconhecida. Isso não impediu que ele conferisse aos alunos um diploma e uma carteirinha de síndico profissional. Quem levou um pen drive também voltou para casa com modelos de contratos, atas de reunião, respostas-padrão para e-mails indesejados e planilhas para calcular a folha de pagamento dos funcionários. O professor ficaria à disposição para resolver dúvidas dos alunos nos dois meses seguintes. E se alguém ligar depois disso? “Não tem problema”, disse, com um sorriso. “Minha vida é falar de condomínio.”