“Quero dormir. Digo isso com uma aparente serenidade. Estou cansado de me preocupar com prisão de ventre, homossexualismo, alcoolismo, e de ficar ruminando como deve ser um bar gay” FOTO: DAVID L. RYAN_LANDOV
Minha natureza atormentada
Durante mais de três décadas, o escritor americano JOHN CHEEVER registrou metodicamente seus abismos interiores: alcoolismo, um casamento atritado, bissexualismo clandestino, solidão e remorso. Publicado postumamente, o diário soturno alterou de maneira definitiva a imagem do artista tido como o arauto da beleza e da luz.
John Cheever | Edição 53, Fevereiro 2011
1948_Estou com um leve resfriado, nada sério, mas ele tem um efeito depressivo, e a febre e a tosse seca sempre comprometeram a minha estabilidade. Além disso, às vezes tusso um pouco de sangue e isso me traz pressentimentos de morte que parecem pura petulância. Ontem à noite, por motivos que compreendo, minha esposa sugeriu que eu a deixe por um tempo, sugestão que não consigo achar razoável. Instigou-se em mim um tipo de orgulho que se pode transformar em algo perverso, como uma longa separação ou um divórcio. Uma longa separação seria perigosa, pois somos os dois pouco comunicativos e não estamos inclinados a perdoar. Ela tem um lado que não é sociável nem afetuoso, e que ela nunca manifestou a mim ou a outros sem que isso resultasse em dor. Ela passava muito tempo sozinha na juventude e esses hábitos solitários às vezes reaparecem. De vez em quando, se sente sufocada por uma total ausência de privacidade. Ela tem todo direito a isso – é algo que identifiquei quando a conheci e a pedi em casamento. Ainda por cima, há o fato de que minha vida recente tem tido todas as características de um fracasso.
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Estou cansado, mas vai passar. Amo o corpo da minha mulher e a inocência dos meus filhos. Nada mais.
1952_Quando a autodestruição brota no coração, parece ser menor do que um grão de areia. É uma dor de cabeça, uma leve indigestão, um dedo inflamado; mas você perde o trem das 8h20 e chega atrasado à reunião sobre a dívida do cartão de crédito. O velho amigo com quem você se encontra para almoçar esgota a sua paciência sem mais nem menos e num esforço para ser agradável você toma três drinques, mas a essa altura o dia já perdeu a forma, o propósito e o significado. Na esperança de lhe devolver algum sentido e beleza, você bebe demais nos coquetéis e fala demais, dá em cima da mulher de alguém e termina fazendo algo idiota e obsceno, e pela manhã você quer estar morto. Mas quando tenta reconstituir o caminho que o conduziu a esse abismo, tudo que você encontra é um grão de areia.
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Prestes a completar 40 anos sem ter realizado nada do que pretendia realizar – sem jamais ter alcançado a criatividade profunda à qual me dediquei todo esse tempo –, me sinto ocupando uma posição menor, débil e obscura, a que cheguei não por destino, mas por culpa minha, como se me tivessem faltado, a certa altura do caminho, o espírito e a coragem necessários para me encaixar com competência nos moldes que iam surgindo. Penso em Leander[1] e em todos os outros. Não é por serem histórias de fracasso; não é isso que assusta. É que esses registros são banais, eles não têm a menor importância; é porque Leander, caminhando no jardim ao entardecer, padecendo de uma paixão violenta, não interessa a ninguém. Não importa. Não importa…
1955_Você encontra na rua um colega de turma ou alguém do gênero e aceita um convite para jantar. Assim que põe o pé no apartamento, repara que algo está errado. Sua anfitriã andou chorando e seu antigo colega parece bêbado. Não a ponto de cambalear, mas demonstra aquela agressividade típica de alguns bêbados. Se você recusa os amendoins, ele fica sarcástico. Antes de chegarem à mesa do jantar, ele já começou a agredir, a difamar e a ridicularizar a esposa, e no meio da sopa ele te diz que ela é uma puta nojenta. Ela dá a impressão de ser uma mulher simples e de temperamento doce. Enquanto ela chora e ele a acusa de indecências improváveis de todo tipo, você pega o chapéu, o casaco e vai embora no meio do jantar. Dez ou quinze anos se passam até que uma noite, saindo do teatro, você é abordado de novo pelo velho colega. Ele está acompanhado da mesma esposa, e analisando com curiosidade o rosto dela você tem a impressão de que ela está feliz. O apartamento deles, por acaso, fica perto do seu, de modo que você divide o táxi com os dois e sobe para beber alguma coisa. Tudo está agradável há uns dez minutos quando o seu velho colega pergunta à esposa por que ela não prepara uns sanduíches; por que ela não levanta a bunda gorda e vai fazer algo que preste. Ela começa a soluçar e vai à cozinha, e quando você pega o chapéu e o casaco ele começa a gritar de longe que ela é uma vadia, uma puta nojenta, uma vagabunda.
