ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2007
A coisa está à solta
E já pode ser vista em São Paulo
Vanessa Barbara | Edição 15, Dezembro 2007
“Me deram um brinquedinho”, diz Wagner Souza Amorim, de 25 anos, funcionário do SAO (sem til) Parking, estacionamento do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. De cinco meses para cá, ele faz a ronda montado num patinete motorizado de 27 mil reais, o Segway, que desliza suavemente pelo piso. Wagner dirige o mimo com peito estufado e porte altivo. Entre duas fileiras de automóveis, breca com destreza para abordar uma funcionária. Faz manobras radicais inclinando o tronco para a frente e desenha curvas arrojadas jogando o corpo para os lados. Sobe as rampas do edifício-garagem e avança com a imponência de um cisne.Acha a geringonça utilíssima para cobrir a área; afinal, são 50 mil metros quadrados, distribuídos em cinco andares.
O Segway, ou a “Coisa” (seu inventor lhe deu originalmente o nome de It), é uma espécie de patinete elétrico de alta tecnologia, movido a bateria recarregável. O projeto é simples: duas rodas, um guidão e uma plataforma para os pés. Lançada em dezembro de 2001 pelo americano Dean Kamen, a Coisa ganhou imediatamente o posto de invenção do milênio, concedido pela imprensa especializada em objetos de desejo do mundo do consumo. Seria assim como um iPod da locomoção humana. A Coisa é mesmo esperta. O pulo do gato é um sistema inovador de estabilização dinâmica: o auto-equilíbrio do condutor. O patinete não tem acelerador nem freio, pois é controlado pelo movimento do corpo. Na base onde se apóiam os pés, há um conjunto de cinco giroscópios e microprocessadores que reproduzem o senso de equilíbrio do labirinto. Assim, acelera-se projetando o tronco para a frente e freia-se jogando-o para trás. Os sensores detectam qualquer retraimento ou inclinação do motorista e respondem na forma de movimento.
“Ganhamos em agilidade”, explica o diretor operacional e financeiro do SAO Parking, João Carlos da Silva, o Jota Silva, de 58 anos. O Segway foi escolhido para substituir as motos, que eram muito poluentes e ruidosas. “E ele entrou com o elemento-surpresa”, acrescenta, “porque agora os vigias se aproximam sem fazer barulho.” Os patinetes são alugados de uma empresa de Cotia, a Segway Brasil, que fornece dois aparelhos e cinco baterias elétricas a um custo de 1 800 reais mensais por unidade. Os Segways fazem até 20 quilômetros por hora (o que não é lá grande Coisa) e têm autonomia de aproximadamente oito horas. De acordo com o fabricante, multiplicam por cinco a área de cobertura de um vigilante.
Segundo Jota Silva, o treinamento na auto-escola do Segway dura cerca de quarenta minutos. Para o usuário, o segredo é alcançar a própria estabilidade em cima do aparelho, que, ao ser ligado, pára em pé sozinho, o que por si só já é uma sensação. O vigia Wagner levou meia hora para pegar o jeito, e confirma: é mole. Tornou-se um experiente piloto, capaz até de dar rodopios sem sair do lugar. “Uma vez caí numa segunda-feira, voltando do fim de semana”, justifica o diligente funcionário, alegando que os folguedos dominicais haviam prejudicado seu equilíbrio. A Coisa, com justiça, é conhecida por ser quase à prova de quedas.
Quase. Em junho de 2003, ao tentar montar num Segway, o presidente americano George W. Bush tomou um tombo diante das câmeras. O acidente ocorreu na propriedade de verão da família, no estado do Maine. O supremo dignitário não seguiu o manual, que aconselha o principiante a usar capacete e chamar um amigo para segurá-lo: “Se você tentar andar pela primeira vez sem um apoio, corre grande risco de se machucar e provavelmente não se divertirá muito”. Rindo da cara do perigo, Bush não usou capacete, não chamou um amigo e, ao que tudo indica, deve ter se esquecido de ligar o aparelho. Este, por sua vez, não acionou o sistema de auto-equilíbrio e arremessou pelos ares o líder do mundo livre. Kim Jong Il, o ditador da Coréia do Norte, também é fã ardoroso do Segway. Com a doce brisa de Pyongyang acariciando-lhe os cabelos espetados, vive a flanar pelos corredores de mármore de seus palácios a bordo de um patinete. Não consta que já tenha caído.
Jota Silva confessa que já caiu três vezes. Com os Segways do estacionamento de Congonhas, até agora ninguém chegou a se machucar gravemente e não houve atropelamentos, mas a Associação Brasileira de Pedestres (sediada em São Paulo) já protestou contra os Segways usados nas calçadas pelos seguranças da Faap, a Fundação Armando Alvares Penteado. Segundo o fabricante, o produto é destinado a circular em áreas de pedestres. Nos Estados Unidos, ele está autorizado a trafegar nas calçadas de 42 estados, embora com restrições. Inglaterra, Japão e Hong Kong baniram o tráfego nas calçadas, alegando que é proibida a circulação de veículos motorizados no espaço destinado a pedestres. Cidades como São Francisco adotaram a mesma regra.
No Brasil ainda não há legislação específica sobre patinetes. Não importa. Dentro ou fora da lei, no estacionamento de Congonhas o Segway é muito popular. “A Preta Gil encheu o saco e conseguiu dar uma volta no G5”, conta Jota Silva, referindo-se ao último andar do estacionamento. A cantora já havia experimentado a Coisa nos Estados Unidos. Gostou tanto que, ao reencontrá-la no Brasil, insistiu até dobrar o segurança.
É proibido emprestar a Coisa a curiosos. Afinal, ela tem mais o que fazer: mantém-se em ronda permanente para vigiar o estacionamento, leva e traz recados entre os funcionários e acompanha clientes de olhar ansioso que vagam pelos corredores atrás de carros que não sabem onde enfiaram. O SAO Parking adotou “o mais avançado meio de locomoção da história” para achar automóveis perdidos. Toda hora aparece gente que alugou um carro e não faz a mínima idéia da cor e da marca do dito-cujo. Segundo o condutor oficial Wagner Amorim, são pelo menos dez carros perdidos por dia. “O problema é que na etiqueta da chave a locadora não especifica o modelo do carro, então fica difícil achar”, diz Jota Silva. É a proverbial agulha no palheiro: um carro afogado entre 3 350 similares. Servicinho talhado para a Coisa.