ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2008
Pais de Gandhi
E de Gorbachev, Einstein, Armstrong...
Phillip Dântom | Edição 28, Janeiro 2009
Einstein acaba de mandar Mahatma Gandhi às favas. Maxwell explica que a cena é rotineira. Mikhail Gorbachev concorda, atribuindo a culpa a Gandhi: “Ele é pirracento demais.” Segundo o líder russo, esse é o principal motivo para não trocar uma palavra com o pacifista há quase dez anos. Gandhi, às vezes, até tenta um contato mais próximo. Mas Gorbachev, diplomaticamente, ignora. “Apesar de não guardar mágoas, é preciso fugir do conflito”, argumenta.
E é assim, como bons irmãos, que Mahatma Gandhi, 22, Mikhail Gorbachev, 18, Maxwell, 21, Armstrong, 16, e Einstein, 12, dividem o mesmo teto na cidade de Ceilândia, no Distrito Federal. A reunião das grandes personalidades foi concebida por Antônio e Eleuza Almeida, casados há 25 anos. Além dos cinco rapazes, os mineiros de Campo Azul – município do norte do estado – tiveram uma menina.
Daniela foi a única da família a não ser agraciada com um nome “especial”. Era para se chamar Indira Gandhi. “Mas quando nasceu, eu tinha acabado de perder minha sobrinha, Daniela. Decidi prestar essa homenagem”, explica Antônio Almeida. Chegada a adolescência, surgiu a lenda segundo a qual Daniela lamentava não ter um nome tão sofisticado quanto o dos irmãos. Ela nega.
“Eu adoro meu nome. Isso aconteceu por causa daquela entrevista que fizeram com os meninos há uns seis anos.” Em janeiro de 2003, uma repórter do Correio Braziliense descobriu a família Almeida. Daniela, já acostumada com os seus 18 anos de nome comum, preferiu não aparecer. “Não via necessidade. Nem fui ao lugar da entrevista”, conta. A tentativa de manter o anonimato revelou-se inútil; a jornalista acabou lhe telefonando. “Enquanto eu me justificava, a ligação caiu. Pronto, bastou isso para ela virar para o meu pai e dizer: ‘Sua filha desligou o telefone na minha cara.'” Constrangido, Antônio Almeida pediu desculpas. “Fico me perguntando se ela está triste por não ter o nome parecido com o dos irmãos”, lamentou à repórter. A declaração foi destaque na matéria e virou motivo de piada entre família e conhecidos. “Ele disse o pior que poderia ter dito”, lembra, desgostosa, Daniela.
Hoje, os rapazes não se importam mais com o fardo dos nomes. “Acabou sendo bom porque, na escola, eu ficava popular rapidamente”, explica o tímido Gorbachev. O descobridor da teoria da relatividade concorda: “Nenhum professor vai esquecer que já deu aula para o Einstein.”
Nem só de glórias vivem os grandes personagens históricos. Em meados de 1996, Mikhail sofreu um atropelamento e foi levado para o Hospital de Base, em Brasília. Aflitos, familiares ligaram para o pronto-socorro em busca de informações sobre o garoto. “Mikhail Gorbachev? Não tem vergonha de passar trote no hospital, não?”, respondeu uma atendente exaltada. “Gorbachev está na Rússia, vagabundo”, disse outra, antes de bater o telefone no gancho.
Antônio Almeida conta que, em casa, não enfrentou dificuldades conjugais na hora de batizar os filhos. Admirador dos grandes pensadores da humanidade, o patriarca escolheu um pacifista, um estadista, um astronauta e dois cientistas – um escocês e outro alemão – para proteger a prole dos constrangimentos que nomes comuns podem causar. “Certa vez, tive problemas em uma loja porque um homônimo meu tinha aplicado um golpe na praça. Foi quando decidi que meus filhos teriam nomes diferentes”, justifica.
O problema estava nos cartórios de Brasília. Quando Mahatma Gandhi e Maxwell foram registrados, a família ainda morava em Minas Gerais, onde puderam exercer a criatividade sem problemas. Já Mikhail Gorbachev nasceu em Ceilândia. Assim que Antônio Almeida chegou ao Ofício de Registro Civil, ouviu, do escrevente, que da sua caneta democrata sairia no máximo um “Mikhail”.
Frustrado – afinal, sem Gorbachev, o nome ficaria incompleto –, o patriarca decidiu voltar a Minas Gerais, onde registrara os primeiros filhos como bem entendera. Funcionou. Einstein só não ostenta um Albert e Armstrong só não é Neil por culpa, única e exclusiva, de dona Eleuza. “Eu queria colocar o nome completo, mas ela dizia que nesses casos seria exagero”, explica Almeida, que, para evitar a fadiga, decidiu registrar todos no mesmo cartório.
Mahatma Gandhi já pensou em ser padre e hoje ajuda os pais na fábrica da família. Admirador do pacifista, considera sua biografia uma das mais belas da história. Já Mikhail Gorbachev sabe apenas o básico sobre o xará, que presidiu a abertura russa: “Só o que aprendi na aula de história.” Armstrong e Einstein são os que mais ouviram falar de si mesmos. O primeiro tem noção que o astronauta “deu um dos maiores passos da humanidade”. E o caçula lembra que seu homônimo não penteava o cabelo e costumava exibir a língua para a câmera.
Maxwell tem mais dificuldade em explicar de onde o pai tirou seu nome – não são todos os que conhecem James Clerk Maxwell, físico e matemático do século XIX, grande responsável pela teoria eletromagnética da luz. “Pelo menos se fosse do ramo do alumínio”, brinca.
Alumínio é a matéria-prima que sustenta os Almeida. As Panelas Real (“Made in Ceilândia”, informa o carimbo) são o orgulho do microempresário, que soma mais de três décadas repuxando discos de alumínio. Dois anos atrás, ele decidiu que era hora de alavancar o negócio. Mudou-se de mala, cuia e família para a fábrica. “Agora, meu trabalho é minha casa, e o nosso slogan é: ‘Alumínio Real, de Ceilândia para o mundo'”, explica. Para tocar o barco, ele conta com Gandhi, Gorbachev, Maxwell, Einstein, Armstrong e Daniela. Pena nenhum de seus filhos se chamar Obama.