1957_No dia seguinte ao nascimento do meu filho, acordo querendo tudo de bom para ele: coragem, amor, virilidade, uma visão saudável de si mesmo e um arranjo viável com Deus. Subirei o monte Chocorua a seu lado. Digo à empregada como ele é lindo, e depois às crianças. Estou eufórico e, como continuo gripado, sinto os olhos úmidos e doloridos. Não vou à igreja, julgando isso desnecessário. Pego o ônibus com Ben e Susie[2] até o hospital. Entre o ponto de ônibus e o portão, passamos por um canto escuro da rua – me refiro a uma escuridão emocional. K. me disse que um assassinato foi cometido ali e creio detectar uma atmosfera de agressão sexual, cheiro de mijo, um gato dormindo numa lata de lixo e uns rabiscos bem sacanas nas paredes, que paro para examinar. No hospital encontro Mary,[3] meu lindo filho e tudo que pretendo fazer por ele. Não me lembro de alguma vez ter amado tanto uma criança. E então voltamos para casa num ônibus lotado e malcheiroso. Tomo um drinque e me sinto bem estranho – é a gripe, acho –, e do alto da minha sacada cobiço a liberdade dos garotões que vão fazer baderna em Ostia a bordo de seus conversíveis, pensando em como um homem agraciado com quase tudo que o mundo tem a oferecer pode continuar sentindo que algo ainda falta. Vamos ao Palatino depois do almoço, e agora é o mundo que me parece um tanto estranho, talvez visto através da placenta da minha gripe. O céu está uma beleza, com uma luz viva e cintilante, mas um vento frio sopra de alguma direção, revirando e agitando as folhas, fazendo um ruído desconfortável que lembra o outono. Vou de um lado a outro no sol, mas não consigo me aquecer, e sinto que tempestades ou desarranjos químicos se alastram nas minhas veias. De volta para cá, ao descer as escadas, por algum motivo me vem à mente a luta que é admitir a existência do mal no mundo e dentro de nós mesmos, a dificuldade que é alcançar o equilíbrio entre nossa expressão interior e aquilo que sabemos ser o correto.
1958_Bebo uísque antes do almoço; vou passear com Federico.[4] Chove de novo, mas não chega a estragar o passeio. O dia está terrível, um clima de doer. Mary parece estar se esforçando para dar fim a essa tensão entre nós e estou disposto a colaborar. Mas na hora de lavar a louça, tudo vai por água abaixo. Não é obrigação minha lavar a louça, minha obrigação é tomar conta do bebê. Acho que seria melhor se eu lavasse a louça e ela tomasse conta do bebê. Então tomo conta do bebê, mas o bebê chora e ela precisa sair da pia, e eu digo: “Precisamos conversar; precisamos conversar. Isso está insuportável. Pensei em te escrever uma carta.” “Me escreva uma carta”, ela diz, rindo, e a situação é exasperante. Não há um lugar onde possamos conversar sem que as crianças escutem. Decido naquela hora, e depois de novo às três da manhã, que irei propor três coisas. 1) Ela precisa admitir que é vítima de uma depressão inconstante e tomar uma atitude em relação a isso. 2) Não a levarei de carro até New Hampshire. Será bom para ela fazer a viagem sozinha e passar um pouco de tempo ao lado do pai. 3) Se ela continuar se queixando da casa e desejando outras casas, é melhor encontrar um lugar barato para alugar e viver sozinha com as crianças. Às 3h30, porém, cai uma pancada de chuva; o vento vira, é necessário cobrir-se com o cobertor e de repente me sinto feliz, bem-disposto e animado. No mesmo instante, talvez, a grande ratazana, o monstro, bota a cabeça na armadilha e seu pescoço é quebrado ao meio. Na luz nova da manhã, todas as minhas convicções se esvaíram como fumaça. Não mencionarei a depressão; vou levá-la de carro até New Hampshire; sairemos à procura de uma casa de campo hoje à tarde.
1959_Ano após ano, leio aqui que estou bebendo demais, e não há dúvida de que isso é progressivo. Os dias desperdiçados só aumentam, sofro crises de remorso cada vez mais intensas e acordo às três da manhã me sentindo um defensor da sobriedade. A bebida, bem como seus apetrechos, ambientes e efeitos me parecem abomináveis. Mesmo assim, todo dia, ao meio-dia, pego a garrafa de uísque. Parece que não consigo beber moderadamente, e também não consigo parar.
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Esse foi o ano em que todo mundo nos Estados Unidos estava preocupado com o homossexualismo. Havia outras preocupações também, mas os outros anseios eram publicados, discutidos e trazidos à tona, enquanto os anseios ligados ao homossexualismo permaneciam no escuro, inconfessos. Será que ele é? Que ele foi? Que eles fizeram? Que eu sou? Que eu poderia ser? Era o que todos pareciam estar pensando. A título de defesa, deu-se uma grande ênfase à virilidade, ao atletismo, à caça, à pesca e ao vestuário conservador, mas a esposa solitária desconfiava de relance do marido que tinha ido ao acampamento de caça, e o próprio marido desconfiava do outro com quem havia dividido uma cama rústica de folhas de pinheiro. Será que ele é? Que ele já? Que ele tinha? Que ele queria? Que alguma vez? Mas o que eu realmente queria dizer é que isso é patético. Um homem pode ter culpa, mas apenas gente absurdamente reprimida se comporta dessa maneira.
