ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2017
A Martha Rocha da Baixada
Por excesso de quadril, uma candidata é barrada no Miss Bumbum
Tiago Coelho | Edição 129, Junho 2017
Numa academia de bairro em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, o corpo da moça de 1,60 metro e não mais do que 65 quilos se contraía em exercícios de agachamento. Apoiada num aparelho que mantinha seu corpo inclinado, ela segurava uma barra de ferro com 15 quilos em cada lado, dobrando repetidamente os joelhos enquanto mantinha o bumbum empinado. O suor descia em cascata sobre o rosto contorcido pelo esforço. As coxas tremiam com violência. E o bumbum lá, firme. “Vai, vai, vai! Mais um pouco!”, estimulava o personal trainer. Realizado o esforço final, a moça soltou um suspiro denso. “Chega, Malvado. Tá bom.”
Fazia seis meses, àquela altura, que Romário Corrêa, o Malvado, orientava treinos diários de uma hora para fortalecer pernas e glúteos de sua pupila. Tinham por objetivo brilhar no Miss Bumbum, o já célebre concurso que há sete anos tem revelado as donas dos melhores derrières nacionais. Uma reviravolta, contudo, ocorrida três dias antes, na segunda semana de maio, frustrara os planos de Mariana Soares, de 34 anos. A iguaçuana havia recebido a notícia de que fora eliminada do certame de 2017 porque seu bumbum era, afinal, grande demais para os padrões da competição.
Um ano antes, quando considerou concorrer e iniciou os treinos, ainda sem o auxílio e o know-how de Malvado, Soares ostentava um quadril com 101 centímetros de circunferência. Seis meses mais tarde, alcançara os 110 centímetros. Seu objetivo era chegar a portentosos 115 até a final da disputa pela melhor bunda do Brasil. Tudo isso à custa de agachamentos diários. Como confiava no sucesso que, segundo ela própria, seu bumbum sempre fez, mandou as fotos para o concurso. Foi então que veio a pergunta sobre suas medidas – e a surpresa. Soube que justo neste ano o Miss Bumbum estabeleceu uma circunferência máxima de 107 centímetros para as postulantes. Mariana Soares foi eliminada por 3 centímetros, ou pouco mais de 1 polegada.
“Achei que a finalidade fosse mostrar um bumbum grande, brasileiro, malhado. Não imaginei que seria barrada por isso”, reclamou.
Mas talvez não fosse o caso de se abater completamente. A notícia da desclassificação por excesso de atributos glúteos chegou à mídia, e Soares logo se viu sob os desejados holofotes. Houve até quem a comparasse a Martha Rocha. A baiana, finalista do Miss Universo de 1954, não chegou a levar o prêmio, mas entrou para a história das beldades brasileiras com seus 100 centímetros de quadril e o relato de que teria perdido o título por ter 2 polegadas a mais do que os jurados considerariam ideal.
A justificativa para a derrota foi, como se soube depois, uma lorota espalhada pelo jornalista João Martins, da revista O Cruzeiro, uma espécie de pioneiro das fake news.
Mariana Soares tem aproveitado como pode a fama recém-adquirida. Já fez propaganda para uma marca modesta de calças jeans fabricadas em Duque de Caxias. O que recebeu pelo trabalho não foi suficiente para cobrir todos os dispêndios em preparativos para o Miss Bumbum, contudo. “Gastei com personal, fiz bichectomia para diminuir as bochechas e ficar com o rosto afinado e botei silicone nos seios”, disse a moça, que é mãe solteira e trabalha como vendedora de instrumentos cirúrgicos. “Queria estar com a aparência top para o concurso.”
Na conta dos sacrifícios, ela também põe as dores e o mal-estar que sente depois dos treinos. “Saio sempre dolorida, com ânsia de vômito e tontura.” Seja como for, todo esse esforço compensa, explicou a moça. “Eu não gosto de falar para não parecer que sou metida, sabe? Mas sei que a minha bunda é um pouco acima da média e muito bonita. Tenho uma genética boa.”
Atributos como o de Mariana Soares têm garantido ao Miss Bumbum uma plateia global. O concurso já foi tema de reportagens em países como China, Inglaterra, Portugal, Japão e Rússia. Foi justamente quando passou a negociar a realização de um documentário com uma tevê americana que Cacau Oliver, criador e organizador do evento, decidiu impor a nova regra de 107 centímetros de quadril. A emissora vinha insistindo para que a disputa glútea tivesse “um apelo um pouco menos sensual”, segundo Oliver. Daí a ideia de impor padrões mais internacionais, digamos, para o tamanho das bundas. Outra iniciativa foi a de trocar os minúsculos biquínis do passado por maiôs – ainda que maiôs nem tão comportados assim.
Mariana Soares agora se prepara para a disputa do ano que vem. “Apesar de frustrada, não perdi o foco. Vou voltar, mesmo que com um bumbum um pouco menor”, prometeu. Essa era uma das razões para continuar a treinar. Já parecia satisfeita e recompensada, de toda forma, pelo fato de ter sido comparada, num site especializado, à socialite americana Kim Kardashian. “Ela é muito chique e o corpo dela é top. Quem me dera ter a elegância e a mídia que ela tem”, disse. “A Kim tem 109 de quadril. Estou 1 centímetro à frente dela”, comparou, numa alegria quase infantil.
Dali a alguns minutos, Soares daria uma entrevista para uma equipe de tevê. Trocou o conjuntinho de lycra rosa por um verde mais vistoso. Ajeitou o cabelo e reforçou a maquiagem. “Não sei se você reparou, mas sou um pouco tímida. Nunca dei entrevista.” No braço esquerdo, trazia tatuada a frase “O essencial é invisível aos olhos”. “É do Pequeno Príncipe”, explicou, citando a obra de referência entre as misses. Soares não conhecia a tradição. “Você jura? Nossa, deve ser destino. Vi o filme, achei fofo e comprei o livro. Muito top.”
A equipe de tevê já estava posicionada. Deu para perceber que o rosto da moça enrubescia. O cinegrafista pediu que ela fizesse um exercício de agachamento e, solícita, Soares caminhou até o aparelho. Passou a levantar a barra, com 10 quilos de cada lado. A luz da câmera acendeu. Ao contrário da expressão de sofrimento que fizera mais cedo, afetou um sorriso para a lente. Close nela. Chegara a hora. Estava pronta para o sucesso. A estrela sobe. Agacha. Sobe. Agacha.