Escaldada com as polêmicas de Rafinha Bastos, Danilo Gentili e do próprio Comédia MTV , Dani Calabresa é cautelosa com o politicamente incorreto: "Eu não quero ser xingada. Hoje eu perco a piada para não ter dor de cabeça depois." FOTO: DIVULGAÇÃO
Gargalhada, teu nome é mulher
Dani Calabresa faz graça num meio masculino
Renato Terra | Edição 61, Outubro 2011
Vestida de cigana, Dani Calabresa cantarolava músicas dos Gipsy Kings enquanto esperava o início da gravação do Comédia MTV. O pequeno cenário, a sala de consulta de uma cartomante, tinha só uma mesa e duas cadeiras. Ela aguardava ensaiando passos de dança cigana com o maquiador. Pelo roteiro, devia surgir detrás da mesa e xingar um comediante de feio. A cena teve de ser regravada quatro vezes, duas delas porque Calabresa se escangalhava de rir.
De tanto abaixar e levantar, ela pediu a Talita Werneck, com quem contracenava: “Esse negócio de ficar sem malhar está me fazendo um mal danado. Fiquei agachada atrás dessa mesa e veja como minha bunda está tremendo. Coloca a mão para sentir.” Sem hesitar, Talita espalmou a mão na nádega direita de Dani, que a orientou: “Não, menina, desce um pouquinho.”
Dani Calabresa faz piadas sobre si mesma. Diz palavrões e atrocidades escatológicas com a tranquilidade de quem pede um copo d’água. O sotaque do interior paulista é outra característica, sobretudo o “r” puxado. Adota também um vocabulário próprio: bumbum às vezes é “toba” e seios são “tetas”. Uma mulher desalinhada pode ser definida como “cagada” e um sujeito bocó é “goiaba”. À maneira de comediantes que se apresentam de pé, nos Estados Unidos e aqui, ela escreve os próprios textos, interpreta-os e improvisa em torno deles ou não.
Mas o que a distingue é algo mais simples e natural: é mulher. “Homem tem tradição para falar merda, contar que foi no puteiro e tal”, disse ela. “Já viu mulher contar piada suja na mesa? Não. É o pai, é o tio bêbado, é o irmão. Menina não pode se comportar assim. Tem que ser bonita, educada, delicada. Isso é uma besteira. Acho que não tem tanta comediante porque mulher é mais vaidosa. Eu sou muito moleque. Não tenho problema em fazer uma cena em que sou uma mendiga, uma velha ou, sei lá, estou cagada na calçada.”
Suas imitações de Luciana Gimenez, Hebe Camargo e Sonia Abrão chamaram atenção, ainda que sejam diferentes do humor ácido e pateta com que satiriza a imprensa no Furo MTV. Para as esquetes do Comédia, costuma vestir uma peruca branca e interpreta uma velhota desbocada, ou então brincos enormes de argola para virar uma patricinha.
Dani recebe bem comparações com a desbocada Dercy Gonçalves e com o paulistanismo de Nair Bello. “Acho que tenho um lado parecido com a Nair Bello porque ela tinha muito ataque de riso”, disse. “Mas eu me sinto uma gata perto da Dercy. Ainda bem que casei, porque senão ninguém ia querer me pegar.” Entre as comediantes da atualidade, costuma citar com admiração Marisa Orth, Cláudia Jimenez e Shelley Long, do seriado americano Cheers.
O stand-up comedy demorou a emplacar no Brasil, apesar das incursões de Jô Soares, Chico Anysio e José Vasconcelos. Seu formato clássico exige que o comediante suba ao palco com um microfone e faça observações sobre o cotidiano. Não pode haver cenários, figurinos, efeitos de luz ou de som. Cada um deve escrever o próprio texto.
“É um combo: você contratou um comediante, mas ele traz o texto”, explicou Dani. Rafinha Bastos, Fernando Caruso e Danilo Gentili tiveram suas apresentações registradas e propagadas no YouTube, no início dos anos 2000. Por meio da internet, formaram um público que passou a acompanhá-los nas apresentações ao vivo. “A gente lotava teatro antes de ir para o CQC graças ao YouTube”, disse Gentili. “Hoje as pessoas têm tevê a cabo e veem stand-up do Chris Rock e séries americanas. Por que assistir a Zorra Total se posso ver Two anda Half Man? O público que procurou o show queria stand-up no Brasil.”