1960_Passo a noite com C., e o que pensar disso? Não tenho vergonha do que fiz, acho, mas ao mesmo tempo sinto ou apreendo o peso das restrições sociais, a ameaça de punição. Mas agi somente com base em meus instintos, tentei atenuar discretamente a minha solidão embriagada, o meu inoportuno apetite de carinho sexual. Talvez o incidente tenha algo de pecaminoso, e só tive esse tipo de relação três vezes na minha vida adulta. Conheço minha natureza atormentada e procurei contê-la nos limites da criatividade. Não escolhi estar aqui sozinho, exposto à tentação, mas espero sinceramente que isso não aconteça de novo. Não acredito ter feito nada errado. Não acredito ter prejudicado ninguém que amo. O pior talvez seja ter me colocado numa posição em que serei forçado a mentir.
1961_Levanto às 6h30 para tomar café – de bom humor, acho, mas enquanto faço a barba Mary também levanta, me olha feio, tosse e emite pequenos grunhidos de dor até que eu fale em tom agressivo: “Além de cair morto, tem alguma coisa que eu possa fazer para te ajudar?” Não tomo café da manhã porque ele não me é oferecido – olhe só para nós, a essa altura da vida e a essa hora do dia, reencenando as brigas horríveis e amarguradas dos nossos pais, girando com ódio em volta da torradeira e do espremedor de laranja como gladiadores encolhidos e desdentados, exalando veneno, bile, maldade e petulância na cara do outro! “Posso torrar o meu pão?” “Se importa de esperar até que eu termine de torrar o meu?” Minha mãe finalmente tirando seu prato de café da mesa e comendo no guarda-louça, de costas para a mesa, com lágrimas escorrendo pelo rosto. Meu pai sentado à mesa, perguntando: “Pelo amor de Deus, o que foi que eu fiz para merecer isso?” “Me deixe em paz, apenas me deixe em paz, é tudo que peço”, ela diz. “A única coisa que eu quero”, ele diz, “é um ovo cozido. Será que é pedir demais?” “Bom, então cozinhe o seu próprio ovo”, ela grita; e essa é a voz plena da tragédia, o canto do bode. “Cozinhe o seu próprio ovo, então, mas me deixe em paz.” “Mas diabo, como é que eu vou cozinhar um ovo”, ele berra, “se você não me deixa usar a panela?” “Eu deixaria você usar a panela”, ela grita, “se você não a deixasse imunda depois. Não sei como consegue, mas tudo que você toca fica imundo.” “Eu comprei a panela”, ele ruge, “o sabão, os ovos. Pago a água e a conta do gás, e estou na minha própria casa sem conseguir cozinhar um ovo. Morrendo de fome.” “Tome”, ela diz, “coma o meu. Não consigo mais. Você acabou com o meu apetite. Destruiu o meu dia.” Ela empurra o prato para cima dele e o larga sobre a mesa. “Mas eu não quero o seu prato”, ele diz. “Não gosto de ovos fritos. Detesto ovos fritos. Por que eu deveria comer o seu café da manhã?” “Porque eu não consigo mais comer”, ela grita. “Eu não consigo comer nada nesse ambiente. Coma o meu café da manhã. Coma e faça bom proveito, mas cale a boca e me deixe em paz.” Ele afasta o prato e afunda o rosto entre as mãos. Ela pega o prato e joga os ovos fritos no lixo, soluçando terrivelmente. Ela sobe para o quarto. As crianças, que foram acordadas por esse diálogo calamitoso e heroico, tentam entender por que esse bom dia criado pelo Senhor precisa ser essa calamidade.
1962_Mary maldisposta hoje cedo, mas então penso como é maravilhoso que o casamento possa comportar uma tamanha profusão de equívocos, tempestades, infidelidades, rios de lágrimas e mesmo assim seguir seu rumo, passageiros com alguns arranhões leves, mas nada grave.
