ILUSTRAÇÃO: ANGELI
Volta, Rê Bordosa, vem viver outra vez ao meu lado
A doida não vinha com nenhum discursinho iconoclasta, tedioso e previsível, nenhuma palavra de ordem; era vexame em estado puro, libido destrambelhada, narcofissura, “falta de noção”
Reinaldo Moraes | Edição 68, Maio 2012
Fiz 30 anos em janeiro de 1980. Não digo isso aqui para estimular cumprimentos por parte dos amigos e parentes que se esqueceram de me parabenizar na ocasião. É mais para dizer que na década de 80 do século passado eu já era adulto pleno, assim como a Rê Bordosa, que veio ao mundo em 84, sob a forma de tiras assinadas pelo Angeli na Folha de S.Paulo, já bem grandinha, ela também, sempre de óculos escuros redondos, sempre tentando se recuperar das porra-louquices da noite anterior dentro de uma relaxante banheira. O Angeli nunca cometeu a indelicadeza de nos contar a idade da Rê Bordosa, mas acho que ela não devia ter muito menos, nem muito mais que 25. Claro que à noite, no auge da esbórnia, e dependendo da iluminação ambiente, ela parecia ter menos. No dia seguinte, bem mais. A desgraciata da rebordosa não perdoa ninguém, nem as modelos mais tops, nem os mais sedutores vampiros teenagers do cinema, nem os mais velozes pilotos de F-1, nem eu e nem você, sóbrio ou desbragado leitor.
Eu e a Rê Bordosa – e digo isso com a intimidade de leitor fiel, diário, da legendária heroína punk dos anos 80 –, apesar de bem crescidos, eu bem mais que ela, não perdíamos chance de nos comportar feito dois panacas infantiloides, frívolos e peraltas como o Tertuliano do soneto do Arthur Azevedo, cultivando em álcool e drogas um caráter primorosamente voluntarioso, irresponsável, amalucado e, sempre que possível, mal-educado, grosseiro, escatológico e nojentão. Bem mais ela do que eu, no caso. Vivíamos em tempo integral atrás de sexo, eu de qualquer rabo de saia e o que mais houvesse dentro da saia, ela encarando todas as formas de sexualidade que a moderna antropologia urbana já catalogou, e outras tantas incatalogáveis.
E quando não estávamos levando a libido para passear sem coleira, nosso alvo eram os mercadores de substâncias psicoativas ilícitas, também conhecidos pela alcunha de traficantes – de pó, fumo e algum ácido, no meu caso. Gozado é que a Rê Bordosa, apesar de viver mencionando ter caído de boca nos bagulhos na noite anterior, quase nunca era vista nos quadrinhos cafungando, queimando um beque ou tomando pico. No livro Toda Rê Bordosa (que a Companhia das Letras lança no final do mês), uma das tiras mostra a heroína gonzo do Angeli numa festa, apresentada a um espelho com várias carreirinhas esticadas. Ela começa dizendo que não é muito chegada, mas no quadrinho seguinte, fuka fuka fuka (adoro onomatopeias de quadrinhos!), aspira todas feito um tamanduá surtado. Conheço esse número, que performatizei tantas vezes: “Tô fora, gente, valeu. Ok, só uminha, vai, para matar a saudade…” E vapt-vupt! Em outra tira, ela entra no banheiro com uns caras para cheirar, abaixa a calcinha e senta na privada prum xixizinho. Um dos caras pergunta se ela não tem vergonha de fazer isso na frente de homens. A sem-vergonha diz que sente vergonha, mas acha mais gostoso assim. E, de olho nas carreirinhas que o outro esticou, pergunta, blasé: “Qual é a minha?”
De outra feita, a fofa pega carona com um tipo que lhe oferece um morrão de fumo. Ela mata o lance todo, para escândalo do cara, que já havia advertido sobre a qualidade excepcional da erva, e garante que não sentiu nada. Mas, ao chegar em casa, sai do carro literalmente voando, com um rastro em arco-íris atrás de si. O sujeitinho, sensato, ainda aconselha: “Vai de elevador, Rê Bordosa!”