Em 2006, Dani participou da peça Banheiro Feminino, na qual fazia uma funcionária que interagia com as personagens que entravam e saíam de cena. Pela atuação, foi convidada a participar da competição que escolheria a integrante do Deboshow. “Cheguei ao bar onde o grupo se apresentava e só vi homem”, contou. “Fui ganhando as etapas e criando novas personagens. Quando vi, já tinha cinco.”
Daniella Giusti, como era conhecida, venceu o concurso e passou a integrar o elenco da trupe. Entre outras personagens, criou uma empregada doméstica, uma corintiana “meio sapatão”, uma bêbada que trabalhava no Centro de Valorização da Vida, uma zeladora e uma imitação da bispa Sônia. Não era fácil. Em alguns dias, havia apenas seu pai e a mãe na plateia, e ela voltava para casa com 50 reais.
Foi levada ao stand-up por Gentili, Fabio Rabin e Márcio Ribeiro. Mas suas primeiras apresentações não foram boas. “Eu batia um papo engraçado com a plateia e jogava uns pensamentos malucos, mas não sabia se seria capaz de escrever.” Havia também a apreensão por ser mulher num universo masculino: “Eu assistia ao Clube da Comédia e só tinha uma mulher no grupo, a Marcela Leal. Quando chegava a vez dela, começava um burburinho. Ela ia bem, mas eu sentia que o público não queria gostar de mulher.”
Fabio Rabin, Márcio Ribeiro e Danilo Gentili criaram o grupo Comédia ao Vivo, em 2006, e se apresentaram durante anos no bar Ao Vivo, em São Paulo. Numa noite, Dani Calabresa foi abordada de forma grosseira ao descer do palco: o sujeito queria levá-la para a cama a poder de barbaridades e intimidação. Gentili exigiu-lhe desculpas e levou um soco no rosto. “Joguei uma cadeira em cima do cara, ele abaixou, e ela bateu na cabeça do garçom”, lembrou a humorista. “E aí começou uma puta briga dentro do bar.”
Em seus textos, Dani toca nas expectativas do público em relação a mulheres que ganham a vida fazendo comédia: “Oi, gente, boa-noite. Sei que quando vem uma mulher se apresentar todo mundo pensa: ‘Ah, vai ser sem graça, desgraçada.’ Quando a mulher sobe no palco, fica todo mundo com aquela cara de que foi no puteiro para ver striptease e o garçom tira a roupa. Mulher comediante tem a mesma credibilidade que homem manicure. Imagina que desespero vindo um marmanjo na sua direção com um alicate, dizendo ‘Opa, desculpa querida, eu ranquei uma pelezinha, né?’” Ela sabe, porém, que agrada mais aos homens. “Tem muita amiga minha que eu nem convido para vir assistir ao stand-up.”
A MTV começou a pesquisar, em 2008, um espetáculo humorístico que enchia teatros cariocas e paulistas: os jogos de improvisação. Dani Calabresa foi convidada a testar seus dotes. Em poucos instantes, a luz vermelha da câmera acendeu e a produtora deu a ordem: “Apresente-se de forma polêmica!” E ela disse no talo: “Meu nome é Dani Calabresa e eu chupo de olho aberto.” Ao responder a outros estímulos no mesmo tom, foi contratada.
Estreou no Quinta Categoria, que adaptava o formato de programas de tevê que fora do Brasil iam bem – caso de Whose Line Is It Anyway –, baseados em improvisação. Em um auditório cheio de adolescentes, com um cenário propositalmente capenga, foi convocada a inventar uma história sob a seguinte condição: a qualquer momento, alguém gritaria “mentira”, e ela teria que alterar a última palavra. O tema foi sugerido por uma pessoa da plateia: o sabonete caiu no vestiário. Insegura, ela começou: “Bom, entrei para tomar banho no vestiário, encontrei uma menina. Perguntei: ‘Você tem xampu?’” “Mentira!” “Você tem sabonete?” “Mentira!” “Você tem piroca? Senão, não vou entrar com você no chuveiro.” O público riu e Dani ganhou confiança: “A gente entrou e eu liguei o chuveiro quente.” “Mentira!” “Liguei o vibrador para nós duas porque achei legal.”
