Gambiarra campeã
Robô azarão ganha medalha inédita para o Brasil
Bernardo Esteves | Edição 69, Junho 2012
Quando embarcou em abril rumo a San Mateo, na Califórnia, o petropolitano Marcos Marzano Jr., engenheiro de controle e automação recém-formado, levou as roupas na bagagem de mão. A mala que despachou estava tomada por ferramentas, sensores, motores e circuitos eletrônicos usados nos seis robôs que iriam participar da mais importante competição mundial de robôs, a RoboGames.
Aquele seria seu primeiro torneio internacional representando a equipe formada um ano antes com a namorada e dois amigos – a Imperial Botz, batizada em alusão à cidade natal de seus integrantes, antiga sede de verão da monarquia brasileira. Por restrições orçamentárias, o jovem de 24 anos foi o único integrante do time a viajar.
Havia em sua bagagem um robô que pesava meros 14 gramas e media 2 centímetros de altura, 2 de largura e 2 de comprimento. Pelas dimensões diminutas, foi apelidado de Joaninha. Concorreria na categoria sumô de até 25 gramas, o peso-mosca desse esporte robótico. Como na luta japonesa, o objetivo consiste em empurrar o oponente para fora do ringue de batalha – uma arena circular com 20 centímetros de diâmetro, tamanho aproximado de uma pizza individual. Nessa categoria, os robôs têm que localizar os adversários e partir em seu encalço sem qualquer intervenção humana. “A Joaninha é o menor robô autônomo da América do Sul”, disse Marzano.
A equipe não tinha esperança de medalha nessa modalidade. “Participamos para observar os adversários, pensando na próxima competição, com base nas informações que coletaríamos este ano”, disse o engenheiro. Ele apostava suas fichas nos robôs mais vigorosos que estava levando para participar de outras categorias de combate.
A RoboGames é uma competição anual realizada desde 2004. Considerada a olimpíada da robótica, envolve provas em cerca de sessenta modalidades, incluindo futebol, basquete, levantamento de peso, corrida de obstáculos e formas variadas de luta. Realizada ao longo de três dias, a edição deste ano teve representantes de dezesseis países. Além da Imperial Botz, as cores do Brasil foram defendidas por outras quatro equipes.
Marzano intimidou-se quando viu os concorrentes do sumô de até 25 gramas. Eram robôs de aparência profissional e tecnologia sofisticada. Nada parecido com a Joaninha, um autêntico robô de sucata, construído na maior parte com peças reaproveitadas que a equipe tinha à mão em sua oficina. Envergonhado, o brasileiro pensou em desistir de concorrer – só foi adiante por insistência de um colega.
A Joaninha tem um sensor que emite luz infravermelha e capta seu reflexo depois de bater nos obstáculos que encontra pela frente. É com base nessas informações que ela identifica a presença do adversário. Seu cérebro é um microcontrolador – um chip programado para receber os sinais do sensor e, em função da posição do inimigo, acionar pequenos motores ligados às duas rodinhas de latão.
Muitos de seus adversários adotaram uma estratégia agressiva de combate: deslocavam-se em grande velocidade de uma extremidade à outra da arena em busca do oponente. Sem contar com um sensor usado para identificar os limites do ringue, os petropolitanos bolaram uma estratégia de combate inaudita. Em vez de varrer a arena à procura do rival, a Joaninha fica girando em torno do próprio eixo no meio do ringue, à espera do inimigo. “Ela fica rodando com apenas um dos motores acionados”, explicou Marzano. “Quando acha um adversário, o outro motor é acionado e ela vai em linha reta na direção dele.” A estratégia acabou se mostrando um sucesso. “Muitas vezes o adversário tentava achar a Joaninha e acabava saindo sozinho da arena”, contou o engenheiro, rindo da simplicidade da solução, que ele disse nunca ter visto em outro robô.
Um a um, o azarão foi derrotando seus adversários, até que se viu na semifinal diante de um oponente mexicano com toda a pinta de favorito. “Era um robô muito bom, rápido e extremamente eficaz”, descreveu Marzano. A Joaninha não foi páreo para ele na primeira batalha. “Fui empurrado de forma bela”, reconheceu o engenheiro. “Empurrado, não: fui isolado.”
Mas a luta era disputada num sistema de melhor de três. No segundo round, o robô mexicano esbarrou num conector da Joaninha, tombou e saiu da arena. No desempate, um golpe de sorte decidiu a contenda a favor do brasileiro: o circuito eletrônico do adversário queimou após encostar na pequena rampa metálica que o robô de Petrópolis tinha na parte dianteira, usada para empurrar os oponentes. O mexicano entrou em curto e parou de funcionar, tornando-se presa fácil. A Joaninha qualificou-se para a final sob protestos: o adversário alegou que o brasileiro havia danificado seu robô. O árbitro deu razão a Marzano.
O oponente da finalíssima era outro mexicano. O brasileiro levou a pior no primeiro round e derrubou o oponente no segundo. O desempate foi nervoso, como não poderia deixar de ser numa decisão entre adversários latino-americanos. A terceira batalha foi repetida três vezes, porque o mexicano alegou que a Joaninha havia “queimado a largada”, tendo sido acionada dois segundos antes do permitido. Seguiu-se uma discussão inflamada com o juiz sobre a interpretação das regras. Os finalistas por pouco não resolveram a questão no tapa.
Quando o round decisivo foi enfim disputado, a estratégia da Joaninha acabou fazendo mais uma vítima. “O mexicano veio para cima de mim e tomou um olé”, contou Marzano. “Ele passou reto, não enxergou a linha e caiu sozinho.” Contra todas as expectativas, o robô de sucata saiu do torneio invicto, com uma medalha de ouro inédita para o Brasil nessa categoria. “A Joaninha tem aspecto de gambiarra, mas é campeã”, comemorou o engenheiro.
Marzano pretende defender o título em 2013 com um robô de aparência menos amadora. A sucessora da Joaninha não será feita de sucata e terá um sensor para reconhecer os limites da arena. Mas não convém mexer muito em time que está ganhando. “Vamos manter a estratégia de ficar rodando no meio da arena.”