ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2007
Tudo por 1,99
Em quatro dias de evento, não sobrou um só esguicho de metal
Vanessa Barbara | Edição 15, Dezembro 2007
O moderno escorredor de enlatados da Plick Novidades é “ideal para comprimir e espremer dentro de sua própria lata produtos como o atum, extraindo assim o óleo ou salmoura indesejável”. Além de espremer e comprimir, o engenhoso design do escorredor Plick faz dele um produto flex, isto é, permite usá-lo também como peneira. A engenhoca é feita de poliestireno 100% atóxico e está disponível na cor branca. Preço sugerido no varejo: módicos 1,99. Por igual valor, você, consumidor final, levará um pacote de palhas de aço UsiBem, um pregador multiuso Zeek, uma pasta desengraxante Fuzetto ou, por que não?, um par de escovas de dente “pai e filho” com o escudo do seu time do coração – mesmo que ele seja o Coritiba ou o Atlético Paranaense, versões também disponíveis para venda.
Em sua 15ª edição, a “Feira 1,99 Brasil” ofereceu essas e outras maravilhas do varejo popular a lojistas, distribuidores e revendedores, a preços de atacado. Para fazer a feira era preciso ter CNPJ e disposição para comprar lotes fechados – por exemplo, 200 papa-bolinhas (extirpador de bolinhas de roupas) ou 480 mata-moscas. O evento ocorreu no amplo Pavilhão Vermelho do Expo Center Norte, centro de exposições na Vila Guilherme, em São Paulo, e contou com 160 expositores. Em apenas quatro dias, o público deu fim, entre outras mercadorias, a todo o estoque de esguichos de metal e porta-CDs em forma de porquinho.
“Se isso chega na minha loja, não pára nem um dia”, observa um comerciante, indicando uma lousa mágica (para desenho) em meio a um amontoado de brinquedos de plástico. “A lousa e o cubo mágico”, completa, enquanto seu sócio fecha um pedido de 25 bolsas de náilon. Os dois têm uma loja de 1,99 em Feira de Santana, na Bahia. Estão visitando o maior stand do evento, o da distribuidora Issam. Abrindo caminho entre a massa de clientes, apanham alguns produtos, perscrutam, fazem perguntas, devolvem às prateleiras. Entre os itens esgotados, está um relógio de pulso verde da marca Hua Qian.
O evento se realiza duas vezes por ano, em março e outubro. Ao contrário de outros segmentos do comércio e da indústria, que se contentam com feiras anuais, o setor de 1,99, cujo giro de mercadorias é bem mais veloz que o das lojas tradicionais, exige que se façam feiras semestrais para acompanhar o movimento dos estoques. A de março é uma prévia do Dia das Mães, e em outubro se consolidam as encomendas para as festas de fim de ano. Donde a profusão de bolas douradas, laços natalinos, lâmpadas pisca-pisca e Papais Noéis de papel.
Ao entrar no enorme paraíso das bugigangas, o visitante recebe um mapa para se localizar, mas não é o suficiente. Melhor seria um GPS. A feira é um labirinto de potes de plástico e brinquedos semidescartáveis. O ambiente é claustrofóbico e, vez por outra, surreal. Subitamente, duas moças de patins passam voando, ambas com orelhas do Mickey – promoters de alguma loja que vende produtos licenciados da Disney. A maioria dos stands é apertada e entupida de gente. Em alguns há distribuição de brindes, como minitrenas e incensos de benjoim, estratégia não adotada no stand da Fini Guloseimas, cujo modus operandi se assemelha ao da CIA ou do MI-6, a agência onde trabalha James Bond: repórteres são sumariamente expulsos, pois é proibido anotar. Aos afortunados de cotovelos robustos, que conseguem passar à frente das massas, várias são as recompensas. (Algumas vendas são de varejo.) Por 1,99 você pode comprar um funcional amassador de papinha, também no stand da Plick. Por 1,99 você compra um frango de borracha, uma saboneteira com ventosas, um incenso sabor melão, um livro evangélico e um pacote de unhas postiças. Por 1,99 você leva para casa os mais diversos instrumentos de cutelaria e, se der sorte, ainda recebe uma bala de troco. (Conseguir o troco certo de 1 centavo é mais difícil do que descobrir os segredos da Fini Guloseimas.)
Há cerca de 25 mil lojas de 1,99 espalhadas pelo território nacional, com estantes abarrotadas de quinquilharia e poeira (o pó é intrínseco ao segmento). Elas movimentam 8 bilhões de reais ao ano. Há pouca informação sobre a gênese desse tipo de comércio popular, mas sabe-se que, no Brasil, uma das primeiras lojas de 1,99 foi criada há mais de doze anos em Balneário Camboriú, Santa Catarina, pelo empresário argentino Hugo Martignone. Hoje o estabelecimento se chama Super 1,99 e segue a tendência atual: em vez de “Tudo por 1,99”, os letreiros dizem “A partir de 1,99”.
De fato, embora os produtos de 1,99 ainda representem o carro-chefe do negócio, na maioria dos estabelecimentos os preços oscilam entre 1 real e 10 reais. A feira oferece incontáveis itens nessa faixa. Muitos expositores não tinham uma única quinquilharia a menos de 1,99. “Aqui, só cartão de Natal”, diz o vendedor da Grafon’s, fabricante de artigos de papelaria. “A única pessoa que eu conheci aqui que só vende artigos de 1,99 é uma chinesa, dona de uma loja de flores de plástico.”
Para as festas de fim de ano, que sempre incluem libações várias e celebrações pantagruélicas, o setor também oferece alimentos a granel, tais como pão de cachorro-quente, biscoitos de polvilho, amendoim confeitado e balas de goma em forma de dentadura. Isso sem falar nos cosméticos, indispensáveis ao festeiro formoso e úteis para fazer bonito no amigo-oculto. Um alentado pote de creme (verde) para mãos e pés, de marca indefinida, pode ser adquirido pelos lojistas a menos de 1 real e revendido a 1,99. Nas farmácias, um similar de marca custa, por baixo, 8 reais. E note-se: nem é feito de sebo de carneiro.