Em dois meses, a diretora de programação e produção na época, Cris Lobo, quis testá-la num programa que satirizava notícias diárias, baseado em um quadro do Saturday Night Live. “A Dani é muito verbal, expressiva no rosto, uma pessoa bem informada, que tinha referências”, explicou ela. Para acompanhá-la na bancada do jornal, a diretora chamou o ator Bento Ribeiro, filho do escritor João Ubaldo Ribeiro. O primeiro piloto deu certo. “Eles são complementares”, explicou Cris Lobo. “O Bento é quase nonsense e deixa espaços, e ela complementa.”
Bento Ribeiro e Dani gravam o Furo MTV de segunda a quinta e o Comédia MTV às quartas, quintas e sextas. Almoçam juntos quase todos os dias e, nas horas vagas, se encontram para jogar videogame. “Tudo que eu gosto o Bento odeia”, disse ela, sentada com o companheiro numa padaria perto da MTV. “Ele nunca tinha ido para a Disney. Eu insisti tanto, no ano passado, para a gente passar o Natal juntos. E você gostou, não é?”, perguntou Dani. Bento responde com um “é” desanimado.
O Furo MTV tem dois roteiristas que chegam pela manhã, leem os jornais, sugerem o que deve entrar no programa e criam piadas. Dani e Bento se reúnem com eles no início da tarde, olham o roteiro, sugerem alterações e tomam as decisões finais. O programa é gravado com três câmeras, no canto de um pequeno estúdio. Antes de iniciar a gravação, ambos checaram os laptops que ficam em cima da bancada e abastecem seus Twitters. Dani pediu, educadamente, para diminuir o ar-condicionado. Recebeu na hora a solidariedade de Bento: “Está mesmo um frio desgraçado. Meus mamilos estão ficando duros.” Ela comentou: “Ainda bem que são os mamilos que estão duros, senão eu pulava fora.”
Entram no ar notícias em evidência naquela quadra. Devido ao enriquecimento, Antonio Palocci recebeu a alcunha de “ministro da Mansão Civil”. A vitória do Santos na final do Campeonato Paulista virou: “Santos se consagra bi, tal qual Ana Carolina.” Houve uma provocação: “Novo método para detectar o câncer de próstata promete acabar com a alegria das bichas ao redor do mundo. Em vez de um dedo enfiado no seu toba, ele será feito a partir de um exame de sangue.” A estrela do dia foi Ed Motta: “Gordo horrível chama povo brasileiro de feio.”
Dias depois, Bento me enviou uma mensagem de texto pelo celular: “Não sei se ficou claro, mas tenho a Calabresa como minha irmã mais velha. Fui até padrinho do casamento dela. Por ter essa relação é que acho que o programa dá certo.”
O Furo MTV tem dois patrocinadores fixos e foi o programa da MTV que mais arrecadou em merchandising no ano passado.
Marcelo Adnet e Dani tiveram um coup de foudre assim que se conheceram, há quatro anos. “Eu juro que, quando a gente se encontrou, a gente se apaixonou”, ela disse. “Não nos soltamos mais, começamos a conversar, conversar, conversar.” Dois meses depois, Adnet foi contratado para fazer 15 Minutos, na MTV, ao mesmo tempo que Calabresa realizava os testes para o Quinta Categoria. Ambos foram aprovados. Em fevereiro de 2008, começaram a namorar. Casaram-se em maio do ano passado.
Daniella Maria Giusti Barra sempre morou em Santo André. No casamento, em uma cerimônia formal na igreja, adotou o nome Daniella Maria Giusti Adnet e se mudou com o marido para Higienópolis, em São Paulo, um apartamento alugado com a ajuda da MTV.
