ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2007
Os agentes da Suíça piauiense
Nem só de roupas e beldades vive o Fashion Rio
Roberto Kaz | Edição 5, Fevereiro 2007
Há cinco anos é assim. Na terceira semana de janeiro, quando ocorre o Fashion Rio, a capital fluminense é invadida por um exército vistoso, pronto para enfrentar qualquer desfile. Em questão de horas, as passarelas são tomadas por centenas de moças, várias mulheres que parecem moças e inúmeros homens que, de pele macia e cabelos longos, também parecem moças.
Como toda boa história de invasão, esta conta com agentes infiltrados. No caso, três: Antônio Sepúlveda, 38, Juscelino Souza, 38, e Marcelo Morais, 49, oriundos de Pedro II, cidade de 40 mil habitantes no norte do Piauí. Eles vieram ao Fashion Business, braço comercial do Fashion Rio, com a missão de vender opala, uma pedra colorida e valiosa, abundante na região em que vivem. Em Pedro II, Sepúlveda é presidente da Cooperativa dos Garimpeiros, Souza é presidente da Associação dos Joalheiros e Morais coordena a demarcação de terras para a mineração. Na semana de moda, em meio a beldades, passam despercebidos.
A missão no Rio de Janeiro é crucial. Bons contatos podem impulsionar a extração de opala e, conseqüentemente, a economia de Pedro II. Os agentes do Piauí sabem disso e carregam no bolso o peso da responsabilidade. O garimpeiro Sepúlveda, homem pequeno e de poucas palavras, trouxe 150 cartões de visita. Souza, que se auto-intitula “o joalheiro primogênito de Pedro II”, trouxe duzentos. Morais, homem que se caracteriza por óculos redondos, cabeça redonda, barriga redonda e por andar com o crachá do Fashion Business mesmo no meio da rua, veio munido de quinhentos.
Eles trouxeram uma coleção de sessenta jóias para exibir na feira de moda. O objetivo é vendê-las, em levas, para joalherias. Os três piauienses ficam no estande e respondem a perguntas. Quanto vale uma opala? Souza afirma que, “lapidada, até dez vezes o ouro” – ou seja, em torno de 400 reais o grama. Ganha-se dinheiro? “Vendi uma pedra de 108 gramas por 35 mil reais”, diz Sepúlveda. Onde mais existe? “Na Austrália” (ignorando outros concorrentes fortíssimos, como Hungria e México). “Mas está acabando”, garante… ” Onde fica Pedro II? “A 200 quilômetros de Teresina”, responde Souza. A cidade é rica? “Tem potencial”, diz Sepúlveda, “até agora só 20% da opala foi extraída.” Há outros projetos? Morais quer incluir a cidade no circuito nacional de asa-delta: “Pedro II tem montanha para todo lado e está a 700 metros do nível do mar. Moramos na Suíça piauiense”.
Uma manhã, os três tomaram um táxi e foram visitar o Museu H. Stern, em Ipanema. O museu é didático: há murais e maquetes que explicam o processo de extração e lapidação de uma pedra. Os visitantes do Piauí colocaram fones de ouvido e, calados, passearam pelos corredores. Vez por outra, soltavam uma frase: “Isso aí já conhecemos”. Ao entrar na segunda sala, pararam diante de uma opala bruta. Tiraram dezenas de fotos. O geólogo Jurgen Schnellrth, que acompanhou a comitiva, explicou que “a opala é uma estrutura nanoesférica tridimensional que provoca uma rede de difração, de acordo com uma fórmula matemática que não vem ao caso”. O garimpeiro Sepúlveda simplificou: “A maioria das pedras é de uma cor só. A opala tem várias”.
A visita se encerrou na loja da H. Stern. O andar estava repleto de estrangeiros. Os agentes do Piauí inspecionaram tudo, espiaram aqui e ali e chegaram a uma triste conclusão: não havia opalas à venda. Laisa Nasasra Bloomfeld, gemóloga da H. Stern que também acompanhou a visita, conta que por falta marketing a pedra é pouco aceita. Além disso, explica, por causa de um romance do século XIX – Anna de Geierstein ou a Donzela do Nevoeiro, de Sir Walter Scott –, surgiu a lenda de que a opala trazia má sorte, já que a heroína morria quando a pedra era banhada em água santa.
Sepúlveda se espantou. A pedra não lhe trouxe outra coisa senão sorte. Há mais de vinte anos sua vida gira em torno da opala. Alugou uma bela casa, casou e teve dois filhos. Morais também acha a teoria absurda: “Quando eu morrer, quero ser enterrado com uma opala de 100 mil”.
Enquanto Sepúlveda e Morais derrubavam o mito, Souza, que levara a esposa, chamou-a num canto, enfiou a mão na bolsa dela, sacou dali um objeto e com ele em punho avançou na direção do grupo. Solene mas discretamente, espetou-o na blusa da gemóloga da H. Stern. Era um broche de opala no formato do Piauí.
E foi assim que três agentes da Suíça piauiense fincaram uma opala no seio da maior joalheria brasileira.