Entre o final do século XIX e início do XX, padre Cícero promoveu milagres contestados pelo Vaticano, aliou-se a jagunços e coronéis, atuou como líder político e enriqueceu, tornando-se uma das figuras de maior devoção popular no Brasil. À época repreendido e quase excomungado pela Igreja, passou a ser visto mais recentemente como possível antídoto ao crescimento dos neopentecostais FOTO: LEVI BIANCO
Padre Cícero sem perdão
A luta de um bispo para reabilitar o mais venerado líder religioso do Nordeste
Adriana Negreiros | Edição 117, Junho 2016
O sol mal despontara no horizonte naquele dia de festa, no interior do Ceará, e dom Fernando Panico já sentia as primeiras gotas de suor a lhe escorrer pelo corpo, sob as vestes litúrgicas. Era sempre a mesma coisa quando, por dever do ofício, o bispo se via obrigado a usar aquela roupa obviamente inadequada ao calor de Juazeiro do Norte: uma túnica branca de mangas compridas, sobre a qual recaía, como se fosse um poncho, o paramento tradicional dos sacerdotes durante a missa, uma casula de cor violeta. Ao contrário dos seus muitos colegas de celebração – padres com as testas vincadas que se abanavam nervosamente, reunidos no altar –, dom Fernando não se mostrava nada incomodado com a atmosfera escaldante daquela manhã. Parecia, na verdade, exultar.
Era o dia 20 de dezembro de 2015, e ele, o chefe da diocese, tinha um anúncio importante a fazer. Ao longo da cerimônia, no entanto, o microfone sem fio precisou ser trocado mais de uma vez – o som dos alto-falantes saía abafado, sem a potência necessária para chegar em alto volume a todas as 50 mil pessoas que se reuniam no descampado da praça do Socorro, em Juazeiro. Assim, foi num tom próximo ao de um grito que dom Fernando anunciou oficialmente, no final do ano passado, a “reconciliação” da Igreja Católica com uma das figuras de maior devoção popular no Brasil, o padre Cícero. “A partir de agora, ninguém pode mais dizer que vocês são fanáticos”, garantiu o bispo aos romeiros, reunidos em frente à capela onde Cícero Romão Batista, morto em 1934, está sepultado.
Reportagens apuradas com tempo largo e escritas com zelo para quem gosta de ler: piauí, dona do próprio nariz
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