O lixo digital cresce 5% ao ano e o volume já é maior que o de fraldas infantis: são 40 milhões de toneladas de resíduos anualmente FOTO: NATALIE BEHRING_DIGITAL RAILROAD
Ruínas eletrônicas
Exportados para a China ou reutilizados na fabricação de novos computadores, o que acontece com os resíduos de informática
Cristina Tardáguila | Edição 15, Dezembro 2007
Como em todas as tardes abafadas de Americana, interior de São Paulo, o paranaense Adílson dos Anjos circula entre velhas placas de computador, discos rígidos quebrados, estabilizadores de energia enferrujados, monitores com tubos queimados e outras velharias do mundo da informática. Ao ar livre, as pilhas que alcançam 1 metro de altura refletem os raios de sol de forma difusa e provocam um incessante piscar de olhos. Por trás delas, um corredor estreito, formado por antigos decodificadores de televisão a cabo, se esconde sob uma poeira fina que sobe do chão.
Com uma chave de fenda na mão direita, o moreno de cabelos suados mantém, de joelhos, uma linha de produção repetitiva. Desparafusa as partes mais volumosas de uma CPU carcomida, crava sua ferramenta em fendas predeterminadas e, com os dedos da outra mão, faz vergar parte do alumínio do aparelho. Com um solavanco, arranca do corpo da máquina uma chapa fina e esverdeada conhecida como placa-mãe. Com zelo, deposita-a perto dos pés. O resto faz voar por cima de sua cabeça e, com um ruído estridente, tudo se espatifa metros atrás. Nas poucas vezes em que o esforço de suas mãos sujas e feridas não se revela suficiente para dar cabo à operação, Adílson dos Anjos recorre aos joelhos, jogando sobre eles o peso do corpo. Como sucateiro eletrônico, não pode se dar ao luxo de iniciar o desmantelamento de uma segunda CPU sem antes despedaçar integralmente a primeira. Seu sustento depende das partes e não do todo.
Há cerca de um ano, o paranaense de 32 anos, casado e pai de dois filhos, vive com os cerca de 600 reais que ganha por mês coletando, separando e revendendo sobras de computadores. Mundo afora, sua mercadoria atende pelo nome de e-lixo. Todos os meses, ele transforma 20 toneladas de sucata eletrônica em quilos e quilos de alumínio, ferro, cobre, plástico e até mesmo ouro. Segundo a revista americana Foreign Policy, há mais ouro em 1 tonelada de computadores do que em 17 toneladas do minério bruto. E os sucateiros já perceberam que, ao contrário das minas de Serra Pelada, a que emerge dos conectores da computação só tende a proliferar. A Microsoft, que sozinha emprega mais de 50 mil pessoas em todo o mundo, costuma trocar 100% de seus computadores de três em três anos.
Adílson dos Anjos nem cogita investir seu tempo num lixão tradicional. Mesmo sem carteira assinada, ferramentas de segurança, água fresca ou comida quente no local de trabalho, prefere circular naquele terreno íngreme e árido que ocupa quase um quarteirão inteiro de um bairro próximo ao centro de Americana. Gosta do descampado conhecido como Sucatas de Informática Rossi e não o troca por nada. “O lixão é uma nojeira”, diz. “Aqui, o trabalho é decente.”
Na sua tabela de preços, que recita de cor, 1 quilo de plástico limpo sai por 20 centavos de real (que gasta comprando um pacote de figurinhas para o álbum do filho). Um quilo de alumínio, por 3,50 reais. E 1 quilo de cobre, o material mais difícil de juntar, por 14 reais. O sucesso de vendas fica por conta das placas-mãe. Em sua composição, essas peças reúnem tanto fibras sem valor como metais preciosos – materiais que, durante a vida dos computadores, servem como condutores elétricos e, após seu descarte, despertam o interesse de empresas que sobrevivem de sua reutilização.
Na mão de Adílson dos Anjos, que no final daquele dia despacharia para o porto de Santos um caminhão com 13 toneladas de placas-mãe, 1 quilo custa 2,50 reais. Como uma placa pesa 250 gramas, só ali, espremidas dentro de dezenas de caixas de madeira de 1 metro cúbico cada uma, ele se desfez de 52 mil delas – e recheou com 32,5 mil reais os bolsos do dono da Sucatas Rossi, um jovem de 27 anos chamado Natanael Rossi. Natanael, como era de se esperar, tem um carro do ano, aparece pouco no descampado e, quando dá as caras, não põe a mão em nenhuma placa.
