ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2007
A Leda é legal
O mundo está maluco pelo rolling paper inventado por dois brasileiros
| Edição 5, Fevereiro 2007
Quando ela pintou por aí, muita gente pensou que fosse coisa importada ou, pelo menos, inventada fora do Brasil. Com perdão do trocadilho, Leda engano. Originalíssima entre as “sedas” – a gíria para papéis de enrolar tabaco usada por quem costuma fumar outra coisa -, a marca aLeda é genuinamente brasileira. Os paulistas Fernando Amaral, de 37 anos, e Renato Volonghi, de 27, são os criadores da novidade, que já revolucionou o mercado de cigarette papers. Eles investiram muito esforço e imaginação, mas dinheiro, nem tanto. Ainda assim, ao sair para vender as primeiras cinco caixas de aLeda e aLedinha (as versões king-size e mini-size do produto), estavam com as pernas bambas. Amaral, piloto de helicóptero, já havia largado a aviação e raspara o limite de 5 mil reais do cheque especial para aplicar todo o seu tempo no negócio. Volonghi esperou um pouco mais. Antes de pedir as contas como coordenador de segurança de informática na Computers Associates, queria ver como as ledas se saíam. Mas, para iniciar a produção, vendeu seu Gol 2001, sacrifício nada insignificante para quem tem em casa três crianças pequenas e mora em São Paulo.
O que a sorte já devolveu a ambos vai muito além do dobro. Esperavam conquistar as microtabacarias das bancas de jornal da cidade e ganharam o mundo. As primeiras ledas foram vendidas na Avenida Paulista, em maio de 2006. Em dezembro, elas se espalhavam pelo Brasil e alcançavam quase toda a Europa, além de países como Estados Unidos, Austrália, Japão, Nova Zelândia e Rússia – já são mais de trinta. “Descobrimos que tínhamos um produto mundialmente inédito”, conta Amaral. A primeira partida de ledas foi de 6 mil “livretos”, como o mercado chama os cartuchos de folhas soltas para enrolar fumo. Fabricar essa quantidade exigiu 38 quilos de papel. Em dezembro, Amaral e Volonghi já produziam 6 milhões de livretos a cada vinte dias. Sua última encomenda até 19 de dezembro havia sido de 35 toneladas.
O que responde pelo incrível sucesso das ledas é o papel em si. Em vez de seda, trata-se de uma película brilhante e transparente como vidro, que aliás causa impacto negativo à primeira vista: parece um plástico. Na verdade, ela é feita de pura celulose. É 100% biodegradável e livre dos componentes tóxicos geralmente presentes nos papéis de cigarro, como chumbo e pólvora. É, além disso, um material inodoro e inócuo. Quem fuma numa leda sente praticamente só o gosto do conteúdo do cigarro. A tragada é muito suave. Nada de pegadas na garganta, nada de tosse. As ledas dispensam até a faixinha de cola característica dos cigarette papers; basta uma lambida e o cigarro está muito bem fechado. E mais: enrolado na película, ele queima lentamente. Economiza-se, portanto, o recheio.
Amaral e Volonghi preferem não abrir o faturamento mensal da aLeda – o que não falta por aí é olho gordo. Mas, se lucrarem apenas 50 centavos em cada livreto (cujo preço final recomendado vai de 4,50 a 5,50 reais no Brasil e de 2 a 2,50 euros na Europa), isso já significaria, em dezembro, uns 4,5 milhões de reais. A rigor, os dois não inventaram nada. Tanto que a leda não pode ser patenteada e já tem vários imitadores. A dupla simplesmente sacou uma coisa que, como diz Amaral, “estava na cara de todo mundo”. Sim, o tal papel existe no mercado há décadas, embora com especificações técnicas diversas e finalidades outras.
Tudo começou em 2005, quando um conhecido apresentou Volonghi a um cigarrinho enrolado naquele material. Ele ficou horrorizado: “Nossa, fumar plástico?”. Mas logo soube que se tratava de celulose pura e, empiricamente, descobriu as outras vantagens. “Aquilo me pirou”, conta. Dias depois, uma amiga o apresentou a Amaral. Ela sabia que o piloto acalentava o desejo de fabricar rolling papers e que tinha até a marca na cabeça. “Leda”, em São Paulo, é o disfarce maroto de “seda”. A alusão à maconha não é novidade nesse ramo empresarial. Marcas como Pure Hemp [Puro Cânhamo] ou e-z-wider [uma brincadeira com o filme doidão Easy Rider] deixam bem claro o público-alvo em questão.
Amaral e Volonghi foram à luta. O tal conhecido não sabia quem fabricava a película. Volonghi conseguiu dele um pedacinho de uns 2 x 2 centímetros, e foi com essa amostra que Amaral saiu a campo para descobrir o fabricante. Bateu na porta de grandes indústrias – Suzano, Klabin, Ripasa. Nada. Teve de perambular um ano inteiro antes de aterrissar no lugar certo, “uma portinha perdida no mapa de São Paulo”.
Os dois passaram a correr alucinadamente contra o relógio. Temiam que outros tivessem a mesma idéia. Pediram a um amigo que criasse o logotipo, os cartuchos e os displays para distribuição. Jesus Lizarzaburu, o designer, fez o trabalho em dois dias, e foi dele a idéia de incluir embaixo do logo os dizeres: “The Original One”.
Claro, toda concorrência é respeitável, mas aLeda conta com o trunfo da largada e um belo trabalho de marca já feito, coisa fundamental quando um produto é quase uma commodity. Além disso, existe somente um fabricante da película no Brasil – do qual aLeda já absorve quase a produção inteira – e outro na Europa. “Pelos lados da China tem mais uns dois ou três”, diz Renato Volonghi, “mas a qualidade é tão ruim que, se alguém quiser concorrer com a gente e comprar deles, fique à vontade!”.
Desde outubro Volonghi e Jeffrey Siti, que cuida das exportações, quase não param no Brasil. Montaram estandes da aLeda em festivais de música europeus e, em novembro, organizaram a primeira convenção internacional da empresa, em Amsterdã, durante a 19ª Cannabis Cup. Compareceram mais de quarenta distribuidores. Mas o que realmente “fez” aLeda, dizem os sócios, foi a internet. Inspirados, eles criaram o site da marca antes de ter o produto pronto. Os viajantes que levaram a seda na bagagem abriram caminhos no Brasil e no exterior e as encomendas começaram a chegar via site. Fernando Amaral se orgulha de nunca ter deixado um e-mail sem resposta.
Em todos os detalhes, os sócios são cuidadosos. A marca sugestiva já lhes rendeu até batida policial na sede da empresa, um sobrado no bairro do Sumaré onde trabalham 25 pessoas – todas com carteira assinada (aLeda gera ainda mais de 120 empregos na prestadora de serviços terceirizada onde são finalizadas as embalagens – os salários correm por usa conta). Devidamente cadastrada no Radar da Receita Federal, aLeda exporta como manda o figurino. Cerca de 98% de seu mercado é internacional. A nossa “seda”, portanto, contribui com a balança comercial do país. Como disse o sábio Pepeu Gomes, “você pode fumar baseado/ baseado em que você pode fazer quase tudo”. Pelo menos até virar grande empresário.