Toni Erdmann – provocador e divertido
Além do boca a boca favorável, o que terá levado alguém a imaginar que o inquietante filme pudesse ser um bom programa?
Casa cheia domingo à noite. O que terá feito aquelas cento e poucas pessoas sairem de casa para assistir ao perturbador filme de Maren Ade, em um dia frio e chuvoso? Ser anunciado como “comédia dramática” pesou a favor da escolha de Toni Erdmann? E o Bonequinho do Globo, aplaudindo de pé, terá influído? Além do boca a boca favorável, apesar de haver respeitáveis vozes discordantes, o que terá levado alguém a imaginar que o inquietante filme pudesse ser um bom programa? É pouco provável que a maioria daqueles espectadores dominicais soubesse que um fato incomum aconteceu ano passado, na sessão da crítica de Toni Erdmann no Festival de Cannes: houve uma irrupção espontânea de aplausos em meio à projeção.
Inusitado, Toni Erdmann pega de surpresa quem não estiver preparado. Mas, quem poderia estar preparado para testemunhar as intervenções desconcertantes do alter ego de Winfried, professor de música idoso e doidão que se maquia, usa perucas e uma dentadura postiça? A força do filme, além das atuações brilhantes de Peter Simonischek, como Winfried/Toni Erdmann, e Sandra Hüller, como Ines, a filha yuppie de Erdmann, está em parte no modo simples de Ade filmar, na ironia que permeia o desenrolar da trama e, principalmente, no contraste entre o realismo da encenação e as sucessivas situações absurdas criadas por Erdmann.
Há um lado lúdico nas peças que Erdman prega, sem outro objetivo a não ser o de desconcertar práticas habituais e se divertir. São brincadeiras gratuitas, relativamente inofensivas, como a da primeira cena do filme, na qual um mensageiro, na tentativa de entregar uma encomenda, mal consegue manter a compostura.
Um propósito definido predomina, porém, na performance de Erdman. Sua missão é abalar a rigidez da filha, mais aparente do que real. Tarefa à qual ele se dedica com afinco ao longo de todo o filme, com algumas vitórias momentâneas e inconclusivas. No final, Ines parece ter reassumido a postura da sua persona convencional.
Entrevistas de diretores e diretoras são sempre arriscadas e Ade não deixa de derrapar, mas se recupera logo em seguida. Induzida pelo entrevistador, ela diz que Toni Erdmann é “sobre globalização e capitalismo e o que ambos fazem conosco, com nossas relações”. Ups! Essa é de doer. Ainda bem que nem todo mundo lê essas entrevistas. Ade, porém, na verdade, escapa do vexame completo ao qualificar melhor o que acabou de dizer e citar, em seguida, Asghar Farhadi, demonstrando certo senso de humor: “Toni Erdmann não faz uma declaração política forte. Há dois dias eu estava em um simpósio e o [diretor iraniano] Asghar Farhadi disse, ‘O tempo do cinema que dá respostas acabou – agora é o tempo do cinema que faz perguntas’. Eu pensei, ‘Oh merda, onde está meu notebook? Preciso anotar isso”. (entrevista disponível em aqui)
Toni Erdmann preserva qualidades do primeiro filme de Ade, A floresta das ilusões (Der Wald Vor Lauter Bäumen), de 2003 – a simplicidade na maneira de filmar e conduzir a narrativa, o realismo, e características da personagem principal, a jovem professora Melanie (Eva Löbau), igualmente desajustada, solitária e capaz de criar situações constrangedoras, como Erdmann. Mas agora, em Toni Erdmann, Ade vai além – radicaliza seu filme mais recente ao situar personagens comuns no mundo das grandes corporações e dos negócios internacionais, ao mesmo tempo em que transita, com humor, entre realismo e absurdo.
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