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O clique de Pandora
Para evitar ambigüidades, o melhor é mandar e-mails cheios de !!!!! e :-) ;-) :-0 :-(
Janet Malcolm | Edição 15, Dezembro 2007
Dizer que Send: The Essential Guide to Email for Office and Home [Enviar: Guia Essencial do E-mail para o Escritório e o Lar] é mais um manual do usuário do que um livro não é depreciá-lo. O e-mail é como um aparelho que não usamos direito porque ele chegou sem instruções. Com a excelente orientação de David Shipley e Will Schwalbe, podemos enviar e-mails com a mesma segurança com que usamos a máquina de lavar louça ou ligamos o microondas.
Os mais hábeis (ou sortudos) dentre nós escaparam de ferimentos graves, mas muitos, talvez a maioria, sofreram com e-mails o equivalente a queimaduras, perda de dedos, choques elétricos e fraturas. E-mails precipitados custaram empregos, arruinaram amizades, ameaçaram casamentos, subverteram projetos, levaram até à prisão.
“No e-mail, as pessoas não são elas mesmas”, diz o Guia. “Elas ficam mais exasperadas, menos simpáticas, menos atentas, mais suscetíveis, até mais fofoqueiras e insinceras.” Os autores reproduzem uma troca de mensagens entre um executivo e uma secretária de uma grande empresa americana na China. O executivo escreveu, grosseiramente:
Você trancou meu escritório no final da tarde impedindo minha entrada. Está pensando que sou uma chave ambulante? Daqui pra frente, não vá embora do escritório sem antes consultar todos os gerentes para quem você trabalha.
A secretária respondeu:
Tranquei a porta porque já entrou ladrão no escritório. Embora eu seja sua subordinada, peço encarecidamente que mantenha a polidez ao falar. Trata-se da cortesia humana mais básica. Você tem suas próprias chaves. Esqueceu de trazê-las, mas mesmo assim tenta jogar a culpa nos outros.
Com dois cliques, a secretária enviou cópias dos e-mails, seu e do chefe, para todo o pessoal da empresa. Em pouco tempo, o diálogo apareceu na imprensa chinesa e fez com que o executivo pedisse demissão.
Outro episódio contado no Guia também envolve um chefe e uma secretária. Nesse caso, a secretária derrubou ketchup na calça do chefe, e ele enviou um e-mail solicitando o reembolso das 4 libras que gastou na lavanderia. Como não recebesse resposta, o chefe insistiu. Finalmente ele – e centenas de pessoas na firma – recebeu este e-mail:
Com referência ao e-mail abaixo, peço desculpas por não ter respondido imediatamente, mas, devido à súbita doença, morte e ao enterro de minha mãe, tive problemas mais prementes do que suas 4 libras.
Volto a pedir desculpas por acidentalmente salpicar sua calça com algumas gotas de ketchup. Obviamente suas necessidades financeiras como alto executivo da firma são superiores às minhas como mera secretária. Já conversei com vários chefes, advogados e estagiários, mostrando seu e-mail, e eles gentilmente se ofereceram para fazer uma vaquinha e coletar as 4 libras.
De novo, o diálogo acabou saindo na imprensa.
Não é preciso mais exemplos. Quem nunca – entre outros atos autodestrutivos – falou mal de alguém num e-mail para depois cometer o erro fatal (clique fatal seria mais exato) de enviá-lo justamente à pessoa difamada? E o que se pode fazer para reparar o dano? Nossa tendência inicial é pedir desculpas através do meio que nos colocou em apuro. Resista a esse impulso. Em vez disso, procure pessoalmente a pessoa, ou lhe telefone, pois, como ensina o manual, “quanto mais grave o pecado do e-mail, mais trivial parecerá o e-mail pedindo desculpas”.
