ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2016
Mendoncinha e sua hora
O DEM ressurge das trevas
Julia Duailibi | Edição 115, Abril 2016
No dia 22 de março, quinze parlamentares do DEM se reuniram no Salão Verde da Câmara. Deputados e senadores posicionaram-se lado a lado, cada um segurando uma folha com a mensagem “DEM, 100% impeachment”. Posaram para fotos e ouviram o presidente do partido, senador José Agripino (RN), anunciar um fato improvável meses atrás: a bancada do DEM na Câmara havia crescido de 21 para 28 deputados. O partido enfim saía do atoleiro. Foram treze anos na oposição, a pão, água e ameaça de extinção. Agora o Democratas, antigo PFL, antigo Arena, via motivos para comemorar.
“Éramos um partido jurado de morte pelo PT. Diziam que não iríamos sobreviver. Mais do que sobreviver, nós crescemos! Esses 28 deputados vão interpretar com fidelidade o sentimento da sociedade, como ao longo desses anos que fizemos oposição”, disse Agripino, sob o olhar discreto do deputado Mendonça Filho (PE), ex-líder do partido na Câmara, líder da oposição no Congresso, coordenador do movimento pró-impeachment e um dos três integrantes do DEM na Comissão Especial que fará o relatório a favor ou contra a cassação de Dilma.
Desde o ano passado, Mendoncinha, como é conhecido, tornou-se uma das principais pontes dos parlamentares com setores favoráveis ao impeachment. Reúne-se em São Paulo com empresários e o pessoal do mercado financeiro, encontra-se com líderes das manifestações contra o governo. Num momento em que os manifestantes chamam os tucanos de “bundões”, como se viu com Aécio Neves e Geraldo Alckmin no protesto de 13 de março, Mendoncinha, com seu estilo low profile, é tratado como celebridade – virou herói quando entrou com a ação que culminou na suspensão da posse do procurador Wellington Lima e Silva como ministro da Justiça.
“Mendonça Filho, que tem agido como se espera de uma oposição em Brasília, convoca o povo para ir às ruas no dia 13 de março. É uma chance gigantesca de tirarmos essa quadrilha do poder”, postou o Movimento Brasil Livre nas redes sociais, às vésperas do protesto. Enquanto os tucanos saíram fugidos, Mendonça foi recebido com aplausos. “Não há espaço para político ficar em cima do muro. Vamos pressionar o Congresso Nacional e tirar o PT do poder”, gritou o deputado, que, deixando de lado o estilo comedido, ficou vermelho e soltou um “Fora, PT”. Foi imediatamente seguido pelo público.
Formado em administração de empresas, José Mendonça Bezerra Filho, 49 anos, entrou na política aos 20 anos, pelas mãos do pai, José Mendonça Bezerra, deputado federal por oito mandatos, integrante da base de sustentação do regime militar no Congresso. O filho parece seguir as pegadas paternas: está no quinto mandato, dois como estadual, no terceiro como federal. Nunca abandonou o PFL, que tentou uma repaginação ao se tornar DEM em 2007. Foi ele o autor da emenda à reeleição aprovada em 1997, que permitiu a FHC disputar de novo a Presidência – a aprovação deu origem à denúncia de compra de votos no governo tucano.
Mendoncinha, como muitos outros políticos nordestinos, quase encerrou a carreira no governo Lula, que arregimentou a maior parte das forças oposicionistas da região, antes adversárias do PT. Em 2006 tentou o governo estadual, perdeu para Eduardo Campos (PSB), aliado de Lula. “Foi uma avalanche petista. Para a elite pensante pernambucana e parte da classe média, eu era um bom gestor. Mas pesou para o povão o lado do pragmatismo eleitoral”, disse à piauí no gabinete da liderança do DEM na Câmara, enquanto as cornetadas de manifestantes na Praça dos Três Poderes estrilavam no ambiente.
Em 2008, disputou a prefeitura do Recife e ficou em segundo lugar. Voltou à corrida municipal em 2012, terminou em quarto. Em 2011, em crise de abstinência de poder, caciques do DEM como o ex-prefeito paulistano Gilberto Kassab e o ex-senador Jorge Bornhausen (SC) articularam um movimento de adesão ao governo. Mesmo enfrentando dias difíceis de oposicionista, o deputado fechou com os resistentes. Kassab desertou, fundou o PSD e causou uma sangria quase mortal no DEM. Hoje ministro das Cidades de Dilma, já flerta com um eventual governo Temer.
A sorte favoreceu o pernambucano em 2015, quando assumiu a liderança do DEM na Câmara e o vento passou a soprar contra o PT. Tem brilhado na imprensa como porta-voz da oposição e defensor do fim do “governo corrupto”. Anuncia o “renascimento” do DEM. “Agora, temos expectativa de poder. Infelizmente, o contexto democrático brasileiro é muito dependente das forças do governo. Como éramos tão assumidamente oposicionistas, prefeitos e governadores não queriam se filiar.” Animado, diz se ressentir apenas do “preconceito” de muitos em relação ao ideário do partido, “liberal do ponto de vista econômico” e de “centro-direita”. “Ainda tem uns guetos esquerdopatas e esquerdoides, em que é difícil. Universidade, centro acadêmico de filosofia…”
Nos próximos dias, o parlamentar terá a missão de convencer os colegas a abraçar o impeachment. “Cada dia que passa a aprovação fica mais consolidada. É um estouro da boiada. Os indecisos não suportarão a pressão da opinião pública.” E minimiza a participação de Eduardo Cunha, presidente da Câmara e réu na Lava Jato, no processo: “Ele só presidirá a sessão.”
A primavera no DEM tem permitido ao deputado pensar no amanhã. “A forma de sustentação que o DEM dará ao futuro governo…”, afirmou, mas logo se policiou, “ao eventual governo Temer, em ocorrendo o impeachment.” Um assessor nos interrompeu anunciando uma bomba divulgada pelo Jornal Nacional: “Marcelo Odebrecht fez delação premiada.” Perguntei qual a implicação para o DEM. “Espero que nenhuma”, disse, e mudou de assunto.
No dia seguinte vazou a planilha da Odebrecht listando vários políticos, entre os quais ele. Como os colegas, ele alega ter recebido doações legais. Ainda não se sabe se as delações da construtora farão submergir os sobreviventes da avalanche petista ou ceifarão os ramos redivivos da primavera do DEM. Até lá, Mendoncinha e correligionários seguirão colhendo os frutos.