1963_Ao fazer menção de deitar no leito matrimonial para uma rapidinha, sou rechaçado. Durante a hora seguinte, descarrego em alto e bom tom, com crueldade, todos os rancores que acumulei nos últimos três meses. Talvez haja alguma justificativa para isso, mas acordo sentindo tanta vergonha de mim mesmo que fico doente e repito aquele velho canto: valor, beleza, graça e força etc. Mary me conta que não conseguiu dormir; que ficou acordada, chorando, até as três da manhã. Tamanha crueldade será punida, mas ao mesmo tempo esses surtos alcoólicos parecem ter um efeito salutar. Uma das coisas insensíveis que eu disse foi que não gosto de ir com ela a lugar algum, portanto ela não virá almoçar comigo. Eu suplico, peço perdão, envolvo-a em meus braços e, depois de três doses de gim, saio para almoçar. Se pareço bêbado ou estúpido, não sei, nem quero saber. Entro no vestiário da piscina no exato momento em que um membro da jeunesse dorée abaixa o calção, e assim somos apresentados. Fico desconcertado e a minha tentação é pôr a culpa nele. Ele parece alheio à situação. Então vou comer meu almoço chique. Há uma mulher bonita no grupo. Em casa, me sento na varanda; estou bem cansado. Meu coração dói e pesa – álcool, tabaco, raiva ou tristeza – e o futuro, quando tento pensar nele, me escapa. Abraço meu filho mais novo e isso aplaca o sofrimento. Brincadeirinhas inocentes ao entardecer. Sento nos degraus de pedra, ainda aquecidos pelo sol, e fico à espera da estrela vespertina. Bebo um pouco de bourbon e vou para a cama dormir.
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Abro um Nabokov e fico encantado com o espectro de ambiguidades, com a maravilhosa atmosfera de inverdade; me interesso por seus métodos e simpatizo com eles, mas a sua imagística – a sombra de um mágico na cortina tremeluzente, todas aquelas violetas açucaradas – não é a minha. A casa em que fui criado tinha o seu charme, mas meu pai pendurava as cuecas num prego martelado atrás da porta do banheiro e, embora eu saiba um pouco sobre a Riviera, não sou um aristocrata russo burilado em Paris. O estilo da minha prosa será sempre, até certo ponto, trivial.
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A cachorra de Ben caga três montinhos no chão da biblioteca. Eu a castigo de manhã com uma revista enrolada. Uma hora depois, Ben pergunta: “Você reparou que Flora está com dificuldade para andar? Parece que ela sente muita dor quando levanta.” Concluo, então, que quebrei a espinha do amado bichinho de estimação do meu filho. Sou do tipo de homem que pensa duas vezes antes de esmagar uma mosca e quando piso numa formiga o faço com cuidado, para não lhe causar dor. Machucar um animal me afeta profundamente; machucar um animal que o meu filho ama é devastador. Mary parece aprovar o meu sofrimento. Vem me informar que meu filho está agonizando; que posso ter aleijado a cadela, pois os quadris dela são muito frágeis. Bebo um pouco de scotch, cato um pedaço de pão com queijo, saio de casa e caminho pelo mato. Estou convencido de que matei o cachorro do meu filho. Veja só, esse homem de 51 anos deitado no campo, mastigando um pedaço de pão, com os olhos cheios de lágrimas. Matei o cachorro do meu filho; matei a afeição do meu filho. Foi um acidente, mas isso não é nenhum consolo. Sigo pela trilha até a represa, e esse simples exercício renova o meu bom-senso. Pode ser que também faça o uísque descer da minha cabeça. Quando volto, a cadela está melhor e, quando a levamos ao veterinário, aparentemente não há nada de errado com ela. Uma boa parte da nossa vitalidade é gasta com alarmes falsos; e penso, talvez injustamente, que Mary conseguiu criar um clima de ansiedade mórbida, algo semelhante ao poder que o pai dela tinha de estender um sentimento de condenação e ruína sobre seus domínios. Será uma neurose ou, como pensei certa vez, uma força perceptível das trevas? O correio vespertino traz uma carta dizendo que compraram dois textos meus. Fico feliz da vida, mas quando conto as boas-novas a Mary ela pergunta, da forma mais mesquinha: “Eles se deram ao trabalho de incluir um cheque?” Para mim isso é sacanagem, pura sacanagem, e grito: “Que diabo você quer? Em três semanas eu ganho 5 mil, reviso um romance, limpo a casa, cozinho e cuido do jardim, e quando tudo dá certo você vem e me diz: ‘Eles se deram ao trabalho de incluir um cheque?’” Quando responde, a voz dela soa mais aguda do que nunca: “Parece que eu nunca consigo dizer a coisa certa, não é?” Ela desaparece pelo acesso da garagem. Não entendo essas viradas de maré, embora as estude há 25 anos. Tivemos três semanas de paixão, amor e bom humor transcendentes. Agora essa mesquinharia. Está além do meu controle – um telefonema ao acaso ou um sonho podem ser o estopim. E assim ela se afasta não apenas de mim, mas de todos nós.
