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    Para que o mundo prossiga

questões cinematográficas

Pierre Perrault – Ao mundo que virá

Visto com quase 50 anos de atraso, Para que o mundo prossiga (Pour la suite du monde), primeiro filme do ciclo da Île-aux-Coudres, dirigido por Pierre Perrault e Michel Brault, preserva intacto seu poder de revelação. E acredito que, se tivesse sido mais visto no Brasil a partir de 1963, quando foi concluído, teria permitido entendermos melhor as variantes do cinema documentário que surgiram a partir de Primárias, de Robert Drew, em 1960, e Crônica de um verão, de Jean Rouch e Edgar Morin, em 1961, no qual Brault também colaborou como um dos quatro câmeras.

| 16 maio 2012_14h11
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Visto com quase 50 anos de atraso, (Pour la suite du monde), primeiro filme do ciclo daÎle-aux-Coudres, dirigido por Pierre Perrault e Michel Brault, preserva intacto seu poder de revelação. E acredito que, se tivesse sido mais visto no Brasil a partir de 1963, quando foi concluído, teria permitido entendermos melhor as variantes do cinema documentário que surgiram a partir de Primárias, de Robert Drew, em 1960, e Crônica de um verão, de Jean Rouch e Edgar Morin, em 1961, no qual Brault também colaborou como um dos quatro câmeras.

retoma a tradição do documentário que recria costumes abandonados para poder filmá-los, sem camuflar, porém, como sempre fora feito, que os eventos registrados não teriam ocorrido se não tivessem sido propiciados pelo documentarista. Dessa maneira, se diferencia tanto do cinema direto americano e canadense, quanto do cinema verdade de Jean Rouch, surgidos pouco antes.

Aliando à explicitação do método uma “espécie de psicodrama com as pessoas envolvidas”, nas palavras de Michel Brault, além da filmagem em 16mm, preto e branco, com som direto sincronizado, sem uso de narração off, Perrault inaugurou um caminho próprio que concilia documentário e ficção.

Essa variante de Perrault e Brault, à qual Perrault daria seguimento solo em O reino do dia (1966) e Os carros d’água (1968), enriqueceu o gênero documentário que deixou de ser apenas o registro de algo que ocorreria de qualquer modo, independente de estar sendo filmado, ou o registro de uma situação propiciada pelo documentarista mas mantida sob certo grau de controle, caso dos filmes baseados em depoimentos e re-encenações. Ao incorporar situações que só ocorrem por serem propostas pelo observador e dependem de interação estreita entre quem observa e quem é observado, Perrault revitaliza o procedimento adotado em Nanook (1920), ao qual o romântico Robert Flaherty permaneceu fiel em Moana (1926), Homem de Aran (1932-34) e A história de Louisiana (1946-48).

Perrault (foto ao lado) tinha noção precisa do que pretendia fazer ao formular o projeto de , seu primeiro filme como diretor, depois de ter escrito a narração de uma série de 13 filmes de média-metragem (No país de Neufve-France), entre 1958 e 1960. Ao encaminhar sua proposta à Rádio-Canadá, em 1960, para obter recursos, escreveu: “Este filme não será um documentário, na medida em que estamos propondo reviver a captura da beluga. No entanto, cada episódio, cada anedota, será inventada, imaginada e representada pelos próprios ilhéus que serão convocados para viver de alguma forma sua própria lenda. Em outras palavras, o roteiro surgirá nessa linha à medida que o filme estiver sendo feito.”

Tratava-se, para Perrault, de reviver uma tradição fazendo “uma memória cinematográfica disponível para a posteridade” – para o mundo que virá. Isso, inicialmente, pensado como documentário encenado para televisão, segundo o testemunho de Michel Brault, com um roteiro completo incluindo diálogos.  Teria sido só depois de visitar a Île-aux-Coudres que Brault sugeriu a Perrault fazer a filmagem no estilo do cinema direto que ele começara a praticar nos seus primeiros filmes, a partir do final da década de 1950. Brault, que trabalhara na série “Candid Eye” da tevê canadense, disse na época que “não queria mais filmar a vida das pessoas com teleobjetivas como se roubassemos a realidade delas.” Queria “filmar com lentes grande angular, de 9 ou 12 mm, por que isso nos obriga a nos aproximarmos, a estabelecer uma relação com o mundo.” Assim, ao cinema direto e cinema verdade seria preciso acrescentar o cinema de interação.

Nos dois filmes que dão seguimento ao ciclo daÎle-aux-Coudres, integrado também por O bom prazer (1968), que não assisti, Perrault manteria o procedimento de propor um evento catalisador. A viagem à França do casal Tremblay e seu filho Léopold, no caso de O reino do dia, e a construção de um barco de madeira, no de Os carros d’água.

Fotografia, câmera e montagem são pontos fortes nesses filmes, demonstrando liberdade de desvincular a narrativa das amarras da cronologia, contrastando as cenas propiciadas com as propriamente documentais, e deixando entrever a relação de proximidade entre Perrault e seus personagens.

No caso de , a montagem feita durante um ano por Michel Brault e Werner Nold, a partir de 30 horas de material filmado, harmoniza com maestria o registro das situações propriamente documentais com o dos eventos sugeridos pelos realizadores. consegue ser ao mesmo tempo testemunho do passado que se foi, do presente em via de desaparecimento e do futuro provável.

Oferecido agora no Brasil, Perrault é uma revelação tardia mas ainda deslumbrante.

Começa sexta-feira (18 de maio), no Rio, a oportunidade de atualizar nosso conhecimento da obra de Pierre Perrault. Graças à Associação Balafon, que já nos ofereceu, em 2009, a magnífica retrospectiva e o colóquio dedicados a Jean Rouch, haverá, mais uma vez no Instituto Moreira Salles, um colóquio internacional dedicado a Pierre Perrault (de 24 a 26 de maio) e a retrospectiva reunindo 31 filmes de seus filmes que serão exibidos também em Belo Horizonte, João Pessoa, São Paulo, Porto Alegre, Salvador e Recife.

Mateus Araújo Silva e Juliana Araújo, da Associação Balafon, nos propiciam essa rara ocasião. Agradecidos, aproveitemos a oportunidade.

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