Seu pai, hoje aposentado, era engenheiro, e sua mãe, Marlene, sempre foi dona de casa. Na infância, gostava de imitar os membros da família. A irmã Stella, cinco anos mais velha, protagonizava uma montagem de A Branca de Neve e arrastou-a para o teatro. Dani estreou na ribalta com 5 anos de idade, no papel de Dunga. Gostou. Mas era diferente. “Todas as meninas queriam ser as boazinhas, as princesinhas, e eu já queria fazer um menino, uma véia”, lembrou.
Na adolescência, não era de arrancar risos dos colegas. “Eu era goiaba mesmo”, contou. “Era magra, sem peito, com um nariz enorme, e muito tímida.” Mas começou a viajar, participar de festivais e ganhar prêmios. “Fiz Shakespeare, Nelson Rubens, desculpe, Nelson Rodrigues, mas sempre preferi papel cômico.”
Em 2004, foi trabalhar como GO do Hotel Club Med em Itaparica. A sigla quer dizer Gentil Organisateur. Na prática, organizava jogos, ginástica e atividades para entreter os hóspedes. Gostou dos meios que o hotel oferecia para os GOs montarem shows e peças de teatro. Conseguia cenários e figurinos, mas, durante o dia, cuidava de crianças: “Eu falava bola rrroxa, verrde e as crianças diziam que eu tinha sotaque italiano. Então, começaram a me chamar de tia Calabresa e o apelido pegou.”
A saída do Club Med foi importante. Fascinada pelos parques da Disney, quis trabalhar em um deles e, quem sabe, seguir carreira de desenhista nos Estados Unidos. Fez a entrevista por telefone e foi aprovada. Já com a vida apontada para a magia de Orlando, teve de desfazer as malas quando seu visto foi negado. Aí se empenhou na carreira de atriz.
Ingressou na Faculdade de Belas Artes, em São Paulo. Achou que o curso de publicidade era o que mais se aproximava de suas aspirações artísticas. No campus, era abordada por estranhos que pediam que imitasse determinado professor ou aluno.
Nessa época, aos 18 anos, resolveu passar em um shopping perto de sua casa para procurar emprego. “Não havia pressão dos meus pais”, esclareceu. “Mas eles pagavam tudo para mim: faculdade, cursinho, meu lazer. Tive vontade de correr atrás do meu próprio dinheiro.” Viu um anúncio de uma vaga na C&A, fez uma entrevista e foi contratada. Por seu jeito comunicativo, ia muito bem vendendo cartões C&A e batia todas as metas. O trabalho seguinte, como vendedora de seguros, lhe causava remorsos: “Eu vendia muito bem, mas ficava com pena das pessoas. Assim que fechava a venda, ensinava o cliente a cancelar.” Largou o emprego em troca de um estágio numa agência de publicidade. Mas não se adaptou à rotina corporativa.
Foi dubladora e narrou historinhas para crianças cegas em discos infantis. Numa delas, interpretou a mãe de um jovem paralítico cujo maior desejo era jogar futebol. No teatro, participou dos musicais Romeu e Julieta e Cantarolando, destinados ao público infantil. Seu primeiro emprego na televisão foi no Canal Rural. Em uma fazenda, deveria segurar a haste que sustentava o microfone, mas um ganso roçou sua perna. Medrosa, deixou o equipamento cair no chão e foi dispensada no mesmo dia.
Em 2006, suas personagens no Deboshow chamaram a atenção do SBT, que a convidou para um teste no Sem Controle. Estreou então na tevê aberta cercada de clichês, bordões e biquínis cavados por todos os lados. “Eu estava lá tentando fazer comédia e entrava alguém de sutiã, mostrava a bunda”, disse. Certa vez, depois de interpretar uma cafetina, foi receber uns amigos na portaria de seu prédio, em Santo André, e ouviu do zelador: “Parabéns, você estava linda ontem no puteiro.”