1965_Minhas dificuldades persistem e não consigo achar de quem é a culpa. Sento numa cadeira embaixo de uma árvore. Chove. Uma chuva fraca. Posso ouvi-la caindo sobre as folhas, mas as folhas da árvore formam um abrigo. Acho – andei bebendo – que devo conversar com Mary, arriscar certa franqueza e quem sabe falar de amor. Talvez seja uma falta de tato, uma idiotice. De todo modo, acabo falando. “Você está apenas inventando uma dessas suas historinhas”, ela diz. Respondo que esse comentário é irrelevante e parece coisa de solteirona. Falo daquelas semanas logo depois da minha volta da Rússia, quando ouvi, pela primeira vez no meu casamento, uma declaração de amor verbal. Pergunto se ela não se lembra disso; se não era verdade. Ela responde: “Queria que você pudesse ter visto a sua cara ao me fazer essa pergunta.” Não consigo decidir que motivo ela teria para isso. Será que pensa que a desprezo a tal ponto que qualquer declaração de amor seria ridícula? Ou está me dizendo que sou feio? Ela nega. Mas como seria cruel uma mulher dizer ao amante que ele é feio. As crianças voltam do cinema e fico com elas no que me parece ser uma fragrância de sensatez. Ao voltar para a cama, penso que vou sufocar.
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Pela manhã, a familiar ansiedade. Temo ter dito e feito coisas irreversíveis; arruinado meu casamento e me condenado ao exílio. Sinto ao mesmo tempo ternura e excitação. Mas ao abrir a garrafa de gim no almoço, me ocorre que a única declaração de amor que recebi na vida foi revogada.
1966_Tenho 54 anos, mas ainda me considero jovem demais para ver meu mundo suturado, para ter pesadelos com autoestradas e pontes. E gostaria de discutir, de expor meus problemas homossexuais. Posso saltá-los ou driblá-los, mas gostaria de parar para examiná-los um pouco. E o que esperar disso? O homossexualismo aparenta ser um elemento importante no mundo problemático em que vivo, e minha intenção não é curar o mundo, e sim me curar, mas ainda assim tenho a sensação, talvez equivocada, de que uma parte das minhas ansiedades provém justamente daí. Pode não haver uma solução, mas talvez eu consiga estudar o problema de uma maneira menos tensa e leviana.
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Quero uma vida de impossível simplicidade. Quero transar na luz baça e suave do amanhecer ou dos dias de chuva. Quero que todos os homossexuais e outros tipos desconcertantes fiquem longe da minha vista. Não quero que ninguém sinta dor nem fome, nem pobreza, frio ou humilhação.
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Gostaria de abrir o jogo na questão do homossexualismo, e acho que consigo. Acho que consigo enxergar com clareza a história e a evolução da minha ansiedade. Havia o choque entre os meus instintos e os meus prazeres, a ambivalência espetacular da minha mãe e o medo do meu pai de ter gerado um maricas. A atmosfera era de ansiedade. Determinado a me tornar um homem, senti que tinha a obrigação de me sentir atraído por mulheres. Minha atração era natural e forte, mas às vezes entrava em curto-circuito por causa desse sentido de obrigação. O homossexualismo me parecia uma morte protelada. Se eu seguisse os meus instintos, acabaria sendo estrangulado por um marinheiro peludo num mictório público. Todo homem atraente, todo atendente de banco ou garoto de entrega estava apontado para a minha vida como uma pistola carregada. Para provar minha masculinidade, recorri a estratégias absurdas, como não parar os olhos no caderno feminino da edição matinal do Times. Mas acho que agora vejo tudo com clareza. O homossexualismo, da forma que eu vivo, não é um mal. O mal é a ansiedade, uma ansiedade que pode assumir todas as formas e cores de uma paixão sem esperança. Creio que não terei de provar isso na prática, e nesse ponto alguma incerteza me invade a mente. Mas me parece agora que, se eu desse em cima de L., não estaria abdicando da minha personalidade nem destruindo uma velha amizade.
1967_Até onde sei, as conversas que temos são assim. Eu: Bom-dia. Ela: Bom-dia (sem convicção). Eu: Posso comer o ovo que está no fogão? Ela: Você sabe que nunca como ovos. Tchau, eu digo após o café. (Silêncio.) Quer beber alguma coisa?, pergunto às cinco. Esse livro é bem interessante, digo. Deve ser, ela suspira. Puxo conversa no jantar, mas ela continua quieta. Essas são as palavras que trocamos durante um dia.
1967_No chão do quarto de Ben, encontro uma carta não enviada a L. Talvez ele tivesse a intenção de que eu a lesse e, depois de fazê-lo, fico torcendo para jamais mencioná-la a Ben. Ele está sozinho, diz. Está chorando. Está sozinho com Mamãe e Papai, as duas criaturas mais egoístas do universo. Papai queria que eu fosse para o Oeste dirigindo um carro velho, mas acabou comprando um carro novo que ele gostou, e que tem uma longa garantia. Papai se acha o máximo por ter me dado o carro, mas só o ganhei porque sei como guiá-lo. Ele me fez um longo discurso sobre responsabilidade, mas estava tão bêbado que já não se lembrava disso pela manhã. Eu disse a ele onde podia enfiar o carro.
