ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2007
Prada, cappuccino e xau-xau
A Daslu do Nordeste abre os braços para o povo
Daniela Pinheiro | Edição 12, Setembro 2007
O tititi do society pernambucano era o casamento da estudante Camila Paes Mendonça com o empresário Juninho Vecchione, sócio do sertanejo Zezé di Camargo. “Que exagero, cartão magnético pra entrar na festa!”, “Foi só pra imitar a Athina Onassis”, “Mil pessoas é gente demais”, “É, não dá pra aproveitar a festa com tanta gente”, vociferavam dondocas – as não convidadas, esclareça-se – entre as araras da loja Dona Santa, em Recife, conhecida como “a Daslu do Nordeste”.
Com a fachada que lembra um enorme aquário de vidro, 1 600 metros quadrados de chão de granito creme, quatro andares mobiliados com mesas Saarinen, poltronas de couro branco, cadastro de 9 mil clientes e faturamento anual estimado em 35 milhões de reais, a loja deu as caras no mercado de supérfluos de luxo e fez marola na praia até então exclusiva da paulistana Daslu (20 mil metros quadrados, quatro andares, leões de mármore na entrada, um helicóptero preso ao teto, 40 mil clientes e visitas eventuais da Polícia Federal). Ambas vendem quilos de bolsas, sapatos, acessórios e roupas de grifes como Prada, Dolce & Gabbana, Chloé, Ferragamo, Cavalli, Armani, Ermenegildo Zegna e congêneres nacionais igualmente caros.
Recentemente, havia uma lista de 26 recifenses ansiosas pela chegada de uma bolsa “Chloé-de-cadeado”, um mimo vendido a 5 mil reais. Demorou um pouco, algumas se arretaram, mas foram atendidas. “Se vier atrás só de uma blusinha, vai ser bem tratada do mesmo jeito”, informa a vendedora Cibely Estrela, um azougue nos negócios. Sua meta mensal de vendas é de 170 mil reais, facilmente alcançada.
A Dona Santa tem um gerente que era da Daslu, um restaurante como na Daslu e vai vender em breve, adivinhem, a marca Daslu. “Mas não somos a Daslu”, frisa a dona da loja, a empresária Juliana Santos, 30 anos, neta do segundo maior produtor de cimento do Brasil, João Santos. Mignon, loirinha, trevinho tatuado no pulso, sempre vestida com as grifes da loja, Juliana não fala no diminutivo, usa cabelo curto, é crítica da Igreja Católica e tem uma visão muito particular do comércio de luxo. Outro dia, de minivestido preto, sandália alta Prada e relógio de diamante, ela explicou: “Nosso conceito é diferente. Apesar de a maioria das nossas clientes serem de uma faixa privilegiada, que pode consumir importados, eu quero a classe B. Quero comprador de roupa nacional de boa qualidade. Quem paga uma loja é quem compra o jeans de 200 reais, e aqui tem isso. Ostentação e opulência estão fora de moda e nunca vão sustentar um negócio no Brasil”.
Ao contrário da Daslu – onde as vendedoras são socialites conhecidas como “dasluzetes” e as copeiras, convenientemente uniformizadas, são chamadas de “aventaizinhas” -, na Dona Santa ninguém que vende ou serve tem apelido e todas se vestem praticamente igual. É quase o socialismo. Elas usam o que chamam de “farda”: calça escura, camiseta preta e tênis (estranhamente, sem os cadarços). “Evitamos essa coisa acintosa de parecer que a gente quer competir com a cliente”, diz Cibely, que exibe um relógio esportivo dourado, como oito entre dez freqüentadoras da loja. Ali também não há VIPs. Se na Daslu as clientes se vangloriam de ter o cartão preto – que lhes permite economizar 30 reais de estacionamento -, na Dona Santa a política oficial é não discriminar consumidor. Até excursão de turista é bem-vinda. Chegou, por exemplo, uma van com quinze senhoras do Piauí, que estavam em Recife para renovar o passaporte. Elas desceram do carro tagarelando e poucas saíram de lá com sacolas na mão. “Mas foi ótimo”, diz Isabela Gouveia, a gerente de compras. “Elas entraram, ganharam cappuccino, viram tudo, mexeram em tudo, deram risada e voltaram felizes da vida. E depois nos recomendaram para um monte de amigas.”
As prateleiras brancas expõem bolsas, cintos e sapatos. Nas que parecem mais vazias, enfileiram-se chaveiros Prada de 350 reais e outras carteirinhas simples que poderiam passar, como se diz no mundo da moda, por clones. A maioria das araras da loja é ocupada por grifes nacionais, como Reinaldo Lourenço, Huis Clos e Maria Bonita. Há também grifes locais, como a Francisca e a do sapateiro Jailson Marcos. Em Recife, Fause Haten continua no auge.
Sentada em frente ao balcão de granito de 30 metros onde funciona o caixa, Marion Maranhão, parente do voluntarioso líder dos sem-terra Bruno Maranhão, justificava sua preferência pela Dona Santa. “Eu viajo muito, vou a São Paulo todo mês, mas não me chame para ir na Daslu. Não gosto do atendimento, não gosto que me olhem torto”, disse antes de pagar a conta: 4 mil reais por seis peças.
Boa parte das clientes fiéis da Dona Santa tem uma história de frustração com a loja paulistana, onde a própria Juliana Santos já penou para comprar um cardigã. Na sua última visita, perambulou pelas salas por quase uma hora antes que as vendedoras notassem sua presença. A publicitária Renata Lavareda, mulher do marqueteiro Antonio Lavareda, é outra que prefere a loja recifense: “Eu não gosto da Daslu. Tem aquele negócio de ficar nua na frente de todo mundo para experimentar roupa. Você chega lá, aquelas vendedoras te medem da cabeça aos pés, e depois tem aquelas moças vestidas de copeira, coitadas, eu morro de pena, parecem escravizadas”.
No ano passado, quando a dona da Daslu, Eliana Tranchesi, foi presa por sonegação fiscal e importação fraudulenta, os negócios da Dona Santa bombaram. Durante meses, as desesperadas por Prada só conseguiam encontrar os produtos da grife na loja de Recife. Foi quando clientes de fora do Nordeste começaram a pulular. “Aqui não tem coisa errada. Prefiro lucrar menos e vender bem, não entro em rolo. Se a pessoa quer ganhar zilhões, traz uma gravata por 5 e vende por 100. Eu não faço isso e nunca vou fazer”, afirma Juliana.
Num fim de tarde, um homem de camiseta pólo, relógio dourado e corrente idem entrou na loja sozinho. Passou 45 minutos. Em dado momento, foi atendido por três pessoas, que lhe mostraram camisetas, calças e gravatas. Saiu de lá com o embrulhinho que continha sua única compra – uma cueca – e entrou num carro fabricado no século passado.
Além de se preocupar com a turma menos abonada, a Dona Santa se atribui uma missão civilizatória: convencer os homens pernambucanos a renunciar às calças saint-tropeito – cujo cós se dependura nos mamilos – e deixar para lá aquelas camisas de seda de capo siciliano em veraneio. Alguns empresários para lá de machos temem ficar com fama de menos machos se mexerem no seu jeito de ser alinhado. Na avaliação de Isabela Gouveia, “o nordestino ainda é um homem rústico. Ele fala: ‘Eu quero zéguina’ em vez de zenha, mas está começando a entender o que significa ‘bem-vestido'”. Dito isso, para voltar ao trabalho ela se despede no vocabulário local: “Xau, xau”.