ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2014
Maluf, procurado e encontrado
A última campanha do doutor Paulo
Malu Delgado | Edição 95, Agosto 2014
Para ser bem-sucedida, uma campanha a deputado federal em São Paulo precisa dispor de 10 milhões de reais, segundo estimativas não oficiais. “Minha campanha vai custar saliva e corda vocal. Não cobrei nada de você para vir aqui, cobrei? E você está fazendo a minha campanha de graça”, reagiu o deputado federal Paulo Salim Maluf, do Partido Progressista, o PP, quando o confrontei com os números numa tarde fria e chuvosa de julho, em Limeira, interior de São Paulo. “Te paguei para você vir aqui?”, continuou ele, dirigindo-se agora à repórter de um diário local.
As campanhas têm um custo elevadíssimo, insisti. “Meu amor, não têm. Eu gasto a gasolina do carro. E o chofer, que pago do meu bolso. Só. E tento relembrar as obras que eu fiz, não é? É um dividendo eleitoral que eu tenho.” E mais: “Você alguma vez ouviu que comprei cabo eleitoral? Não gasto dinheiro, gasto minha saúde.” No registro de sua candidatura no Tribunal Superior Eleitoral, Maluf orçou sua campanha em cerca de 8 milhões de reais. Seu patrimônio declarado é de 39 milhões.
Sim, Maluf consta mais uma vez das listas eleitorais. Ele contabiliza 22 campanhas, para si próprio ou para candidatos que apoiou. Em 47 anos de vida pública, foi prefeito biônico de São Paulo (1969) e governador também indicado do estado (1979), prefeito de novo, em votação direta (1993), e elegeu-se deputado federal em 1982, 2006 e 2010. Entre 1985 e 2008, foi derrotado em duas disputas pela Presidência, quatro para a prefeitura paulistana e quatro para o governo paulista. A busca de votos para a reeleição ao Congresso começou logo depois do fim da Copa. “Eu só tenho essa opção. Não tenho outra. Eu tenho autocensura”, disse.
É a idade, e não a ficha com acusações como de improbidade administrativa e evasão de divisas, que ele alega para explicar a despedida. “Vou fazer 83 anos [em setembro]. Termino o mandato com 87. Quem sabe não será a hora de fazer companhia só para a Sylvia [sua mulher há 59 anos]”, disse ele em seu Azera preto (o modelo 2015 vale em torno de 114 mil reais), enquanto nos deslocávamos de um hotel em Limeira para o comitê eleitoral de um correligionário que o “doutor Paulo” quer ver em Brasília no ano que vem. O automóvel não consta em sua declaração de bens enviada ao TSE.
“Maluf, posso tirar uma foto com você?”, perguntou um funcionário do hotel. “Vem cá, querido. Com prazer.” Ele se levanta vagarosamente. A voz é a mesma, a entonação idem, assim como as frases de efeito. “A Marina? Em 2018? Não… As ideias dela, de manter o bioma, são para ter 15% de votos. Manter o bioma é quatro borboletas, cinco cobras, dois sapos e uma taba de índios”, definiu. “Precisa perguntar se o índio quer ficar na vitrine como foi descoberto há 500 anos ou se ele quer o automóvel do ano, um celular.” Já Lula, esse volta em 2018: “Se não voltar, o PT estará muito mal. Não terá outro candidato. Perto do Lula eu sou comunista. Ele deu empréstimo para banqueiro, para multinacional. Eu não daria.” Por fim, disse que não precisa ser Zaratustra para prever a vitória de Dilma Rousseff neste ano. “E põe aí no Facebook”, recomendou ao fã sobre a foto.
A despeito da referência à rede social, tudo em Maluf soa anacrônico. Sobretudo a campanha, com visitas a rádios e jornais do interior, nos quais tenta emplacar entrevistas. O roadshow se repete todas as semanas, de terça a sexta-feira, ao lado do chofer e de um assessor. O principal obstáculo à estratégia é o princípio de isonomia da Lei Eleitoral, que prescreve tratamento equânime aos candidatos. “Está cheio de rádio e tevê com medo de receber candidato. Se recebe um, tem que receber todos. Eu não vou pedir voto. Vou responder a perguntas de interesse nacional”, argumentou, desenxabido com o fato de, naquele dia, uma emissora de televisão limeirense ter cancelado sua aparição.
A tarde terminou com um discurso para 32 pessoas no comitê do correligionário. Um político do PP se elege deputado federal com 100 mil votos, contabilizou Maluf. “Espero que eu tenha um pouco mais”, emendou, terminando com a conhecida gargalhada estridente. Em 2010, ele angariou 497 203 votos. Sua pior marca foi na disputa de 2008 pela Prefeitura de São Paulo, quando obteve 376 734 e não passou para o segundo turno. Seu melhor desempenho em disputas para o parlamento foi em 2006, quando teve 739 827 votos, recorde naquele ano. Malufistas convictos, porém, são cada vez mais raros.
No dia em que Maluf visitou Limeira, a Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo pediu a impugnação da sua candidatura, o que já havia ocorrido em 2010. Naquele ano ele recorreu ao Supremo Tribunal Federal e conseguiu escapar – a corte entendeu que a Lei da Ficha Limpa só passaria a valer neste ano. A legislação estabelece que condenados em segunda instância não podem concorrer a cargos eletivos por oito anos.
Em novembro de 2013, o Tribunal de Justiça de São Paulo condenou Maluf a pagar uma multa de quase 43 milhões por desvios e superfaturamento na construção do túnel Ayrton Senna. “Se eu fui aprovado em 2010, não tem por que não ser aprovado em 2014. O que é que eu fiz? Eu só fiz o bem”, finalizou com outra longa risada. “Não houve dolo nem enriquecimento ilícito.”
A última vez em que Maluf viajou para o exterior foi em 2009. Visitou Argentina, Inglaterra, Itália e Espanha. Seu nome consta da lista de procurados da Interpol, e ele não pisa nos Estados Unidos, assunto que o deixa contrariado. A Promotoria de Nova York o acusa de evasão de divisas e de manter 11 milhões de dólares em paraísos fiscais. “Meu amor, estamos dentro do estado de direito. Quando lhe fazem uma acusação falsa, na Palestina se resolve com uma bomba. Na Crimeia ou na Ucrânia, com um míssil. Aqui em São Paulo, graças a Deus, com um advogado.”
Maluf diz que se explicou “umas 300 vezes”. “Dizem que o Maluf é procurado. É mentira. Vocês não me acharam? Se quiserem, que venham me ouvir na Justiça brasileira.” Gritando, concluiu: “Posso tomar um avião e ir lá [nos Estados Unidos] sim, senhora. Mas não vou.” Quando a conversa parecia ter azedado, ele me puxou para um abraço e estalou um beijo em minha bochecha: “Linda!” Andando em direção à porta, apertou o queixo de três garotas do comitê. Entrou no Azera preto e partiu para outra cidade.