1968_Fico pensando na falta de universalidade do nosso apetite sexual. A ama a esposa e mais ninguém. B ama rapazes novinhos, e na falta deles transa com homens que se fazem de rapazes. C gosta de todas as mulheres atraentes com idade entre 12 e 50, todas as raças incluídas. D gosta de si mesmo e bate punheta o tempo todo. Também gosta de homens que se parecem com ele o suficiente para que o orgasmo seja narcísico. E gosta tanto de homens quanto de mulheres, dependendo do ânimo, e não sei se ele é o mais trágico ou o mais natural do grupo. Nenhum deles compartilha, de forma detectável, os desejos dos demais. Compartilham hábitos, dietas, formas de se vestir, leis e governos, mas pelados e com tesão eles parecem ser homens de planetas diferentes.
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Dois drinques no trem, um drinque no Baltimore, um drinque no andar de cima, outro embaixo – cinco no total, além de uma garrafa de vinho no almoço e um brandy depois. Arrancamos nossas roupas e passamos juntos três ou quatro horas adoráveis, indo e voltando do sofá para o chão. Não chego a dar uma trepada propriamente dita, o que não espanta ninguém; sempre tive que contar com a sorte e as circunstâncias; então é enfiada de dedo, chupada, línguas se devorando, beijo na bunda, abraços de quebrar os ossos e declarações de amor ardorosas com meu pau em sua boca e minha língua em sua boceta. Ela é muito bonita. A silhueta é esguia, mas a bunda é cheia e os peitos são grandes. “Ah, me deixa levar o seu pau comigo”, ela diz. “Eu amo o seu pau. Não consigo nem pensar em você do outro lado do mundo sem gozar na calcinha. Nunca me senti desse jeito com ninguém.”
1972_Vinte anos atrás, depois de uma briga particularmente feroz, fiquei parado em pé na garagem, chorando por amor. Não temos garagem aqui, mas tirando isso a situação é a mesma. Não me divorcio porque tenho medo – medo da solidão, do alcoolismo e do suicídio. Esses cômodos, esses jardins e a companhia do meu filho me ajudam a permanecer vivo. Não posso discutir esses assuntos sem incitar um ataque venenoso à minha memória, ao meu intelecto, aos meus órgãos sexuais e à minha conta bancária. Tudo isso se justifica, eu acho, por eu ter trepado com as pessoas erradas, mas sob uma determinada luz – a luz do dia – parece que não tive muita escolha.
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Quero dormir. Digo isso com uma aparente serenidade. Estou cansado de me preocupar com prisão de ventre, homossexualismo, alcoolismo, e de ficar ruminando como deve ser um bar gay. Será que estão cheios de elfos perfumados, jovens andróginos, beldades ensimesmadas? Jamais saberei. Desejo mulheres e de vez em quando homens, mas não seria melhor explorar minha sexualidade em vez de me chicotear até sangrar? Nunca ficarei em paz comigo mesmo, é claro, mas alguns desses conflitos de fronteira me parecem dispensáveis.
1975_O dia está muito quente e bonito. Açafrões floridos. Mary sugere darmos um passeio juntos. Faz muito tempo que ela não propõe isso, coisa de dez anos. Meu filho querido e amado surge no meio do jantar para pedir dinheiro. Faz dois anos que ele não aparece em casa por outro motivo. Posso ouvir a mulher dele dizendo: “Vá lá e peça algum dinheiro a seu pai.” Eu o amei; quis que se casasse, amasse e fosse amado, como de fato aconteceu. Quis que tivesse um filho e saísse do meu domínio; mas agora tenho a impressão de que ele é dominado pela esposa. Gostaria que não vivesse me pedindo dinheiro. Gostaria de não saber que ele foi ordenado, instruído a me pedir dinheiro. Os filhos vão se afastando da gente.
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Ressurgi ontem da clínica de reabilitação de alcoolismo. Ir da embriaguez permanente à sobriedade total é um suplício. O presente instante, cada hora, é a soma do passado imutável com a necessidade de um futuro. Não sei onde começou, e talvez eu possa repassar esse ano dezoito vezes sem jamais compreendê-lo. Começou, acho, com o teatrinho na outra margem do rio e segue hoje com um breve cumprimento, suco de laranja e um pouco de café frio. A casa, abrigando agora duas pessoas, está silenciosa. Parece que o riso é a minha principal salvação. O riso e o trabalho. O papel exercido pelo álcool é inestimável. Parece que perdi alguns manuscritos. Declaro não me importar com nada exceto a possibilidade de que possam cair em mãos alheias. Não consigo encarar a vergonha de ter perdido a base por causa da bebida. Na manhã de hoje, pareço ter perdido 10 quilos e talvez uns 25 anos. Uma coisa é a moleza que eu costumava justificar pela idade. Comer. Beber dezessete xícaras de café preto. Como alego que isso é uma maneira de me comunicar, preciso dar provas. O que tenho? O brasão, a bebida – mas depois de um século tão negro quanto basalto bruto, ônix ou antracito.
Mudei drasticamente, mas nada mais parece ter mudado. Ao tentar dar um beijo de boa noite, a única área exposta que encontro é um cotovelo. Os cachorros nos acordam antes de o dia raiar, e quando pergunto se há algo que eu possa fazer, a resposta é desaforada. Nos últimos tempos, é raro ela gostar de dormir comigo. Sou o rei da montanha, mas ninguém parece saber disso.
