ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2016
Ciborgues na vitrine
Uma cirurgia transespécie
Tomás Chiaverini | Edição 122, Novembro 2016
“Bem-vindo à sala cirúrgica”, dizia a recepcionista a cada recém-chegado, antes de lhe entregar sapatilhas descartáveis. Com os pés devidamente envolvidos pelo paninho azul-claro, próprio para locais assépticos, os convidados adentravam um dos ambientes de um casarão aristocrático, em São Paulo. Os raros apetrechos que se espalhavam pelo salão lhe conferiam a aparência de uma balada, e não a de um hospital: luminárias no teto, forradas com celofane roxo, caixas de som e grandes isopores com gelo, para a cerveja. Quem perambulava por lá, segurando long necks, procurava exibir uma naturalidade tão tediosa quanto o indie rock que saía dos alto-falantes. O fato de, naquela noite, haver um par de ciborgues entre os presentes parecia causar pouca comoção.
É verdade que nenhum dos dois circulava pelo recinto. O mais famoso deles, Neil Harbisson, não deixava ao alcance de qualquer curioso a antena metálica que trazia na cabeça. Preferia refugiar-se numa sala contígua, separada do espaço maior por uma parede de vidro. Sentado num solitário sofá branco, como se estivesse numa vitrine mal iluminada, vestia uma túnica hospitalar por cima das roupas e fazia o tipo robô blasé. Quando alguém se aproximava do vidro, o híbrido de homem e máquina não oferecia um mísero bit de reação. Dava a impressão de se interessar apenas – mas não muito – pelas revistas que folheava. A seu lado no sofá, encontrava-se a outra ciborgue, Moon Ribas. O casal permanecia mudo.
Reportagens apuradas com tempo largo e escritas com zelo para quem gosta de ler: piauí, dona do próprio nariz
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