Continuou fazendo stand-up no bar Ao Vivo, gravava o Sem Controle às quartas e levava personagens para esquetes de humor na peça A TV que Você Não Vê. Para divulgar seus trabalhos, conseguiu uma entrevista no programa Pânico, na rádio Jovem Pan. No ar, insinuou um romance com um dos apresentadores. “É só me dar um copo de vodca que meu mamilo pula para fora”, declarou, para delírio da bancada do programa.
A entrevista repercutiu. Um produtor do Programa do Ratinho a convidou para um teste. Na hora de ir embora, o apresentador a chamou para participar do elenco fixo. Parecia que, com dois programas de televisão, e dois dias por semana no teatro, a carreira engrenara. Em dezembro de 2007, contudo, Silvio Santos extinguiu cinco programas de uma só vez. Entre eles, Sem Controle e o Programa do Ratinho.
Foi parar no Pânico na TV. Em uma praia carioca, Dani levava nas mãos os adesivos Dô e Não dô. Comentários sobre celulites, estrias e atributos físicos eram ilustrados com nádegas e sungas em close. Numa das cenas, ela se jogou no colo de um homem numa cadeira de praia antes de colar Dô no mamilo. Também entrou no quadro “Tropa de Celulite”, no qual abordava, aos berros, pessoas que consumiam comida gordurosa na rua. “Eu não gostei, fiquei triste ali”, lembrou. “O Pânico queria que eu fizesse alguma coisa bem polêmica na rua. Era complicado. Queria atuar, escrever. Aí surgiu o convite para a MTV.”
Vestida com saia próxima ao joelho, camisa, meia-calça e casaquinho pretos, Dani estava coberta do decote aos pés para sua apresentação de stand-up. A única cor vinha da estampa da camisa, que trazia o vermelho, azule branco da Mulher Maravilha. Batia ponto no teatro do luxuoso Hotel Renaissance, nos Jardins, com o Comédia ao Vivo. Foi recebida no palco por assobios masculinos e brincou: “Olha, estão servindo bebida.” Por cerca de vinte minutos, desfilou seus textos conhecidos, com poucas alterações. Repetiu trechos profissionalmente. O público, que pagou 50 reais a cadeira e lotava os 460 lugares, gargalhou durante toda a apresentação.
No camarim, Dani contou que anda com um caderninho para anotar piadas que lhe ocorrem: “Não que eu tenha TOC nem nada. Mas, às vezes, eu estava dormindo e tinha uma ideia. Alguma coisa que achava engraçado, vamos supor, uma pessoa que tem bafo e não aceita bala. Comecei a anotar, bem rabiscado.” Uma hora depois, chegou Marcelo Adnet, que entrou para o Comédia ao Vivo em 2008.
O casal tem uma rotina corrida de gravações, comerciais e shows. Em casa, mais incentivam do que criticam um ao outro. Alguns esquetes nascem de brincadeiras particulares. “A Dani imitando a Susana Vieira é uma coisa incrível”, contou seu marido. “Só eu, por enquanto, vi em casa. Vou fazer forças para que seja a próxima imitação dela.”
Gostam de ver juntos, no DVD, filmes bizarros. De cabeça citaram Trovão Tropical (comédia de Ben Stiller), Demônio (descrito no trailer como “o novo pesadelo saído da cabeça de M. Night Shyamalan”), Scott Pilgrim Contra o Mundo (no qual o ator Michael Cera luta, como num videogame, contra sete ex-namorados da amada) e Splice (terror com uma experiência genética malsucedida). “Tem filme bom, tem filme legal, mas o principal é dar risada”, explicou Dani.
Por causa dela, Adnet passou a ouvir, no carro, a caminho do trabalho, músicas do seriado Glee e conheceu as séries Sex and the City, Cheers e Uma Família da Pesada. Descobriu o encantado mundo da Disney, a ponto de visitarem juntos, e mais de uma vez, o parque em Orlando. Em contrapartida, Adnet levou Dani a um passeio na Bósnia. Ele se orgulha de tê-la ensinado a falar “bom-dia”, “boa-tarde” e “boa-noite” em servo-croata. “Mas se você me pedir para falar agora, vou dizer que esqueci”, antecipou-se Dani.