Dia número 2. Continuo bastante tenso, mas acho que não tomarei Valium. A cena na qual estou pensando tratará da liberdade. Há três focos de ameaça. Um é a euforia de trabalhar no que julgo ser o máximo da minha capacidade; outro é a euforia do álcool, que faz com que me sinta nas estrelas; outro é a euforia da sobriedade plena, que faz com que me sinta senhor do tempo. Aquela ponte de linguagem, metáforas, anedotas e imaginação que construo toda manhã para atravessar as incongruências da minha vida dá mesmo a impressão de ser muito frágil.
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E assim temos o Retorno das Montanhas. Foram três semanas alegres, e uma fonte de alegria tem sido a convicção de que posso enxergar minhas limitações de outra altitude, e à luz de uma diferente hora do dia. “Oi”, grito. A resposta é vaga. Me inclino para um beijo. Ele não acontece. Se recebo qualquer resposta para uma pergunta, é na forma de um suspiro. As compras que fiz para a casa não servem, o milho é duvidoso, eu me importaria se ele fosse jogado fora? “Nem um pouco!”, exclamo, o que significa que ele será servido. É uma perversidade e uma loucura. Ela varre o chão, esvazia as lixeiras e passa as duas horas seguintes limpando a geladeira. Eu e Federico vamos nadar. “Ela não faz isso por maldade”, diz Fred. Não o abraço nem aperto a sua mão. Não sei o que lhe dizer. Vivi a mesma cena com o irmão dele, e agora o irmão dele me acha desprezível. Posso dizer a mim mesmo – e a mais ninguém – que o irmão dele não sabe de merda nenhuma; mas reconheço que ele é uma pessoa bela e misteriosa e que uma bronca criteriosa, ou mesmo um pouco de bom-senso, nesse caso, seriam uma crueldade. Me disseram para evitar crises emocionais e excessos de frio ou calor. Esse triunvirato acabará comigo. Meu coração está disparado devido a uma crise emocional. O sol está quente. A água está fria. O palco está armado para o meu assassinato, mas preciso entrar na piscina para lavar essa sujeira emocional, e então entro.
1977_Meus momentos de compreensão efetiva parecem limitados. Ocorrem aproximadamente entre as seis e as oito da manhã, e já são nove e meia. Por motivos de decoro, compreensão ou desonestidade, reformulo meu dilema à luz daqueles dias em que meu irmão foi embora para a Alemanha e eu fiquei chorando por ele no sofá. O sofá era de estilo vitoriano, em capitonê, construído para as visitas beberem o seu chá com as costas retas. Lembro nitidamente disso. Chorei por um amor que só poderia me trazer sofrimento, carência e negação; e chorei com vontade. E então eu choro de novo (não exatamente) e saio para jantar, procurando, na verdade, nada além de companhia e comida quente.
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Flutuando na melancolia, lembro da minha declaração de que a minha vida foi lindamente ensolarada até a adolescência. Mas existe uma fotografia minha, acho que tirada aos 7 anos, que refuta isso. O rosto é o de um menino cujo pai lamentava sua concepção e desejava que ele não estivesse vivo. Quando penso que fui privado do amor paterno e vivi com um pai que preferiria que eu estivesse morto, me pergunto se não venci esse jogo. É impossível chegar à verdade, mas mesmo quando passei dos 20 anos ele continuou batendo a porta na minha cara e trancando a fechadura. Lembro do ódio de meu pai por mim enquanto tateio as raízes de uma trepadeira destrutiva – a trepadeira, óbvio, é o meu amor desnorteante. Enganar-se no amor ou – como Capote – ter um amante que levará tudo de valor do seu apartamento é algo que se pode avaliar de cinquenta maneiras diferentes, mas a mim parece ser somente o caráter misterioso do amor. Ele sempre foi perigoso, sua outra face sempre foi a morte.
