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    Escultura de urso polar na entrada do centro de convenções onde se realiza a COP21, nos arredores de Paris FOTO: BERNARDO ESTEVES

Questões da Ciência

Não é só por meio grau

Um objetivo do acordo do clima que está sendo gestado em Paris é limitar a 2ºC o aumento da temperatura global em comparação com os níveis pré-industriais. O número é considerado um limite além do qual as consequências poderiam ser desastrosas. Mas os países mais vulneráveis, que já estão sofrendo as consequências do aquecimento global, defendem um aumento máximo de 1,5ºC.

Bernardo Esteves | 10 dez 2015_17h21
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Um dos objetivos do acordo do clima que está sendo gestado na COP21 em Paris é limitar a 2ºC o aumento da temperatura média do planeta em comparação com os níveis pré-industriais. Esse número é considerado por cientistas e políticos um limite aceitável além do qual as consequências para o planeta e para a humanidade poderiam ser imprevisíveis e desastrosas. Mas países vulneráveis como as nações-ilha do Pacífico, que já estão sofrendo as consequências do aquecimento global, julgam-no insuficiente. Por isso eles defendam um acordo mais ambicioso, que almeje um aumento máximo de 1,5ºC.

É improvável que o acordo de Paris venha a adotar esse objetivo. Mas ele permanecia vivo num rascunho do documento apresentado na tarde de ontem, 9 de dezembro, pelo presidente da COP21, o chanceler francês Laurent Fabius. O artigo que trata do aumento máximo de temperatura a ser almejado pelos países previa três opções a serem escolhidas pelos representantes dos quase 200 países reunidos em Paris: abaixo de 1,5ºC, abaixo de 2ºC e uma solução intermediária: “bem abaixo dos 2ºC”, com o compromisso de aumentar os esforços globais para manter um teto de 1,5ºC, “reconhecendo que, em algumas regiões e ecossistemas vulneráveis, altos riscos são projetados mesmo para um aquecimento acima de 1,5ºC”.

Resta ver qual opção será mantida na versão final do acordo. Tudo está mudando rapidamente à medida que a conferência do clima se aproxima do fim; um novo rascunho do texto, levando em conta comentários de todas as delegações, é aguardado para esta quinta-feira.

Atualização de 11/12/15: A nova versão do texto apresentada na noite de quinta, dia 10, acabou mantendo apenas a opção intermediária – aumento bem abaixo dos 2°C, com a ambição de ficar abaixo de 1,5oC -, com formulação ligeiramente diferente daquela do texto da véspera.

“Devemos construir pontes para atingir a meta de 1,5ºC e para que os países mais ricos assumam compromissos realmente sérios de financiamento para ajudar as economias mais frágeis”, disse à imprensa José Ramos-Horta, ex-presidente de Timor Leste, representando o grupo dos LDCs, que reúne as 48 nações menos desenvolvidas do planeta. “Os LDCs são os países mais vulneráveis – alguns por causa da geografia, outros pela fragilidade de suas instituições e economias. A menor mudança no clima nos afetará primeiro”, afirmou Ramos-Horta, ganhador do Nobel da Paz em 1996.

Que se trate de um aumento de 1,5 ou 2ºC, o ponto de referência para o cálculo do aumento de temperatura é a Revolução Industrial, na metade do século XIX, quando começaram a ser lançadas na atmosfera quantidades expressivas de dióxido de carbono e outros gases do efeito estufa, responsáveis por reter na atmosfera parte do calor recebido do Sol. As medições da temperatura média do planeta são feitas sistematicamente desde então – hoje ela é calculada com base em dados coletados por milhares de estações meteorológicas espalhadas nos continentes e oceanos ao redor do globo. Em novembro, climatologistas britânicos estimaram que o aumento da temperatura média do planeta atingiria o patamar de 1ºC até o fim do ano. Resta-nos, portanto, apenas um grau – ou meio grau, numa visão mais exigente – até que se atinja o limite prudente.

O patamar de 2ºC é endossado pelas projeções dos modelos climáticos adotados nos relatórios do IPCC, o painel de estudiosos do aquecimento global montado pela ONU. Apontado num relatório sueco de 1990 e, seis anos depois, numa declaração de um conselho de ministros europeus do meio ambiente, esse limite irrompeu no cenário das negociações climáticas internacionais na decisão final da COP16, realizada em Cancún em 2010. Ali, os signatários da Convenção do Clima se comprometeram pela primeira vez a adotar esse teto de aquecimento – e a se esforçar para chegar a 1,5ºC.

Mas toda a discussão sobre limitar o aquecimento do planeta a 1,5 ou 2ºC em relação aos níveis pré-industriais soa inócua diante da ambição manifesta pelos países até aqui. O acordo de Paris está sendo construído a partir do somatório de esforços voluntários que cada país se comprometeu a fazer para combater o aquecimento global. No fim de outubro, a Convenção do Clima da ONU divulgou uma análise dos compromissos anunciados até então. Somadas, as contribuições colocariam o planeta nos trilhos de um aumento de temperatura de pelo menos 2,7ºC.

Por isso, nem os mais otimistas dos ambientalistas apostam num acordo que limite o aquecimento a 1,5ºC. Numa conversa com o blog durante a COP21, o biólogo André Nahur, coordenador de mudanças climáticas da WWF Brasil, disse que a ONG está empenhada para que esse número seja ao menos citado no texto final do acordo. “É importante que haja a menção para que se tente aumentar a ambição dos países”, afirmou. “Mas por enquanto não conseguimos sequer chegar perto dos 2ºC.”

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