FOTO: SEBASTIÃO MOREIRA_AGÊNCIA EFE_2008
A primeira vítima da crise financeira foi o Botox
O reaparecimento das rugas presidenciais é sinal de profundas mudanças subcutâneas
Marcos Sá Corrêa | Edição 26, Novembro 2008
A crise das hipotecas americanas chegou ao Brasil na terça-feira, 21 de outubro, com ondulações mínimas. Três milimétricas ondulações, para ser mais preciso. E eram tão rasas, que sequer transbordariam para os jornais – caso não encrespassem a testa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Lula falava naquele momento à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência sobre a quebradeira mundial. Fazia declarações cautelosas sobre o tsunami financeiro, dizendo ao auditório que talvez se visse obrigado a cortar na própria carne, se o vagalhão pegasse em cheio o Banco Central. Como sempre, estava cercado de repórteres, cinegrafistas e fotógrafos, que registraram o fato.
Suas palavras podiam não ter nada demais. Mas sua testa apareceu eloqüente, carregada de rugas de preocupação, dessas que arqueiam sobrancelhas, franzem peles e acentuam a gravidade de qualquer assunto, mesmo em conversas de botequim. Porém, elas só são comuns entre pessoas comuns. Entre políticos e celebridades, estão cada vez mais raras.
Fechar a cara não é brincadeira. Exige a ação sincronizada de 37 músculos. Para abrir um sorriso, basta menos da metade desse aparato físico. Uma das conseqüências desse esforço muscular é que as marcas de contrariedade, que normalmente ocorrem e passam, acabam com o tempo impressas na pele, como sulcos permanentes. E têm o dom de ser reconhecidas automaticamente como sinais de preo-cupação ou desagrado por todos os povos do planeta. Até animais, desde que tes-tados em linguagem corporal, são capazes de interpretá-las.
As rugas de expressão que amarrotaram a testa presidencial em outubro têm tudo para ficar. Elas andavam ausentes da política nacional há mais de três anos, desde que Lula inaugurou, na segunda metade de seu primeiro mandato, a blindagem fisionômica de homem acima dos acontecimentos. Seu reaparecimento só pode ser um sintoma de mudanças mais profundas – no mínimo, subcutâneas.
“Um homem com vincos pronunciados entre os olhos pode dar a impressão de que está irritado ou tenso”, ensina a Allergan, maior autoridade internacional em testas alisadas. Ela detém a patente do Botox, a fórmula que extraiu o elixir da juventude do Clostridium botulinum, o bacilo letal das carnes podres e dos enlatados que perderam o prazo de validade.
Criado para prestar serviços à medicina como remédio para estrabismo e enxaquecas, o Botox fez carreira meteórica como cosmético. Ele é a marca registrada da plástica sem bisturi. Faz milagres com meia dúzia de injeções, sem hospital ou anestesia. Costuma ser aplicado no consultório por cirurgiões plásticos e dermatologistas. Mas já está disponível nas prateleiras de maquiagem das lojas de departamentos. Uma sessão de quinze minutos retesa testas por até seis meses.
O efeito provisório é uma das suas vantagens. Se os resultados fossem definitivos, o Clostridium botulinum faria sozinho o serviço, porque tira temporariamente a vida dos tecidos musculares, bloqueando a comunicação entre suas células nervosas. Uma dose de 1 mililitro, diluída em soro fisiológico, leva a nocaute por bom tempo os procerus, corrugadores, orbitais e outros músculos que amarrotam testas, ignorando os estragos, conforme promete o fabricante, da “falta de colágeno, da perda de hormônios e dos radicais livres”.
Nem tudo é perfeito, porém. A página oficial do Botox na internet transmite entrevistas de cinqüentonas que, obviamente, fizeram furor em bailes de debutantes na época em que a governadora Sarah Palin desfilava de maiô vermelho nos concursos de Miss Alaska. Mas, enquanto as mulheres falam entusiasticamente da poção mágica, suas testas quase gritam “Botox!”. Por mais que algumas delas sustentem que não se sentem “congeladas”, as senhoras parecem estar com toucas de alabastro. Uma delas se vangloria que o marido ainda percebe quando ela está “realmente zangada” – mas o marido não foi ouvido.
Isso não significa que o Botox exclua os homens de sua clientela. Ao contrário, o site tem um boletim exclusivo para as rugas masculinas, inspirado na lição da natureza, onde “os machos de algumas espécies levam a melhor quando se trata de aparência”. Por exemplo, o pavão. A clientela masculina é advertida que o principal inconveniente das “linhas glabelares” – ou seja, da testa vincada – é “carregar as emoções na cara”.
O problema é que esconder com Botox as emoções ou a idade também dá na cara. Nos Estados Unidos, ele contaminou os dois lados da campanha presidencial. O republicano John McCain virou Botoxer-in-Chief – ou algo do gênero Botoxeiro-mor – para o colunista John Seery, que taxou de “ridículo” o providencial rejuvenescimento do mais velho aspirante à Casa Branca.
“Começo a não ver diferença entre o político que injeta Botox na cara e o atleta que injeta doping na veia”, escreveu John Seery no The Huffington Post, site de jornalismo político baseado em Washington. Tanto o político como o esportista usariam drogas para melhorar o desempenho numa competição. Num artigo intitulado “Botox Express”, a comentarista Jane Hamsher reclamou, nada mais, nada menos, que “os olhos de McCain mal se mexem”, “o topo de sua cabeça é cadavérico” e “seu rosto parece coberto com cera de funerária”.
Sobre a chapa de Barack Obama caiu a queixa da comentarista Suzanne Herel, na versão on-line do jornal San Francisco Chronicle. Herel se declarou incapaz de prestar atenção no que dizia o senador Joe Biden, o candidato a vice, “porque fico hipnotizada pela sua testa notoriamente ‘botoxada'”. O porta-voz David Wade negou que Biden usasse Botox. Entrevistado pelo jornal The New York Post, um cirurgião plástico nova-iorquino chamado Oleh Slupchynskyj garantiu que sim, o candidato a vice foi botoxado.
A suspeita grudou em Joe Biden. Assim como nunca mais desgrudou de John Kerry, adversário de George W. Bush -quatro anos atrás. Seu nome foi parar no livro Project President, no qual o jornalista Ben Shapiro conta a história da vaidade nas corridas presidenciais, desde a peruca de John Adams, em 1800. Em 2004, quando Kerry perdeu para Bush, a repórter Rosa Hwang argumentou no telejornal da CBS que “os Estados Unidos ainda não estavam preparados para ter um presidente com Botox”.
A esta altura, o Brasil já tinha provado que não liga para essas coisas. Aqui, a notícia de que a dermatologista Denise Steiner ia ao Palácio da Alvorada aplicar Botox passou pelos jornais quase em branco. Logo, se agora Lula resolveu que é hora de enrugar a testa, há de ter sido por razões de Estado.
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