O carioca Marcelo França Adnet é filho de um músico e uma figurinista. Desde criança, tinha interesse por bizarrices. Aos 7 anos, adorava ver o horário eleitoral gratuito. “Tenho até hoje guardados os desenhos que fiz do Lula, do Collor e do Covas. O Collor era o meu vilão.”
O seu pai, Chico Adnet, teve uma produtora especializada em trilhas sonoras e trabalhava em casa compondo jingles. “Essa linguagem publicitária tem mais a ver com as improvisações que faço”, disse o filho. “Esse contato com meu pai me inspirou muito para fazer música rápido e para ter ouvido musical.”
Estudou no tradicional Colégio Santo Agostinho e sentia dificuldade de se encaixar nos costumes dos filhos da elite carioca. “Eu sempre morei no Humaitá, e o pessoal do colégio achava longe demais. Uma coisa meio absurda.” Fez poucos amigos: preferia estudar russo e astronomia em casa, e fazer caminhadas pela Floresta da Tijuca. “Um dia, decidi sair para a boate Wells Fargo”, contou. “Era obrigatório ir de sapato e camisa social para entrar. Botei a melhor roupa que eu tinha, mas algum item não bateu e eu fui barrado. Aquilo foi meio humilhante e eu nunca mais me interessei por esse mundo de boate, glamour, moda.”
A vida mudou ao entrar na faculdade de jornalismo, na Pontifícia Universidade Católica. “Foi uma virada: passei a socializar, construir coisas juntos, mais do que viver sozinho com as minhas manias.” Dançava forró, frequentava chopadas e jogava futebol com afinco. Foi convidado pelo colega de curso Fernando Caruso para integrar o espetáculo Z.É., Zenas Emprovisadas.
Em 2007, atuou no filme Podecrer! e foi ao programa Rockgol, da MTV, para divulgá-lo. Na bancada, além de defender o Botafogo, fez imitações de Silvio Santos e Cid Moreira. A direção da emissora gostou de sua participação. “Fiz um teste na MTV, fui aprovado e logo comecei o 15 Minutos, que foi uma criação minha e da Lilian Amarante.”
Com o 15 Minutos, Adnet estourou nacionalmente e ganhou espaço na emissora. Na programação de verão, ganhou o programa Furfles on the Beach e começou a montar esquetes. Foi o programa que mais deu audiência e Adnet ganhou um espaço fixo na grade da emissora no e, mais recentemente, no Adnet ao Vivo.
Antes do casamento, Adnet ficou um ano hospedado no quarto de Dani, na casa dos pais, em Santo André. “Isso eu e Marcelo temos em comum: somos muito família”, disse ela. “A gente troca uma noite de balada para ir ao casamento de um tio.” Só passaram a morar juntos depois do casamento.
Outra característica em comum, disseram, é o receio da fama. “As revistas de fofoca queriam vender fotos do nosso casamento, mas eu não queria de jeito nenhum”, disse ela. “Fiquei aliviada quando soube que o Marcelo também não queria.” Mesmo assim, a cerimônia foi invadida por fãs e um fotógrafo tirou fotos e as vendeu para todas as agências na manhã seguinte. “O dia do casamento foi o mais feliz da minha vida”, afirmou. “No dia seguinte, quando vi as fotos na internet, eu chorei muito.”
Chorou de novo, em novembro de 2010, quando invadiram seu aniversário de 29 anos. Repórteres descobriram o local da festa e se aglutinaram na porta. Ela ouviu grosserias quando disse que não gostaria de falar com a imprensa. “Você não pode bater na porta da minha casa e pedir para fazer uma pergunta. E as pessoas não entendem. Há fãs que não entendem. Eu gosto de ter trabalho, mas não gosto de ser famosa. As pessoas querem falar comigo no hospital, no velório de um parente, na missa de sétimo dia da minha avó, querem que conte piada na igreja. Quero trabalhar na tevê e fazer as pessoas rirem. Se você gosta de mim, liga a tevê. Mas não 24 horas por dia.”
