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    Crédito: Gustave Courbet, Auto-retrato (O homem desesperado), 1843-1845.

questões cinematográficas

Nem tudo é relevante

Coincidência ou não, a irrelevância entrou na ordem do dia no último fim de semana, com pelo menos três menções no Globo (4 e 5 de fevereiro).

Quem tiver lido os posts de 27 de janeiro e 2 de fevereiro, deve lembrar da afirmação de que por ser irrelevante no mercado interno e externo, a produção cinematográfica brasileira se tornou perdulária. E não deve ter esquecido também do comentário sobre a matéria da Folha de S.Paulo (1/2) em que alguns colegas manifestaram sua discordância.

| 09 fev 2012_15h14
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Coincidência ou não, a irrelevância entrou na ordem do dia no último fim de semana, com pelo menos três menções no Globo (4 e 5 de fevereiro).

Quem tiver lido os posts de 27 de janeiro e 2 de fevereiro deve lembrar da afirmação de que, por ser irrelevante no mercado interno e externo, a produção cinematográfica brasileira se tornou perdulária. E não deve ter esquecido também do comentário sobre a matéria da Folha de S.Paulo (1/2) em que alguns colegas manifestaram sua discordância.

A irrelevância surgiu no Globo a propósito da frase “menos Luiza, que está no Canadá”, do show do Chico Buarque e das agências de rating. Zuenir Ventura e André Lara Resende não hesitaram em usar o qualificativo para o que consideram insignificante. Já a crônica de Arnaldo Bloch, com o subtítulo “relevância não é um conceito matemático”, do qual ninguém discordará, termina afirmando que “tudo é relevante” –  controvertida generalização desmentida por Zuenir e André Lara Resende, mais parecendo uma ingênua provocação anarquista.

Relevância é um conceito subjetivo. Aprendi esse truísmo, há alguns anos, com uma aluna. Tinha convicção que existia um critério objetivo de relevância até o dia em que ela me convenceu que o assunto do seu documentário de conclusão de curso – animais de estimação – era relevante. Relevante para ela, bem entendido, não para mim.

Pensando no cinema brasileiro, sua relevância nada tem a ver com o maior ou menor grau de conteúdo político ou sucesso comercial, critérios mencionados por Arnaldo Bloch na sua crônica sobre Chico Buarque. Dizer que o cinema brasileiro se tornou irrelevante, não implica, por outro lado, desconsiderar o valor de alguns filmes e de seus realizadores, nem o reconhecimento que alcançam em festivais. Trata-se apenas de uma noção que diz respeito ao lugar que o cinema ocupa na sociedade. Da mesma maneira que, no Brasil, ninguém negará a relevância do futebol, da música popular e da televisão, seria difícil atribuir ao cinema brasileiro atual relevância sequer longinquamente comparável a essas manifestações, ou até mesmo a algumas expressões culturais de elite.

Como escreveu recentemente meu amigo Nilton, “nenhum produto independe da forma de sua produção. Precisamos nos perguntar qual é a forma da produção cinematográfica no Brasil e que marca ela deixa nos filmes. Atualmente a reprodução das condições de produção independe da relação do filme com o mercado, portanto independe do público. O público é um desejo do cineasta, não uma necessidade do mecanismo de produção para se reproduzir.  Os filmes dialogam antes com os próprios cineastas e a burocracia da forma de produção, do que com o público, isso quando se fala do chamado cinema ‘culto’ financiado pelo Estado. Não se trata evidentemente de soltar os filmes brasileiros no mercado, poderia não haver sobreviventes. Mas certamente de diversificar e tornar mais complexos (e com menos burocracia, focando mais as produtoras e menos os projetos de filmes específicos) os modos de financiamento e de relacionamento com o mercado.”

Não há, de um lado, demanda pelo cinema brasileiro em nível que o torne auto-sustentável ou assegure, ao menos, presença significativa no mercado interno e externo. E as condições de competição com o cinema americano continuam a fazer do filme brasileiro um produto marginal no seu próprio mercado. Não há, tampouco, reconhecimento de seus méritos artísticos e valor cultural fora do circuito fechado do próprio meio cinematográfico, no qual predomina postura auto-celebratória.

Adaptando ao cinema a lição de Antonio Candido formulada originalmente em Formação da literatura brasileiraMomentos decisivos, é preciso saber distinguir “manifestações” cinematográficas de cinema “propriamente dito”, entendido como “um sistema de obras ligadas por denominadores comuns, que permitem reconhecer as notas dominantes duma fase. Estes denominadores são, além das características internas […] a existência de um conjunto de produtores […] mais ou menos conscientes de seu papel; um conjunto de receptores, formando os diferentes tipos de público sem os quais a obra não vive; um mecanismo transmissor (de modo geral, uma linguagem, traduzida em estilos), que liga uns e outros.[…]”

Realizadores, temos em profusão. Produtores de cinema que respondam pelos riscos inerentes à atividade, poucos. Faltam receptores e os mecanismos de transmissão andam avariados.

Nessa linha, talvez fosse possível um debate mais profícuo do que sucitado até aqui.

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