Acho que o Angeli sabia bem do que estava falando. Digo isso porque, numa entrevista recente para a revista Brasileiros, ele confessa que pitava pango desde os 14 e que passou dez anos pagando de cafungueiro pela modernidade paulistana afora. No entanto, só vi pessoalmente o Angeli traçando bistecas, e não drogas, no antigo Pé pra Fora, por volta de 84, 85, por aí. O “Pé pra”, na avenida Pompeia, foi um boteco inesquecível, nos tempos em que era tocado pela dona Felicidade, simpática portuguesa, e seus dois filhos, Toninho e Serginho, nossos chapas, nos anos 80, justamente. Quem me apresentou ao pai da Rê foi o Mario Prata, o sumo pontífice da diretoria ébria daquele templo das bistecas com cerveja e das grandes hemorragias verbais – fora as estomacais e duodenais, por causa do nosso monumental consumo etílico. O Pé pra, porém, nunca foi ponto de uso ou comércio de bagulhos. Íamos lá, eu, Prata, Matthew Shirts e outras figurinhas carimbadas, só para comer, encher a cara e conversar por uma enfiada de nunca menos de quatro horas.
Lembro do dia em que o Angeli apareceu para almoçar em companhia do Glauco e sentou à mesa em que eu estava com o Prata. Era no meio da tarde, umas quatro e meia, nossa hora-padrão de almoço. O Angeli tinha um estúdio por perto e o Pé pra era um dos seus comedouros habituais. Já tínhamos nos cumprimentado, via Prata, outras vezes, mas sentar à mesma mesa era a primeira vez. Não me lembro da conversa, só das gargalhadas. Não lembro também se o Angeli e o Glauco estavam bebendo. Eu e o Prata, estávamos, como sempre. Provavelmente muito, como sempre também.
Lembro, porém – isso não vou esquecer nunca –, de uma hora lá na mesa em que deu aquele branco súbito na parolagem coletiva, como sói acontecer depois de uma rodada frenética de gags e absurdismos espontâneos por parte de falastrões profissionais, como eram todos ali. Eis que o Glauco, com um timing perfeito de comédia, se vira para o Prata e quebra o silêncio:
“E aí, Prata? Vamo pra Osasco?”
Osasco é um município-satélite de São Paulo, a quarenta minutos de carro de onde estávamos, atulhado de indústrias e conjuntos habitacionais, sem o menor atrativo turístico, cultural ou de qualquer outra ordem. O Prata, tão surpreso quanto todo mundo na mesa, perguntou, na santa inocência:
“Fazer o que em Osasco, Glauco?!”
“Vamo dá o cu lá, ué. Ninguém conhece nóis!”
Acho que o explosivo ramalhete de gargalhadas que detonamos na hora deve estar ecoando por lá até hoje, com as ressonâncias politicamente incorretas dessa blague quase homofóbica que podia ter saído da boca do Geraldão – e saiu, na verdade! Esses caras eram foda. Glauco vai ser foda para sempre. Só me faltou, na época, conhecer o Laerte, o único de Los 3 Amigos ausente na mesa. Para quem não sabe, Los 3 Amigos era uma espécie de coletivo informal de humor que publicava historietas “mexicanas”, desenhadas a três mãos, na revista Chiclete com Banana, do editor Toninho Mendes, amigos dos três, que, aliás, estava na mesa também naquele dia. Com ou sem Laerte, entrei num êxtase muito particular quando conheci o Angeli e o Glauco. A fina flor do cartunismo mais talentoso, inspirado, popular, moderno e piradão do país estava sentada ali numa mesa do Pé pra traçando bistecas, e eu com eles! Meninos, eu vi! E comi – a bisteca, por supuesto.