1978_A franqueza total não faz o meu gênero, mas chegarei o mais perto possível na descrição dessa cadeia de acontecimentos. Sozinho, e com a solidão exacerbada por viagens, quartos de motel, comida ruim, leituras para o público e a superficialidade de ficar em pé em filas de recepção, me apaixonei por M. em um quarto de motel extraordinariamente imundo. Seu ar de seriedade e responsabilidade, os óculos que usava para a miopia e seu jeito tranquilo fizeram despertar em mim o mais profundo amor, e na noite seguinte telefonei da Califórnia para lhe dizer o quanto ele havia significado para mim. Escrevemos cartas de amor durante três meses, e quando nos encontramos de novo arrancamos as roupas e entrelaçamos as línguas. Acabaríamos nos vendo mais duas vezes, umas delas para passar algumas horas juntos em um motel e outra para ficarmos nus por vinte minutos antes de um almoço de diretoria a que eu devia comparecer. Eu pensaria nele por um ano, de forma contínua e no mais doloroso estado de confusão. Acreditei que a minha homossexualidade tinha se revelado a mim e que eu deveria passar o resto da minha vida infeliz ao lado de um homem. Vi minha vida exposta como uma impostura sexual. Quando nos encontramos aqui, não faz muito tempo, corremos até o quarto mais próximo, abrimos a calça um do outro, agarramos nossos paus dentro da cueca e bebemos nossas salivas. Gozei duas vezes, uma na garganta dele, e acho que foi o melhor orgasmo que tive no último ano. Dormimos juntos por insistência dele, e houve um intenso prazer ao descobrirmos, acredito eu, que não era o destino de nenhum dos dois exaurir o papel que estávamos representando. Lembro a aguda falta de interesse com que contemplei sua nudez pela manhã, quando ele voltou do banheiro depois de mijar. Era apenas um homem com um pau pequeno, duas bolas e uma bunda pequena. A memória das cobranças de mulheres teve algum papel nisso. Não havia ansiedade da minha parte quanto a ele ter atingido ou não o clímax. Caguei com a porta aberta, ronquei e peidei com desenvoltura e bom humor, assim como ele. Era encantador estar livre da censura e da responsabilidade que experimentei com certas mulheres. Poderia trocar socos com ele se quisesse, enfiar meu pau em sua boca e reclamar do fedor de suas meias. Eu estava determinado a não permitir que esse amor fosse esmagado pelos preconceitos estúpidos da sociedade procriadora. Almoçando com amigos que conversavam lubricamente sobre suas carreiras tediosas, eu pensava: sou gay, sou gay, finalmente me livrei disso tudo. Não durou muito.
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Experimentei a força do passado em minha própria vida; o amor profundo do meu irmão. Ter dado as costas a isso, ter arranjado amantes com quem tive grandes prazeres, ter me casado e criado filhos esplêndidos não comprometeram em nada, ao que parece, o fato de que meu único verdadeiro amor foi o meu irmão. Que esse amor tenha sido estéril e perverso não diminui em nada a sua profundidade. É como o som do baixo contínuo de um órgão antiquado, e não importa em que verdes campos eu me aventure, parece que sempre me arrependerei de ter abandonado meu velho e querido irmão.
1980_Penso em como minha mulher passou quarenta anos cozinhando para mim. Tenho a impressão de que esse é um dos trabalhos mais imensos da história. Muitas vezes ela me serviu com amargura; muitas vezes se recusou a falar comigo ao me chamar à mesa; mas uma noite depois da outra, faltando apenas uma década para fechar meio século, ela trouxe comida à mesa.
1981_Escrevo voltando de duas semanas no hospital e me sinto como se tivesse voltado do túmulo. Dadas as oportunidades que tenho, supõe-se que eu poderia fazer pouco caso do fato de que o rim extraído era canceroso, mas infelizmente sou rabugento e comodista quando o assunto é a possibilidade da minha morte. Rezo para que passe. Na última noite que passei no hospital, dormi sem medicamentos. Acordei um pouco antes do amanhecer e fui à janela. O quarto tinha ar-condicionado e a janela era lacrada. Tinha caído um temporal e o parapeito estava molhado de água da chuva. Havia luz no céu e também havia luzes e alguns barcos iluminados ao longo da margem oeste. Quando voltei para a cama, parecia que as luzes eram luminárias mantidas acesas por uma mulher de compleição suave e bela. A julgar pelos cabelos escuros e volumosos, levemente presos com presilhas de casco de tartaruga, concluí que era da geração da minha mãe, embora estivesse bem claro que não era a minha mãe. Sempre me lembrarei da minha mãe entrando de roupa dentro do barril com o qual venceu as cataratas do Niágara. Me detive na doçura da mulher e suas luminárias, e rezei por um grau qualquer de continência sexual, embora a própria natureza da sexualidade seja a incontinência.
1982_Pela primeira vez em quarenta anos, fracassei em manter esse diário com alguma dedicação. Estou doente. Acho que essa é a minha única mensagem. Na manhã de hoje, preciso ligar para o corretor, encomendar artigos de escritório e mandar consertar o meu relógio. Vou me deitar agora.
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O médico traz notícias bem ruins, me abraço com Mary e choro.
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O que vou escrever agora é a última coisa que tenho a dizer, e o Êxodo, acho, é o que tenho em mente. No discurso do dia 27, direi que a literatura é a única consciência que possuímos, e que o seu papel de consciência deve nos informar da nossa incapacidade de compreender os perigos terríveis do poder nuclear. A literatura sempre foi a salvação dos condenados; a literatura, a literatura inspirou e orientou os apaixonados, derrotou o desespero, e talvez possa, nesse caso, salvar o mundo.
Tradução de Daniel Galera
[1] Leander Wapshot, personagem do primeiro romance de Cheever, A Crônica dos Wapshot.
[2] Seus dois primeiros filhos.
[3] Esposa de Cheever.
[4] Seu terceiro filho.
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