Dani tem medo de cachorro, de andar de bicicleta, de estourar bexiga e de dirigir. Não faz baliza em hipótese alguma. A voracidade dos fãs e da imprensa a assusta. Pede para o marido atender o celular quando não reconhece o número e pensa várias vezes antes de dar entrevista. “A gente abre o coração, é superlegal e, às vezes, aproveitam alguma frase em que você foi sincero demais e a coisa vai para um lado negativo.” Certa vez, ela teve hepatite, perdeu peso e foi internada num hospital. “Eu estava amarela como um Simpson”, lembrou. Quando se encaminhava, de cadeira de rodas, soro e pijama, para fazer um exame, surgiu uma fã clamando por uma foto. Ela não teve forças para negar.
O assédio mudou a rotina de ambos. O passeio para fazer compras – que causava tumultos, inclusive desmaios – agora é evitado. Com a proliferação da internet e dos celulares que filmam, têm a sensação de que estão sendo vigiados.
“Recebemos propostas do tipo: vai para um resort com tudo pago, leva três roupas diferentes para fazer uma foto de dia, outra no fim da tarde e outra de noite. No final, ganha uma cafeteira”, diz Adnet.
A atitude de alguns homens em relação a Dani também incomoda Adnet, que já teve de sair no meio de uma gravação para bater boca com os taxistas que fazem ponto em frente à MTV. “Quando a Dani fala que ser mulher comediante é difícil, tem uma coisa que vai além: ser mulher no Brasil é difícil. Talvez na Arábia Saudita seja mais difícil. Em Uganda, mais difícil ainda”, disse. “O homem pode ser feio porque é engraçado, ou porque é talentoso. Mas há na sociedade a expectativa de que a mulher tenha pernão, rabão e peitão. Não se respeita muito a mulher que é feinha, baixinha, esquisita. Existe uma coisa machista que a gente sente na rua.”
Fora de casa, Calabresa e Adnet se encontram toda semana no Comédia MTV. Fazem parte do elenco de comediantes que se destacaram no improviso: Paulinho Serra, Talita Werneck, Rodrigo Capella, Rafael Queiroga, Bento Ribeiro, Fabio Rabin e Guilherme Santana. Pelo anarquismo e criatividade, costumam ser comparados com o extinto TV Pirata, da Globo. Um dos quadros de maior sucesso foi uma paródia, “Gaiola das Cabeçudas”, criado a partir do funk Gaiola das Popozudas, com a diferença de que a música passa a ter referências eruditas: “Qual a diferença entre o Lutero e o Kant? / Um é iluminista e o outro protestante.”
Dani faz o quadro “A desgraça é sua”, imitando Sonia Abrão, e o “Supertrash”, paródia do Superpop de Luciana Gimenez. Com Talita Werneck, interpreta uma dupla de patricinhas paulistas e, ao lado de Fabio Rabin, um casal de velhinhos próximos da comédia-pastelão. Recentemente, criou a personagem Maitê, uma aluna riponga que “não faz depilação / e não bota Modess quando vem menstruação”, conforme o jingle que abre o quadro.
Em março, o quadro “Casa dos Autistas” provocou o primeiro grande revés do programa. A sátira, que fazia trocadilho com a Casa dos Artistas, trazia os atores olhando catatonicamente para as paredes, emitindo grunhidos angustiados e esmurrando um piano. A reação foi rápida e incisiva. Entidades ligadas ao autismo condenaram o quadro e reuniram mais de 6 mil assinaturas num manifesto on-line. A Folha de S.Paulo trouxe a reportagem “ causa revolta ao satirizar autismo”. O deputado federal Paulo Pimenta, do PT gaúcho, fez um pedido de investigação ao Ministério Público Federal. O Domingo Espetacular, da Record, visitou uma casa que atende crianças autistas e contrapôs sua reportagem às imagens do Comédia MTV.
A diretoria da MTV retirou o quadro da reprise programada. Mas não adiantou. Zico Góes, o atual diretor de programação, disse que o vídeo ganhou mais repercussão no YouTube do que na televisão propriamente dita.
