ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2015
Vem, monstro!
Como deixar de ser frango
João Brizzi | Edição 112, Janeiro 2016
O cheiro de açúcar queimado impregnava a sala comercial de um shopping na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. No forno, uma bandeja de batatas-doces cortadas em tiras já passava do ponto, e espalhava um aroma semelhante ao de um pudim pelo ambiente. O experimento culinário seria o tema de um dos programas gravados naquela tarde para o Fábrica de Monstros. O canal, dedicado a oferecer dicas de alimentação e estilo de vida para praticantes de fisiculturismo, foi criado em abril de 2014 e virou febre no YouTube no último ano e meio. Conta hoje com mais de 1,1 milhão de fãs.
A estrela do Fábrica, o rapper Léo Stronda, estava atrasada. Da varanda do estúdio onde a equipe o aguardava, não foi difícil identificá-lo quando chegou. Após estacionar o Mercedes-Benz CLA 250 roxo ao lado do prédio, Stronda carregou seus 98 quilos – distribuídos em 1,78 metro de altura, bíceps, tríceps, amplo tórax, cintura fina e quase nenhuma gordura corporal — até a sala de gravação, que exibia o décor tradicional dos programas de culinária: balcão, fogão e um forno ao fundo. À exceção do chamativo relógio dourado, de seu boné de aba reta e do colorido tênis de marca, Stronda se parece bastante com uma miniatura do Incrível Hulk exposta sobre a bancada do cenário de Monstro na Cozinha, principal quadro do canal.
A culinária “maromba”, praticada por Stronda, se baseia quase que exclusivamente em três ingredientes: batata-doce, frango e whey protein. O tubérculo fornece energia e tem baixos índices glicêmicos, diminuindo a produção de insulina e, consequentemente, o acúmulo de gordura no corpo. O frango é fonte de proteína magra, essencial para a construção de tecido muscular; e o whey, proteína do soro de leite, acelera o ganho de massa se combinado à rotina de exercícios. Por um desses paradoxos da vida, “frango” é também como as pessoas que cultuam músculos protuberantes se referem ao resto da humanidade, magrinha.
Nos episódios de Monstro na Cozinha, Léo Stronda alterna ou combina os poucos itens dessa lista em receitas variadas. O whey já virou sorvete e encorpou um cheesecake; a batata-doce rendeu panquecas e nhoques, além de com frequência ser associada à carne da ave, em pratos como escondidinho, batata rösti e empada. O apresentador prepara as iguarias sem camisa, cobrindo parte do tórax apenas com um avental.
Como um treinador a incentivar seus atletas, Stronda fala de modo enfático e dá tapas constantes no balcão da cozinha – muitas vezes acompanhados de palavrões –, exortando os espectadores a também ficarem “sarados”. “Vem, Monstro!” é seu grito de guerra, repetido com frequência, igualmente seguido de golpes que fazem tremer a bancada. Mas ele não deixa de ter uma palavra amiga para os “frangos” que por acaso estejam assistindo a seu programa, enquanto dá as receitas “de monstro”: “Ô, franzino! Vamos crescer, magrinho!”
De autoria de Léo Stronda, os versos de Bonde da Maromba representaram o início da virada na carreira do rapper. Desde os 14 anos ele é um dos vocalistas do Bonde da Stronda, duo de hip-hop que arrebatou adolescentes por todo o país na segunda metade da década passada. Formado em 2006, o Bonde começou como uma brincadeira entre amigos, que gravavam músicas em casa usando samples de canções famosas e as publicavam na internet. As letras falavam da vida de playsson – uma espécie de playboy adolescente – e seus pontos altos: festas, bebedeira, carros e mulheres.
Apesar da rotina intensa de shows, festas, bebedeiras, carros e mulheres, Stronda nunca descuidou dos treinos. Hoje com 23 anos, ele malha desde os 14. Procurou a academia por se considerar baixo e franzino para um adolescente de sua idade. Foi só muito tempo depois, em 2012, que o fisiculturismo passou a figurar nas canções de seu duo, com o lançamento do Bonde da Maromba, uma ode à rotina de treinos e dieta. Fez sucesso, consolidando o jovem como o autor da trilha sonora desse estilo de vida. Dois anos depois, ele passou a se dedicar quase o tempo todo ao mundo fitness, com a estreia do canal Fábrica de Monstros.
Nascido numa família de classe média, no estado do Rio, Stronda dá uma explicação semelhante à dos manos da periferia paulistana para justificar a “verdade” do que faz: “Eu canto o que eu vivo. Isso é o rap.”
A duração dos vídeos do programa culinário varia entre cinco e vinte minutos. Naquele dia, a gravação do episódio das “McFritas de Monstro” se estendeu por pouco mais de meia hora. Em ação, Léo Stronda brincava com a equipe e fazia bullying com os gordinhos e “frangos” que o assistiriam. Como a receita era relativamente simples, ele só teve o trabalho de cortar as batatas com a casca, temperá-las com sal, orégano e pimenta do reino, e untar a forma com um azeite em spray, apetrecho que aparece com frequência nas mãos do rapper.
Piadas e comentários às vezes preconceituosos, homofóbicos ou machistas são uma constante nos episódios de Monstro na Cozinha. Num deles, ao lado da chef fitness Pati Sens, o apresentador ensinava como fazer um cheesecake de whey. Para o preparo da massa, usaram cookies feitos com massa integral e “zero açúcar”. “O cookie é bom?”, perguntou Stronda, olhando para a convidada. Esperou alguns segundos pela reação dela, antes de dar um tapa no balcão, chamando atenção, satisfeito, para a própria piada. Mais tarde, no momento de verter numa forma um preparado batido no liquidificador, ele perguntou à moça, malicioso: “Já pode botar agora? Sem medo?”
Stronda acredita que seus dotes humorísticos são um dos segredos para o sucesso do programa. De que outra maneira poderia ter atraído tantos espectadores? “Não tem 1 milhão de marombas no Brasil. O pessoal assiste para dar risada.”
Mais: assista ao episódio de Monstro de Cozinha gravado durante a reportagem