ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2014
A Santa Ceia do pastor
Um sem-avô de olho no Planalto
Daniela Pinheiro | Edição 92, Maio 2014
Ao menos três candidatos que pretendem enfrentar Dilma Rousseff nas urnas em outubro adotaram um discurso de campanha parecido. Repetem que o povo não aguenta mais o PT, que a presidente perdeu o rumo, que é hora de mudar, que vão colocar o país de volta nos trilhos. É o que diz Aécio Neves, do PSDB, com 14% das intenções de voto, e replica Eduardo Campos, do PSB, na casa dos 6%.
É também o discurso do Pastor Everaldo, vice-presidente do Partido Social Cristão, que tem 2% do eleitorado, de acordo com a última pesquisa do Ibope. “Mas eu sou diferente”, disse numa tarde recente na sede do partido, em Brasília. “Tenho origem humilde, colégio público, fui camelô, feirante, servente de pedreiro e não tive avô famoso”, comentou, referindo-se à genealogia dos concorrentes, netos dos ex-governadores Tancredo Neves e Miguel Arraes. “Sou desconhecido. Me fiz sozinho”, disse, grave.
Simpático, sorridente, com voz de locutor de rádio, Pastor Everaldo – que sempre usa na lapela um brochinho de peixe, símbolo do partido – já apoiou Brizola, Lula, Garotinho, José Serra, Sérgio Cabral e Dilma. Hoje é da oposição. Ele se lembra, sem rancor, da promessa feita pelo então presidente do PT, José Eduardo Dutra, quando negociavam a entrada na base aliada. “Nossa combinação era que, se estivéssemos na base, teríamos o mesmo tratamento do PCdoB”, disse. “Mas isso nunca ocorreu.” Enquanto um emplacou ministérios e secretarias, o PSC ficou como um peixinho fora d’água. Passaram a obstruir as votações do governo.
No ano passado, o partido pulou para as manchetes da imprensa com a nomeação do deputado Marcos Feliciano para a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara. “Aquela confusão foi salutar para a democracia brasileira”, disse, sob o olhar atento de nove testemunhas, arregimentadas para a entrevista (antes que eu deixasse a sala, a foto do encontro já estava no Instagram). Para ele, foi a prova de que a comissão era direcionada. “Feliciano desengavetou tudo. Eles só analisavam o que uma minoria queria”, disse. Em sua avaliação, o episódio fez o PSC ser conhecido nacionalmente.
Em oito anos, o partido passou de um para dezessete deputados eleitos, além de um senador. “E agora um candidato ao Planalto”, comentou. Por isso, incomodava-lhe o rótulo de “nanico”. “Você acha que o PV é nanico? O PPS? O PCdoB? Pois é, somos maiores que eles, mas só escrevem nanico sobre o PSC!” Se ele achava que havia preconceito com políticos religiosos? “Sim, há um rançozinho.”
Carioca, filho de um pastor da Assembleia de Deus e de uma dona de casa, ele foi criado na igreja. Vendeu frutas e louças na feira de Acari, foi carreteiro, pedreiro, até ser aprovado num concurso para contínuo do Instituto de Resseguros do Brasil. Fez carreira como atuário. É dono da corretora EDP – que “vende seguro até da alma” –, onde trabalham dois de seus três filhos. O outro é o deputado federal Filipe Pereira, reeleito em 2010.
A plataforma social do pastor é conhecida: defende a proibição do aborto, é contra o casamento gay, a eutanásia e a descriminalização das drogas, mesmo para fins medicinais. Mas ele evita polemizar sobre temas sensíveis. “Meu foco é o aparelhamento do país, a inflação galopante, a falta de comando, a maquiagem das contas públicas”, explicou. “A aberração de a presidenta ter que distribuir tratorzinho em município. Está tudo fora de ordem.” Seus ídolos na vida e na política: Jesus, Pedro Aleixo e Itamar Franco.
“Sim, sou conservador”, disse, negando ter conhecimento sobre a teoria que liga os jovens liberais ao mau desempenho nas conquistas amorosas. “Só vemos nas pesquisas que a população brasileira pensa igual a nós”, disse.
Perguntado se realmente acreditava na vitória, ele foi enfático. “Você pode achar que sou louco, mas estou convencido que em 1º de janeiro você vai estar entrevistando esse homem aqui como presidente da República”, afirmou. O partido está confiante numa votação expressiva graças a estrelas ascendentes recém-filiadas, como o cirurgião plástico brasileiro naturalizado americano, Dr. Rey, que tem um programa na Rede TV, e a ex-Big Brother Maria Melilo.
Quando se falou que sua plataforma de mudança se parecia com a dos concorrentes, ele se avexou. “Você me perdoe, mas o Eduardo Campos copiou isso de mim. Olha no meu blog, estou falando em mudança há dois anos.” O PSDB também o teria mimetizado. “Nunca tiveram coragem de assumir ser a favor de um Estado mínimo. Falo isso há anos e só agora eles começaram”, afirmou.
Por essas e por outras, ele acredita, vai disparar nas pesquisas assim que se tornar um pouco mais conhecido. Ultimamente, tem aparecido com frequência nos programas da legenda. “É como Davi e Golias, eu tenho só um estilinguinho, mas a gente sabe como termina essa história.”
A seu lado, Gilberto Nascimento, presidente regional do partido, aproveitou a deixa e mencionou que Jesus, mesmo sabendo que ia ser crucificado, chamou os discípulos para a Santa Ceia. “Ninguém entendeu nada, mas ELE já estava mirando na ressurreição no domingo”, disse. “Então, para a gente, é VINTEver, VINTEbuscar, VINTEabraçar”, disse se referindo ao número do partido. “Já estamos lá na frente, na ceia de domingo da eleição.”