Não há dados no Brasil sobre o número de pessoas que, como a dupla de Americana, vivem do mercado de sucata eletrônica e nem do dinheiro que ele movimenta. Tampouco há informações sobre o volume ou o ritmo de crescimento do e-lixo nacional. Sabe-se apenas que um computador padrão tem uma vida útil de aproximadamente quatro anos e que, até o fim do ano, a indústria deve vender 10,1 milhões de novos aparelhos, 20% a mais do que em 2006. Logo, é certo concluir que até 2012 uma avalanche de máquinas velhas aterrissará em terrenos semelhantes ao que Adílson dos Anjos trabalha, a menos que surja um caminho mais eficiente para o descarte de lixo digital. A falta de dados e a conseqüente ausência de projetos voltados para o bom aproveitamento dos detritos eletrônicos atestam que o e-lixo brasileiro ainda se move pela sombra – e dá medo.
No início de setembro, num evento que reuniu a ministra do Meio Ambiente Marina Silva, o ministro das Cidades Márcio Fortes de Almeida e um representante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou e encaminhou ao Congresso o projeto de lei número 1991/07. Composto por 33 artigos, o projeto, tão virtual quanto tantos outros que abarrotam a agenda brasiliense, instituirá a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Se aprovada, a lei obrigará os fabricantes de computadores, teclados, mouses e outros aparelhos a adotar medidas de compensação ambiental e a promover ações constantes de reciclagem. Além disso, deverão encontrar formas de garantir uma destinação final ecologicamente adequada para tudo que venderem no Brasil. A lei nasceu quase meio século depois da construção do primeiro computador brasileiro.
Na Europa e nos Estados Unidos, estudos sobre o assunto atestam que o montante de lixo digital em circulação na Terra cresce 5% ao ano, numa velocidade três vezes maior do que o lixo tradicional. A sucata eletrônica, sozinha, já abocanha uma fatia maior do que a das fraldas infantis no bolo de resíduos sólidos gerados pelo homem. Segundo as Nações Unidas, são mais de 40 milhões de toneladas de e-lixo no planeta, o equivalente a mais de 4 mil torres Eiffel de sucata eletrônica.
Para a Basel Action Network, uma respeitada organização de Seattle, nos Estados Unidos, que tenta fiscalizar o fluxo de lixo tóxico no mundo, as razões desse boom são múltiplas. A começar pelo alto grau de obsolescência dos equipamentos novos, que já saem das fábricas com baixa durabilidade ou fora dos padrões de qualidade. Há também elevados custos de manutenção dos aparelhos antigos, o que incentiva o descarte. E há, por fim, as eficazes campanhas publicitárias dos produtores de hardware, que convencem os compradores de que eles não podem deixar de ter a mais nova tecnologia do mercado. Na quinta página de seu relatório, intitulado “Exportando Danos”, documento que é ilustrado com fotos de pilhas e pilhas de e-lixo idênticas às de Adílson dos Anjos, a Basel chama a atenção para dois aspectos da questão. Primeiro, 50% dos computadores descartados estão em perfeita ordem e funcionamento. Segundo, desde 2005, cada computador posto à venda nas prateleiras das lojas corresponde a um que vai parar no lixo com a etiqueta de defasado.
Se o lixão de eletrônicos estiver a céu aberto, como em Americana, o problema ganha matizes ainda mais alarmantes. A história de Guiyu, cidade chinesa produtora de arroz que, em menos de dez anos, se transformou no maior e-lixão do mundo, serve de exemplo. Hoje, o solo da província de Guangdong, onde está a cidade, apresenta níveis críticos de contaminação por metais pesados, e já não resta nenhuma fonte de água potável num raio de 50 quilômetros do centro.
