"O que salta aos olhos para mim em Poesia Sem Fim é sua superficialidade e seu conformismo"
Poesia Sem Fim – anacrônico, melancólico e incompreensível
Já se vão muitas décadas desde que pretender chocar a burguesia deixou de ser projeto estético avançado
O título do filme de Alejandro Jodorowsky é, por si só, um péssimo indício. Não seria sinal tão ruim se o diretor fosse um adolescente fazendo seu primeiro filme, mas no caso trata-se de um veterano cineasta, poeta e psicólogo, de 88 anos, com nove filmes de longa-metragem realizados desde a década de 60, além de créditos como roteirista, ator, cenógrafo, compositor e figurinista. Poesia Sem Fim exprime a puerilidade resultante dessa incursão tardia sobre um aspirante a poeta oprimido pelo pai.
Poesia Sem Fim é anacrônico? Por quê? Pela simples razão de que apresenta “ideias e sentimentos que são de outra época” (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa) travestidos de vanguardismo. Já se vão muitas décadas desde que pretender chocar a burguesia deixou de ser projeto estético avançado. Para ir além do que já realizaram poetas do fim do século XIX, dadaístas e surrealistas no início do século passado, autores como Jarry, Arrabal e outros, seria preciso talento e originalidade que Jodorowsky não demonstra possuir.
Poesia Sem Fim é melancólico por causar no espectador lúcido um “estado afetivo caracterizado por profunda tristeza e desencanto geral” (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa), o que nada mais é do que “depressão” causada pela baixeza do filme. Jodorowsky explora situações degradantes, indo a extremos que indicam sua vontade deliberada de romper o limite da conveniência para se fazer passar por um desconstrutor rebelde da realidade. Ora! Nada justifica o desrespeito do filme por seus próprios atores e personagens, desrespeito que o situa em outra galáxia da que é habitada por Federico Fellini.
Pobre Fellini! Além de ofensivo, revela ausência total de acuidade ter suas adoráveis mulheres obesas e seus simpáticos anões comparados aos de Jodorowsky.
Incompreensível (“impossível de se compreender”, Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa), para mim, são os louvores a Poesia Sem Fim de alguns críticos e cronistas brasileiros, assim como o prestígio internacional de Jodorowsky.
Poesia Sem Fim estreou na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes, em maio de 2016. No site da Quinzena afirma-se que “o trabalho não-conformista, multidisciplinar de Jodorowsky gerou um verdadeiro culto da parte de seguidores graças à sua profundidade simbólica, filosófica e esotérica. Aos 87 anos [em 2016], sua carreira transborda com o tipo de imagens e questões iconoclastas que altera e empurra adiante nossa percepção da arte”. Uau!
Confesso minha perplexidade. Sem ter assistido a filmes anteriores de Jodorowsky, no caso de Poesia Sem Fim não consigo enxergar “profundidade” e “iconoclastia” alguma. O que salta aos olhos para mim é, pelo contrário, sua superficialidade e seu conformismo.
Não é só a Quinzena, porém, que enaltece Jodorowsky. A revista Film Comment deu conta em sua edição online, em 2012, de um Q&A no Museu de Arte Moderna de Nova York ao qual compareceram Yoko Ono, Willem Dafoe, Courtney Love e Martha Stewart. Na noite seguinte, no Lincoln Center, uma menina de vinte e poucos anos, segundo a entrevistadora Margaret Barton-Fumo, “demonstrava sua grande expectativa pela apresentação que Jodorowsky ia fazer de El Topo [segundo filme de Jodorowsky, lançado em 1970], conversando animadamente com o namorado sobre a possibilidade de conseguir que o diretor geriátrico ‘autografasse os seios dela’”. Sem comentários.
Na longa entrevista que a Film Comment publica, em meio a platitudes como, por exemplo, dizer que “o cinema é uma grande indústria e todo mundo quer dinheiro”, Jodorowsky nega que seja atraído pelo anormal, pelo estranho: “Não, não, não, eu sou completamente normal! Sim, sim, sim, mas normalidade não é ser como todos os outros. Normalidade é ser diferente. Toda pessoa é uma pessoa diferente. E um dia você precisa perceber sua diferença. Perceber que você não é igual aos outros. Isso é ser normal.”
Indagado sobre a “psicomagia”, Jodorowsky responde: “Dou consultas. Você faz psicanálise e percebe que está apaixonada por seu pai e você quer ter relação sexual com ele. E isso é o seu problema. Aí a psicanálise diz que você tem complexo de Electra e você diz ‘Sim, e agora o que eu faço?’. Com a psicanálise você fala, mas o que você fará? Sublimará? Fará arte? Não há solução. A psicomagia dá uma solução na qual você realiza seu desejo de maneira metafórica. Você tem relação sexual com seu pai, você tem um filho com seu pai, mas como em um sonho. Você faz. Sem se julgar. Você quer matar alguém? Ok. Você mata a pessoa, mas metaforicamente.”
“Você usa objetos, correto?”
“Sim. Perguntam-me coisas impossíveis, como uma mulher diz, ‘Eu estou com meu marido mas eu quero ter relações sexuais com muitas pessoas mas sem trair. O que eu faço?’ Muitos homens, mas sem trair. E eu dou a solução. Ela fez [o que eu disse] e ficou feliz. Era o marido dela disfarçado de outras pessoas. Você dá a solução. Tentaram traduzir psicomagia, está em inglês agora. Inner Traditions é a editora, eu acho [de The Spiritual Journey of Alejandro Jodorowsky]. Eu tenho três livros em inglês agora. Também The Way of Tarot, no qual explico tudo sobre o Tarot. É um livro muito bom. Eu tenho imaginação muito boa. Eu tenho imaginação inacreditável.”
“Há mais alguma coisa sobre a qual você gostaria de conversar?”
“Não. Como vai a sua vida emocional?”
Um impostor desse quilate, satisfeito consigo mesmo a esse ponto, pode ser levado a sério? Há quem acredite que sim.
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