“O fato de termos e-mail não significa que ele deva ser usado para tudo”, escrevem Shipley e Schwalbe, apresentando uma idéia que os leitores mais jovens podem achar radical demais. A geração que cresceu com o e-mail – que nunca pôs uma carta no correio ou andou pelo corredor até a sala do colega para fazer uma pergunta – extrairá benefícios diferentes da tecla Enviar. Ao mandar e-mails, os jovens cometem erros diferentes daqueles das pessoas de meia-idade ou mais velhas. Estudantes de faculdade que enviam solicitações abusivas aos seus professores (dirigindo-se a eles com “Oi, professor!”) ou candidatos à faculdade que escrevem longos e vaidosos e-mails aos encarregados da seleção “parecem ignorar que a pessoa a quem estão escrevendo (e que estão aborrecendo) é a mesma que poderia oferecer uma vaga numa turma ou avaliá-los no final do semestre”.
Aparentemente, um e-mail e uma carta são a mesma coisa: um texto escrito endereçado a uma ou várias pessoas. Mas escrever cartas nunca foi a atividade tensa que caracteriza os e-mails. Shipley e Schwalbe acreditam que o problema deriva de uma falha fundamental nos e-mails: se você não insere conscientemente certo tom num e-mail, uma espécie de tom padrão universal, seu teor não será transmitido automaticamente. Pelo contrário, a mensagem escrita sem levar em conta o tom se torna uma tela em branco, na qual o leitor projeta seus próprios temores, preconceitos e ansiedades.
Para neutralizar essa ambigüidade perigosa, o Guia sugere o uso sistemático de gentilezas. Não deixe seu destinatário esquecer quanto você o aprecia e respeita, elogie-o e adule-o, demonstre constantemente sua amizade incondicional, e coloque pontos de exclamação (às vezes até mesmo uma carinha sorridente) sempre que possível. “Nos vemos na conferência” é uma afirmação fria. “Nos vemos na conferência!” transmite ao destinatário a idéia de que você está empolgado e contente com o encontro. O Guia faz uma observação interessante: tudo bem, quanto melhor sua seleção de palavras menos você precisará dessa forma de taquigrafia. Mas enquanto sofrermos de falta de tempo crônica – e até que os e-mails comecem a transmitir afetos – continuaremos salpicando nossas mensagens eletrônicas com pontos de exclamação.
Eis, portanto, o xis da questão: o e-mail é um veículo de má redação. Nele, a seleção pobre de palavras é a norma. Quando as pessoas escreviam cartas, tinham o mesmo espaço em branco para preencher. E havia os mesmos imbecis que ofendiam os destinatários com sua prosa desatenta. Basta olhar os manuais de correspondência dos séculos XIX e XX para ver que a maioria dos problemas não é específica dos e-mails, mas comum a todo o gênero epistolar.
Em pouco tempo, o e-mail deixará de ser uma sensação. As pessoas que hoje o usam para demitir funcionários, propor casamento ou depreciar amigos perceberão que isso equivale a colocar sedas frágeis na máquina de lavar. À medida que o e-mail deixar de ser novidade e suas limitações se tornarem mais claras, voltaremos a usar o telefone quando precisarmos comunicar algo complexo, íntimo ou vulgar.
É interessante que os modelos escolhidos pelo Guia para ilustrar a seção “Como escrever um e-mail perfeito” tenham sido escritos por crianças de 12 anos. Sua conversa inofensiva (“NOSSA! Estava brincando ontem quando esse GATO apareceu de bicicleta”) lembra os bilhetes que costumávamos passar durante a aula, e que são, pense bem, precursores do e-mail: escritos às pressas, instantaneamente entregues e respondidos e, se interceptados pela pessoa errada, humilhantes. À medida que os realmente jovens se tornarem simplesmente jovens, será interessante ver o que acontecerá. Seu linguajar infantil evoluirá para uma escrita satisfatória? Escrever de montão acaba fazendo com que se escreva bem? Até (NOSSA!) nos e-mails?