Em uma amostra de 1 quilo de terra de Guiyu colhida pela Basel e analisada, em 2001, pelo Hong Kong Standards and Testing Centre, foram encontrados 52 miligramas de cádmio e 185 miligramas de níquel, índices respectivamente treze e quatro vezes mais elevados do que os máximos permitidos pelos parâmetros sanitários europeus. O cádmio em excesso afeta os rins, podendo gerar hipertensão, e provoca o enfraquecimento dos ossos. O níquel em abundância pode causar irritações gastrointestinais, alterações neurológicas, musculares e cardíacas. Ambos são classificados como elementos cancerígenos pela Agência Internacional para Pesquisa em Câncer (AIPC). Na amostra de água do rio Liangjiang, que abastecia Guiyu, os resultados foram ainda mais alarmantes. Em 1 litro do líquido, encontrou-se 24 miligramas de chumbo, quando o nível máximo permitido pelo World Health Guideline, padrão aceito no mundo todo, é de 1 miligrama por litro. O acúmulo de chumbo no corpo humano leva a uma doença conhecida como saturnismo e, em crianças, causa uma considerável diminuição cognitiva.
Além do desastre ambiental, Guiyu também vive um descompasso social. Enquanto a China prospera a um ritmo de crescimento de 9% ao ano, 80% da população da cidade, mais de 120 mil homens, mulheres, velhos e crianças, recebem 1 dólar e meio por dia para garimpar metais nobres nos e-lixões. Quando encontram algo de valor, acendem fogareiros de carvão ou enchem recipientes de soda cáustica, para derreter as partes inúteis e resgatar o que interessa. Adílson dos Anjos evita essas técnicas brucutus por medo de se machucar, mas as reconhece como alternativas para facilitar a extração de metais quando a chave de fenda não é suficiente.
O Brasil contribui, modestamente, para a explosão do e-lixo nos portos do sul da China. A 70 quilômetros de Americana, na cidade de Jundiaí, o administrador de empresas Valdir Batista interrompeu a entrevista para atender ao celular. “Era um cliente no Rocha, bairro da zona norte do Rio”, explicou. “Ele queria que eu recolhesse 2 toneladas de sucata eletrônica lá, mas não me interessei. Deslocar um caminhão para aquelas bandas me custaria uns 1 500 reais, e a revenda só me renderia 500 reais. Eram muitos monitores velhos e poucas placas. Não compensaria, não compensaria.”
Por terem altos níveis de chumbo e serem classificados como aparelhos não-recicláveis, os monitores com tubos de raios catódicos são a única parte do e-lixo que nem mesmo os sucateiros querem. Nem de graça. É que essas máquinas, tão grandes quanto televisores antigos, servem apenas para atravancar os depósitos de sucata e ocupar espaços valiosos. Com a chegada dos monitores LCD, a situação piorou: pilhas de tubos de tevê alcançam os tetos.
Valdir Batista é o dono da Infosucata, empresa que coleta e processa lixo eletrônico desde 2003. Diariamente, de seu escritório ou pelo celular, ele movimenta dois caminhões e quatro picapes, controla o vaivém em quatro depósitos instalados no estado e emprega onze pessoas. Calcula que, por mês, transporta 20 toneladas de lixo digital pelas estradas brasileiras. Desse total, 30% são reaproveitados pelo mercado de peças usadas. Os 70% restantes acabam sendo despachados para a China, em navios que saem de Santos. “É que os chineses pagam bem e a China é a lixeira do mundo”, explicou Batista. “Todo mundo sabe disso.”
O empresário se apresenta como e-sucateiro, mas se esmera para demonstrar que tem uma visão de negócio mais abrangente. Com a ajuda de trading companies, faz com que seu produto, o lixo dos brasileiros, cruze oceanos e chegue às fronteiras da Ásia. “E não tem por que se preocupar. É uma atividade legal, com tudo registrado nos portos”, repetiu, esquivando-se de citar os nomes dos que exportam seu lixo.
O celular vibrou de novo, Valdir Batista atendeu e explicou: “Era outro cliente no Rio. Esse queria que eu pegasse 6 toneladas no escritório dele. Fechei o negócio e agora vou ligar para o cliente no Rocha, dizendo que farei a coleta lá também”. Ou seja, o envio de um caminhão ao Rio passou a valer a pena. Duas toneladas em um cliente e 6 em outro faziam com que seu lucro ultrapassasse os 2 mil reais, um bom negócio.
Ao longo de três horas de conversa, o empresário defendeu que a sucata de informática deve ser encarada como uma mercadoria qualquer e que o envio à China não tem nada de mais. Ele contou que compra 1 tonelada de e-lixo, normalmente nas mãos de sucateiros como Adílson dos Anjos, por cerca de 350 reais, e que a revende na Ásia por 4 mil reais. Vale o clichê: um negócio da China.
