ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2008
O colar das maravilhas
Como pendurar pá de bolo e águia empalhada em volta do pescoço
Roberto Kaz | Edição 18, Março 2008
Elke Maravilha carrega no pescoço a chave de um cemitério, e não se trata de linguagem figurada. A chave é real e o cemitério existe. “É o de Colatina, no Espírito Santo. Já tenho onde cair morta”, ela conta. É sempre uma preocupação a menos.
Encostada à chave há uma garra de onça que lhe foi presenteada por um índio. Adiante, uma moeda indiana, um símbolo da cabala e a imagem de Nossa Senhora. O elo entre chave, onça, moeda, cabala e Virgem é uma corrente de prata que Elke comprou em Salvador há 33 anos, quando filmava A Força de Xangô. Desde então, a ex-jurada do Chacrinha e do Silvio Santos vem urdindo o seu colar biográfico. O objeto conta com noventa pingentes e pesa 3 quilos.
O primeiro adereço foi uma mãozinha fazendo figa, adquirida no mesmo dia da corrente. Seguiram-se peças da Índia, compradas numa feira que o país promoveu no Rio. Percebendo que a coisa tomava ares cosmopolitas, Elke acrescentou uma medalha da Grécia, outra do Nepal e dois brincos trazidos do Egito e de Israel. “Todas as culturas têm que viver juntas”, ensina.
Alerta e elétrica na sua sexta década de vida, Elke mora num apartamento de quarto e sala no Leme, bairro de classe média do Rio de Janeiro. Divide o espaço com a cozinheira Evinha, o gato Calunga e o jovem marido Sacha. O colar é mantido na estante do quarto, envolto num manto negro. Embora não o use em público há algum tempo (a última vez foi em 2006, durante um desfile do estilista Ronaldo Fraga), Elke o conserva tinindo de limpo à base de escova de dente e sabão. “Esse colar resume a minha história”, explica. “Quando me dizem que é coisa de macumbeiro, agradeço o elogio.”
Devido ao peso, Elke não o pendura no pescoço. Prefere vesti-lo à moda de uma faixa presidencial. Vestir, na verdade, é fácil. Tirar, menos. A miríade de penduricalhos se agarra ao cabelo e à roupa. É preciso uma certa prática. Os pingentes, de tamanhos variados, podem ter as dimensões de um anel ou de um pires. Elke não se importa muito em compreender a natureza do objeto no qual volta e meia se enrosca. “Gosto de prata, que é símbolo de nobreza. Mas sou guiada pela energia” – é o máximo que declara a respeito das escolhas que faz. Assim, nenhuma incongruência em pôr na conta da prata a pá de bolo herdada da mãe: “Eu não fazia bolo e a pá era de prata. Ela ficava melhor aqui”. Da família, aliás, Elke acrescentou outras lembranças, como um símbolo do Grau 33, a mais alta patente da maçonaria, deixada pelo pai, já morto. Ela considera que, desgarrados, os objetos não têm valor. Já o conjunto, sim: “Dois anos atrás me ofereceram 15 mil dólares. Não vendi. É a minha Mona Lisa”.
Alguns símbolos são recorrentes. De peixes, por exemplo, ela gosta muito. O populoso cardume que habita seu colar foi comprado peixinho a peixinho pelos quatro cantos do planeta. Ela justifica: “Meu signo é peixes. Cristo era peixes. Bin Laden é peixes. Bin Laden é o Cristo do terceiro milênio”, consideração teológica que certamente não facilitará um visto para os Estados Unidos. Há também miniaturas de corujas, macacos e alces, um pedaço de osso e uma pata de águia empalhada, uma moeda de 2 mil réis e um broche em forma de sapato da Calçados Eurico, loja paulistana especializada em tamanhos grandes. “Achei tão bonitinho que resolvi pendurar”, ela sorri, com um gritinho.
À diferença do manto tecido pelo artista Arthur Bispo do Rosário, o colar de Elke Maravilha não tem conotações metafísicas: “Vou continuar montando até morrer, mas não quero ser enterrada com ele, que eu não sou faraó”. O último pingente, um anjo de asa quebrada, foi incorporado há um ano. Desde então, ela está à cata de uma nova corrente para encompridar a obra: “Esse colar chegou no limite, não cabe mais nada”. Enquanto a gambiarra não vem, um Buda e um índio japonês – sim, sim – aguardam na coxia para se juntar ao bando.