A ideia do quadro partiu de Rafael Queiroga, mas quem levou as críticas foi Marcelo Adnet. “Fiquei arrasado, perdi 4 quilos”, disse. “Recebemos ameaça de morte, de bater na gente. Pessoas desejando que nosso filho nascesse autista. Sempre fui contra a cena. Eu e a Dani fomos contrários no ano passado, e a cena foi barrada. Em 2011, decidi dar um passo atrás. E deu essa grande confusão, que eu entendo a razão. A piada é agressiva. É sem graça. Você critica alguém que não escolheu ser autista. Sofri um ataque enorme porque as pessoas não tiveram o cuidado de dividir a responsabilidade entre os atores e de ver os créditos. E ver que não sou nem diretor, nem roteirista, nem supervisor. Isso me incomoda tanto quanto segurar cafeteira em resort.”
No programa seguinte, a MTV se desculpou e passou a inserir chamadas sobre o autismo em sua programação.
Recentemente, Rafinha Bastos passou a ser investigado por apologia ao crime e foi intimado a prestar depoimento devido a uma piada sobre estupro. Ao comentar a gravidez de Wanessa Camargo, soltou: “Comeria ela e o bebê.” Pelo comentário, segundo a Folha de S.Paulo, o apresentador foi suspenso do CQC. Danilo Gentili também foi criticado ao escrever em seu Twitter: “Entendo os velhos de Higienópolis temerem o metrô. A última vez que eles chegaram perto de um vagão foram parar em Auschwitz.” Depois, pediu desculpas à comunidade judaica.
Tanto Adnet quanto Dani tomam cautela com o politicamente incorreto. Muitas vezes, deixam em casa piadas sobre religião, racismo e outros temas. “O Brasil permite piada com gay, torta na cara ou o atrapalhado que cai”, disse ele. “Mas é um país onde certas coisas não podem. A gente não está preparado para a liberdade do humor.” Dani complementou: “Quando me dão um roteiro no Furo MTV que acho pesado, posso chegar para eles e falar ‘Não dá, eu não posso falar isso’. O público não sabe quem são os roteiristas. As pessoas vão me xingar.”
Perfeccionista, Dani tem preocupação com a imagem pública. Além do receio de dar entrevistas e costuma checar o Twitter para saber o que as pessoas falam dela. Não tinha uma conta no site até descobrir que um perfil falso com seu nome tinha mais de 100 mil seguidores. “Comediante quer ser amado”, disse. “Eu não quero ser xingada, não quero que as pessoas me interpretem mal. Quero que vejam meu programa, ou venham ao show, e voltem para casa felizes. Para mim, piada é piada. Fico muito chateada com esse julgamento da internet. Todo mundo xinga, é muito radical, agressivo. Hoje eu perco a piada para não ter dor de cabeça.”
Ela apareceu há pouco no cinema em Onde Está a Felicidade?, dirigido por Carlos Alberto Riccelli, e em Cilada.com, de Bruno Mazzeo. A ideia, neste último, ela disse, “era ser meio Luciana Gimenez, meio Sonia Abrão”. No início do próximo ano, junto com Adnet, Gregório Duvivier e outros humoristas de sua geração, começa a filmar A Esperança é a Última que Morre, dirigido por Calvito Leal. Disse ter vontade de, mais para a frente, juntar o pessoal do Comédia MTV para fazer o roteiro de um filme ou de um seriado.
Está ciente, no entanto, de que no momento está associada à MTV. “Dá para levar o personagem que quiser ao Comédia, peço para o diretor, sento do lado do roteirista ou então levo o meu roteiro”, disse. “A pior coisa é você receber um roteiro e não poder mudar uma palavra. Essa liberdade da MTV é o nosso pagamento. Por isso que está todo mundo lá muito feliz.” Após uma pequena pausa, continuou: “O Adnet entrou em 2008, estourou com o 15 Minutos. Todo mundo fez proposta. Não tem como sair. A gente está tão feliz aqui. E é difícil saber a hora de sair. Mas vai ter um momento que isso vai acontecer. Você pensa: quando que a Globo vai me convidar de novo? Mas não quero nem imaginar.” O contrato dela vai até o fim do ano.