Por essa época, que tinha em Rê Bordosa sua melhor tradução – pau a pau com a Rita Lee –, além de ter escrito dois romances com narradores ébrios, chibabeiros e eventualmente cafungueiros, traduzi também três livros que eu mesmo havia indicado à editora, com personagens-narradores contando histórias autobiográficas com alto grau de substâncias psicoativas: Mulheres, do Bukowski, Junky, do Burroughs, e Ópio, do Jean Cocteau, nessa ordem. Um bebum buceteiro, um heroinômano gay, um opiômano também gay. Nessa época, eu não aguentava ler livro algum em que ninguém bebesse a sério, se drogasse a vonts e comesse quem lhe aparecesse pela frente, homem ou mulher. Era um critério literário como outro qualquer. Já tinha lido muita literatura sóbria com personagens sóbrios naquela altura da vida. Agora eu queria mais é festa no covil das letras, parafraseando o título do grande minirromance do mexicano Juan Pablo Villalobos. E queria trazer a festança para o lado de cá dos livros, a chamada realidade, onde existem mulheres, amigos, cerveja, bistecas e muito bagulho para degustar. Com uma disposição de ânimo dessas, ninguém melhor do que a Rê Bordosa como companheira de viagem, repercutindo as baladas selvagens em que eu me metia com alarmante regularidade.
A Rê Bordosa era uma entidade apaziguadora para quem andava caprichando na boemia desbragada a ponto de levar um baita pé na bunda da esposa, com direito a farta galhada córnea, como foi meu caso, além da má fama angariada nas praças profissionais da nação. Foda-se, eu repetia várias vezes ao dia. O resumo da ópera estava num caderninho de telefones que eu trazia entuchado na carteira. “Só tem número de piço, trampo e traficante aí”, dedurou um dia meu amigo Mario Prata, quando me levantei da mesa com o caderninho na mão rumo ao telefone público no canto do balcão do Pé pra Fora, de onde iria ligar justamente para alguma girl, contato profissional ou dealer de plantão. (Era uma época em que, para telefonar, você tinha que flexionar mais membros do seu corpo do que um único polegar.) Enfim, não importava o tamanho da merda que você tivesse protagonizado na noite anterior, a tirinha da Rê do dia seguinte sempre relativizava a extensão e a profundidade da sua má consciência – e da inflamação nas meninges que a recobriam. Comparados com as proezas da heroína máxima do bas-fond e do bafão, seus, digo, meus aprontos adquiriam ares da mais prosaica normalidade.
A verdade é que a gente (eu e meus cupinchas junkófilos) adorava aquela punk-junky montada num brechó das Grandes Galerias (point punk-roqueiro do centrão paulistano), sempre caindo de bêbada ou de ressaca, galinha ao extremo e porra-louca em tempo integral, que não falava de política ou de qualquer assunto da atualidade, muito ocupada que estava em se esbaldar e esfalfar de farra em farra, de rebordosa em rebordosa. Achava curioso que o Angeli, com seu traço vigoroso e totalmente submisso a qualquer capricho da imaginação dele, tenha desenhado a tia Rê como uma mina sem atrativos físicos, um tanto detonadinha pela vida bandida, e não como uma beldade gráfica ao estilo da Modesty Blaise ou da Barbarella, divas pop dos anos 60 replicadas nas heroínas dos HQ’s “marginais” dos anos 80. Apesar de que, justiça lhe seja feita, peladinha como a Rê Bordosa aparece em várias tiras, e às quatro da matina num boteco, você e ela de porre, até que a tipinha não era de se jogar para o Sid Vicious, não. De todo jeito, a Rê, definitivamente, não estava ali para deixar ninguém de pau duro, nem nada do gênero.
As tiras da Rê Bordosa saíram, desde 1984, como já falei, até dezembro de 87, quando o Angeli, num ataque de filicídio – na verdade, de comercídio –, houve por bem explodir sua cria junto com a instituição do matrimônio, como se poderá ver na coletânea. O passamento da infeliz junkinha, confinada à vida doméstica pelo marido – sim, por falta de alternativas práticas para se manter na gandaia, ela se casara com o garçom Juvenal, tipo machista, boçal e ciumento –, mereceu matéria de capa no caderno Ilustrada, da Folha de S.Paulo, na qual Angeli declarava-se “de saco cheio dela. Não aguentava mais desenhar banheirinha, oclinhos etc.” E ia além: “A Rê Bordosa estava se tornando uma ponte para comercializar o meu trabalho”, o que não era a praia do Angeli. Ele não queria se ver amarrado a contratos que o obrigariam a desenhar a personagem por longos anos, estivesse ou não no pique, nem ver sua criação estampando calcinhas, sutiãs e camisetas. “Não queria me transformar num Schulz (criador do Charlie Brown) nem num Mauricio de Sousa (o pai da Mônica), que ficam anos fazendo o mesmo desenho…”
Na verdade, para grande alegria dos fãs, Angeli iria ressuscitar sua deliciosa punkinha, já na década de 90, sob a forma de um diário da falecida personagem que o cartunista teria encontrado entre os escombros de seu arquivo destruído por um incêndio cartunesco, provando em definitivo que a hora e a vez da Rê Bordosa é ontem, hoje, amanhã e qualquer dia.