Batista justificou: “Se lá o lixo gera trabalho escravo, infantil ou a destruição do meio ambiente, como dizem, quem está errando são os chineses, por não impedirem isso. Não eu. É verdade que poderia deixar de mandar sucata para lá e contribuir para o fim disso, mas o Brasil vai guardar seu lixo eletrônico onde? Debaixo do tapete? Não existe por aqui quem seja capaz e saiba como absorver o que circula”.
Ele tem o seu ponto. No bloco G da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, trabalha o professor Waldir Antonio Bizzo, que durante dois anos ocupou a direção do Departamento de Limpeza Urbana da prefeitura municipal de Campinas. Estavam sob sua responsabilidade a coleta, o tratamento e a destinação dos resíduos da cidade, que então somavam 800 toneladas por dia. Bizzo é radicalmente contra o envio de e-lixo para a Ásia. Ele lembra que, em 1992, o Brasil ratificou a Convenção da Basiléia, que tem por objetivo reduzir os movimentos de resíduos perigosos pelo mundo. Ainda assim, ele concorda que o Brasil não sabe como cuidar de sua sucata digital.
“Se os municípios ainda lidam mal e porcamente com seu lixo comum”, disse Waldir Bizzo, “é claro que não têm a mínima idéia do que fazer com o eletrônico.” Para ilustrar seu ponto de vista, revive a noite em que, ainda como responsável pelo lixo campineiro, entrou em seu Escort 92 dourado e seguiu um caminhão de lixo pela cidade. Queria presenciar os problemas da coleta e, a partir daí, tentar resolvê-los. “Por volta das nove da noite, um gari de uniforme verde se desgarrou do veículo, andou até a calçada, olhou para um monitor nitidamente queimado deixado junto aos sacos de lixo e, vuuuf buuum!, arremessou o aparelho no compactador junto com os restos de pão, garrafas e papéis.” Dali mesmo, o professor de engenharia deu marcha a ré e voltou para casa. Tempos depois, abandonou o cargo com a sensação de impotência frente à “loucura do lixo”.
A 30 quilômetros da sala de Bizzo e a 60 do descampado de Adílson dos Anjos, a empresa multinacional americana TCG Recycling montou um galpão de 1 740 metros quadrados, coberto por telhas de amianto. Numa manhã recente, um caminhão de Sorocaba começou a descarregar 6 toneladas de placas de computador no galpão. A primeira caixa de madeira a sair da carroceria foi posta ao lado de Fabrício Santos, um paulistano magro, barbudo e uniformizado, de 25 anos de idade. Em instantes, ele limpou a bancada de trabalho, organizou as dez ferramentas que pretendia utilizar e deu início à separação das peças das placas-mãe.
À tarde, tinha se livrado da primeira caixa e partia para as demais. Uma vez concluído o lote, Fabrício apertou alguns botões na lateral da máquina verde, de mais de 3 metros de altura, que ocupa um dos cantos do galpão, e triturou tudo. A proposta da TCG Recycling para o e-lixo mundial consiste exatamente nisso: esfarelar a e-sucata e exportá-la para refinarias capazes de transformar os metais presentes nela em matérias-primas. Em sua sala climatizada, adornada de mapas-múndi, o economista Stefano Lanza, um dos diretores da empresa, apontou na direção de 21 sacos brancos, de mais de 2 metros de altura, repletos de lixo verde e dourado moído, e disse: “Com esse último carregamento de placas de Sorocaba, fecharemos um contêiner de 40 toneladas, e embarcaremos tudo para Cingapura, onde o material será derretido por outra empresa”.
Ao moer o e-lixo, a TCG ganha 60% de espaço nos contêineres que contrata, e pode exportar mais. Em meses de pico, chegou a retirar do Brasil 100 toneladas de sucata pulverizada. As refinarias que compram dela pedem mais. Agem como se soubessem do costume dos brasileiros de guardar sua velharia digital em gavetas, armários e porões, na esperança de que um dia elas voltem a ser úteis.
