ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2007
Lições do Itamaraty
A queda do império americano é questão de décadas
Luiz Maklouf Carvalho | Edição 6, Março 2007
Se tiverem cumprido direitinho as ordens do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, o secretário-geral do Itamaraty, uns 300 diplomatas de carreira terão lido Brasil, Argentina e Estados Unidos: Da Tríplice Aliança ao Mercosul (1870-2003), do cientista político, historiador e barão de São Marcos Luiz Alberto Dias Lima de Vianna Moniz Bandeira. O livro de 687 páginas, com 1 723 notas explicativas, virou leitura obrigatória no Ministério das Relações Exteriores entre o começo do primeiro governo Lula, quando Pinheiro Guimarães assumiu o posto que ocupa, até o mês passado, quando o ministro Celso Amorim revogou a obrigatoriedade, pressionado pela polêmica sobre a existência ou não de inclinações antiamericanas na Chancelaria brasileira. O prefácio do livro é de autoria do próprio secretário-geral. E o barão não teria por que negar que é amigo de Pinheiro Guimarães.
Moniz Bandeira, que mora em Heidelberg, na Alemanha, explica que herdou o título nobiliárquico por descendência do almirante português Joaquim Cardoso Pereira de Melo, o primeiro barão de São Marcos. “Eu sou o segundo”, diz. “No Brasil ninguém leva isso a sério, fazem até galhofa, mas aqui na Europa dá prestígio.” O antepassado ganhou o título em 1879, por concessão de dom Luís, rei de Portugal. Bandeira o abiscoitou oficialmente em 1995, a pedido, por alvará do Conselho de Nobreza de Portugal. Combina com o monarquista assumido que é, e, de certa forma, com seu temperamento de “milico sem farda”, autodefinição que emprega ao se referir, por exemplo, ao destempero com que trata aqueles que eventualmente não gostem do que ele escreve. É o caso do filósofo Roberto Romano, crítico de seu último livro, Formação do Império Americano: Da Guerra contra a Espanha à Guerra no Iraque, (851 páginas, 2 415 notas explicativas). O barão processa o filósofo e venceu em primeira instância.
O currículo de Moniz Bandeira relaciona 25 livros como “principais obras”. Entre eles, estão os conhecidos Presença dos Estados Unidos no Brasil (Dois Séculos de História), de 1973, e O Governo João Goulart: As Lutas Sociais no Brasil, de 1977, elogiados, respectivamente, por Fernando Henrique Cardoso e pelo brasilianista Thomas Skidmore.
É provável que muitos diplomatas, ao longo dos anos, tenham lido alguns dos livros de Moniz Bandeira por interesse nas relações bilaterais EUA-Brasil, assunto de bibliografia escassa em português. O que Samuel Pinheiro Guimarães trouxe de novo foi a obrigatoriedade. Não há de ter sido apenas por amizade que incluiu o título de Bandeira na lista dos compulsórios, tampouco por assinar o prefácio. Afirma-se no Itamaraty que, no entendimento do secretário-geral, os diplomatas que estavam voltando para o Brasil, ou dele saindo para outras lotações, precisavam ler mais. Sobrou para os direitos autorais de Bandeira (e também para os dos outros três autores – um deles, economista coreano – que compõem a bibliografia de quatro livros organizada pelo secretário-geral).
Pinheiro Guimarães não fala de público sobre os critérios para a inclusão de Brasil, Argentina e Estados Unidos na lista dos livros obrigatórios – efetivamente obrigatórios: ao final dos períodos de leitura, ele próprio se reunia com os diplomatas para tomar a lição. Mas, em comentários com amigos, disse que pesou a opinião altamente positiva que sobre ele tem o embaixador Rubens Ricupero, ministro da Fazenda de Itamar Franco. Ricupero é amigo de Moniz Bandeira e prefaciou outro livro dele, As Relações Perigosas: Brasil-Estados Unidos (De Collor a Lula, 1990-2004).
No Formação do Império Americano, Bandeira citou, entre cinco epígrafes, a seguinte frase proferida por um diplomata brasileiro em 1849: “Não acredito que haja um só país civilizado onde a idéia de provocações e de guerras seja tão popular quanto nos Estados Unidos”. E terminou a apresentação da obra com uma profecia: “Se o declínio do Império Romano durou muitos séculos, o declínio do Império Americano provavelmente levará apenas algumas décadas […] e a queda […] será tão vertiginosa, dramática e violenta quanto sua ascensão”. Pela obra, Bandeira foi condecorado pela União Brasileira de Escritores com o Prêmio Juca Pato de Intelectual do Ano 2005. Concorreu sozinho.
Luiz Alberto Moniz Bandeira, de 71 anos, mora com a mulher (de 56) e o filho (de 25), ambos alemães. Sua renda principal vem de duas aposentadorias: uma da Universidade de Brasília, onde foi professor, e outra da União, que lhe paga uma indenização mensal por conta das duas vezes que foi preso pela ditadura, em 1969 e 1973, quando simpatizava com organizações que combatiam a ditadura pela via pacífica.
Eleitor de Fernando Henrique Cardoso em 1994, Bandeira apóia Lula desde que o ex-presidente “começou a fazer besteira, como as privatizações”. Elogia três aspectos no governo petista: “A estabilização monetária, a política externa, principalmente por ter resistido à Alca, e a política social”. Acha que o presidente não tem culpa nas denúncias de corrupção. “Isso do mensalão, dos sanguessugas, é tudo besteira, coisa da imprensa que não tem o que fazer”, diz o barão de São Marcos, que, ao contrário, não pára de fazer coisas. Em março, pretende viajar a Buenos Aires para o lançamento da edição em espanhol de Brasil, Argentina e Estados Unidos e, em breve, enobrecerá a literatura brasileira com um florilégio de poesias.