Durante aqueles quase quatro anos de vida ativa, no entanto, a Rê Bordosa reinou soberana no meu imaginário rebordoso, protagonizando as situações prototípicas vividas por um adicto de qualquer substância psicoativa – álcool, cigarro, drogas e sexo. E o melhor da história era que, mesmo furiosamente anticonvencional daquele jeito, a doida não vinha com nenhum discursinho iconoclasta, tedioso e previsível, para cima de seus fãs, nem mesmo mencionava as palavras de ordem anarquistas do movimento punk, como “No future!”, “Deus morreu, Marx morreu, e eu mesmo não estou passando muito bem” e “Tenho muito a dizer! Mas não lembro agora…”. Isso, mais o ódio aos poderes prostituídos da nação, a Rê Bordosa deixava a cargo do Bob Cuspe, outro grande personagem marginal do Angeli, e das bandas punks paulistanas, como Ira! e Ratos de Porão, que faziam história naqueles anos 80 descendo porrada nos “burgueis”. Ali, nas tiras da Rê Bordosa, era só vexame em estado puro, libido destrambelhada, narcofissura, total “falta de noção”, como se diria hoje, e um humor desbragado, em primorosa tradução gráfica.
Mesmo sem ser explicitamente “política”, a Rê Bordosa filtrava à sua maneira o caldo de cultura da época, a exemplo das demais criaturas do Angeli, com as quais, vez por outra, ela interagia, como os Skrotinhos (gêmeos sacanas), Wood & Stock (ripongas velhos), Meiaoito e Nanico (guerrilheiros de botequim), Osgarmo (o terrível ejaculador precoce), Walter Ego (o narcisista deslumbrado consigo mesmo), Mara Tara (a ninfo devoradora de homens), Bob Cuspe (punkão da perifa, espécie de contrapartida masculina da Rê), Rhalah Rikota (guia espiritual picareta) e Bibelô (machão boçal porém viril), entre tantos outros personagens urbanos saídos da prancheta do Angeli com um ou dois pés atolados no udigrúdi.
Enquanto se tentava dar o famoso realce na barra, a vida ia rolando aos atropelos no velho Patropi das desigualdades aberrantes e das inestancáveis maracutaias. Foi foda aquela década de 80. A primeira metade, ainda formalmente debaixo de ditadura militar, até fins de 84, quando Tancredo Neves foi eleito presidente por via indireta, no Congresso, mas ainda assim em relativa consonância com as aspirações da campanha das Diretas Já! A segunda metade, assinalada pela morte de Tancredo antes mesmo de tomar posse, transcorreu sob o interminável mandato de cinco anos do espantoso José Sarney, notório sinhozão da mais fisiológica direita periférica – e periférica em relação ao próprio Brasilzão periférico. Foi de amargar. Ninguém estava pensando em Sarney presidente quando batalhava pela volta à liberdade e à democracia. O resultado disso é que a política parecia em total descompasso com a economia e o dia a dia das pessoas. Quem saía na rua era atropelado por uma inflação voraz de 20, 30, 40 até 50% ao mês, alimentando overnights e outras aplicações financeiras de rentabilidade alucinante para quem tinha dindim sobrando no bolso. Quem não tinha – 90% da galera – via seu bolso encurtar a cada dia, a cada hora. O Plano Cruzado, de 86, decretou o congelamento dos preços, que só resultou em desabastecimento e mais inflação. E em 1988, uma Assembleia Constituinte nos deu uma “Constituição Cidadã” que chegava à fantasiosa minúcia de tentar impor limites às estratosféricas taxas de juros praticadas pelos bancos. Nada mais que tinta no papel.