Entre seus fornecedores, a empresa de Jaguariúna distribui o que chama de certificados de descaracterização. É um documento que atesta que os computadores entregues a ela perderão toda e qualquer identificação (logotipos e números de registro) e que serão triturados. O documento parece atrativo para as companhias que temem, um dia, serem punidas pelos órgãos ambientais, ou terem sua imagem arranhada por eventuais aparelhos que apareçam boiando em rios ou contaminando aterros. Stefano Lanza reconhece esse argumento-trunfo, e costuma apelar para ele sempre que fareja clientes em potencial. Em sua carteira, estão empresas do porte da Alcatel-Lucent e da Flextronics, que fabrica componentes para os computadores da HP e da IBM.
Numa manhã de outubro, Jair Martinkovick podia ser encontrado de pé, nas docas de sua empresa, a Planac Informática, recebendo mais um carregamento de computadores velhos enviados pelo Banco Santander. “Nos últimos doze meses, o banco doou umas 3 mil máquinas velhas. Estão todas aqui”, disse Martinkovick enquanto passava os olhos pelas notas fiscais recém-saídas do pacote. Aos 51 anos de idade, o contador luta contra a reciclagem que mói e derrete peças de computadores. Para ele, a melhor saída para o e-lixo nacional é a remanufaturação, e a Dell Brasil concorda, sendo um de seus principais clientes.
Num passeio pelos 4 mil metros quadrados da Planac, instalada no bairro paulistano do Butantã, Martinkovick mostrou que, pegando uma peça aqui e outra ali, é possível montar computadores seminovos a preços acessíveis. “Com a configuração social do Brasil, e o tamanho da massa de analfabetos digitais que temos, precisamos dar sobrevida aos computadores velhos”, disse ele. “Não tem essa de descaracterizar ou derreter aparelhos que ainda podem ser utilizados. Isso deve ser feito apenas com o que não tem mais futuro nenhum.”
À frente de 120 funcionários, cujos nomes sabe de cor, o contador organizou um sistema de triagem que detecta quais peças descartadas ainda funcionam. Junta as melhores em uma nova máquina e, com uma tinta preta e outra prateada, desenvolvidas especialmente para aderir ao plástico amarelado do computador velho, repinta os aparelhos e prega neles o selo da Fundação Pensamento Digital. Do total das máquinas que consegue recondicionar (10 mil no ano passado), 70% são repassados gratuitamente a escolas, cursos e bibliotecas freqüentados por pessoas de baixa renda. O resto é revendido para quem ele bem entender, e pelo preço que considerar justo. Dessa transação, tira todo o rendimento que fez sua empresa crescer 600% em 12 anos.
Martinkovick contou que a Planac foi quase toda montada com restos de obra e entulho: “O carpete foi herdado de uma obra no BankBoston, as grades verdes lá de fora vieram de uma lanchonete do McDonald’s e essa janela peguei na Gautama, aquela que ficou famosa com a Operação Navalha, da Polícia Federal. Tudo remanufaturado e lindo. Por que, então, os computadores têm que ser novinhos em folha?”
No setor de vendas da empresa, sobre prateleiras de metal que ocupam uma parede inteira, 100 gabinetes prateados aguardavam novos donos. Não pareciam remanufaturados, mas eram. “Esses fazem parte de um conjunto de 30 mil micros que funcionavam nas agências do INSS pelo Brasil afora”, disse. “Hoje, eles funcionam com um processador AMD Duron de 1 gigahertz, 256 megabytes de memória RAM, um HD de 20 gigabytes, CD-ROM e fax modem. Uma máquina simples e boa para quem está aprendendo.” Explicou que os computadores reciclados são vendidos por 600 reais, “parcelados em até seis vezes sem juros”.
No descampado de Americana, o sol se põe e a temperatura volta à casa dos 20 graus. Uma Fiorino branca cuspindo fumaça se aproxima e desova aos pés de Adílson dos Anjos uns sacos brancos transbordando de placas-mãe. Duzentos e trinta quilos, aponta a balança analógica, muito semelhante às que existiam nas farmácias até os anos 80. Logo atrás da Fiorino, estaciona uma picape escura. Traz mais quatro monitores, uma torre, oito teclados e dois mouses. Pelo teor e volume da sucata, o primeiro motorista embolsa 52,90 reais. O segundo, 16 reais.
“É claro que estou cansado”, diz Adílson dos Anjos. “Mas é preciso meter o porrete, isso aqui é dinheiro!”