Todo dia era dia D nos anos 80, como dissera Torquato Neto por volta de 1970. A crise econômica era uma constante na vida das pessoas, verdadeiro fenômeno natural, como o sol e a chuva, e também o trânsito e a poluição atmosférica, sob a égide do fantasmão chamado FMI, que, volta e meia, desembarcava em Brasília de óculos escuros e uma austera pasta de couro na mão para botar na bunda dos macaquitos irresponsáveis. E ainda por cima a porra da década se encerra com a primeira eleição livre da nova democracia vencida por um playba rapinador tão periférico quanto o Sarney. Ninguém merecia – ou merecia? – o Fernando Collor, apoiado pela paranoia anticomunista de uma classe média insuflada pela mídia antipetista e por quem mais achava que teria muito a perder com a eleição de um Lula ainda em versão esquerdista hardcore.
E a gente via e ouvia isso tudo, todo dia. E todo dia também a gente bebia, fumava, cheirava e transava com quem podia e com quem não devia. (Às vezes, brochava também, mas isso, por sorte, não vem ao caso aqui.) E a gente acordava para tentar trabalhar no dia seguinte, que, não raro, soía ser o mesmo dia em que se tinha ido dormir apenas algumas horas antes. Era foda, muito foda, mas tinha a sua graça. Eu achava isso. A Rê Bordosa também achava, sempre chapada e zambeta, nas tirinhas do Angeli, todo santo dia, durante quase 4 anos.
Porra, amici, que saudade daquela baixinha piradona, cazzo mio!
* * *
A rigor, essa cascata devia terminar aí nessa última frase-parágrafo. Mas não resisto a registrar que, em minhas intensas pesquisas googlelinguísticas para escrever este artigo, deparei-me com a informação de que Rebordosa, além de nome de personagem do Angeli e vocábulo dicionarizado significando bronca séria dada ou levada por alguém, bafafá, enfermidade grave e reincidência da enfermidade grave, é também uma freguesia portuguesa do concelho de Paredes, com 11,17 quilômetros quadrados de área e 11 200 habitantes. Foi elevada à categoria de vila justamente em 1984, ano de nascimento da sua xará cartunesca, e à de cidade em 2003. As figuras célebres da terra são: Cândido Barbosa, que “nunca foi um ciclista vulgar”, segundo a versão lusa da Wikipedia, sagrando-se oito vezes campeão da Volta a Portugal, e Rui Barros, futebolista campeão de vários torneios portugueses e europeus integrando grandes times. Seus fãs, em Rebordosa, até hoje celebram o fato histórico de que o grande Rui, na sua fase juvenil, envergou as “camisolas” do Aliados de Lordelo, glorioso time local.
Correm os rumores de que lá em Rebordosa, o próprio presidente da Câmara, cargo equivalente ao de prefeito no Brasil, estaria tentando emplacar o Angeli como figura de proa oficial da cidade, ao lado do ciclista Cândido e do boleiro Rui. “O brasileiro Angeli, com sua inolvidável Rê Bordosa”, teria dito o presidente em sessão solene na Câmara, “colocou Rebordosa no mapa-múndi, respondendo às mais arraigadas aspirações municipais. Já o indicamos repetidas vezes para cidadão honorário de Rebordosa, com direito a estátua da Rê Bordosa em praça pública, mas o homem sempre se furtou a vir receber o galardão das mãos da nossa Rainha da Rolha, na Feira Anual do Vinho Rebordoso. Não sabe o que está perdendo, o destacado cartunista, visto ser a Rainha da Rolha sempre uma guapíssima rapariga de dezoit’aninhos, entra ano, sai ano, entra rolha, sai vinho.”
Se tais rumores procedem, ou se tudo não passa de passarinho, eu cá não sei dizer, pá. Mas tenho para mim que Arnaldo Angeli Filho, o popular Angeli, nascido na Casa Verde, bairro popular a noroeste do município de São Paulo, filho de modestos imigrantes italianos – pai funileiro, mãe costureira –, tem se recusado a aceitar o prestigioso convite da mui ilustre e soberana Câmara Municipal de Rebordosa por medo de se ver envolvido numa antiquada e soez piada de português. Ora pois.