Caverna dos sonhos perdidos
Caverna dos sonhos perdidos – exibição clandestina
Dizer que um filme foi exibido clandestinamente na televisão, à primeira vista, pode parecer absurdo. Ainda mais se o canal em questão é o Max *e, operado pela Home Box Office, Inc., subsidiária da Time Warner Inc.. Não se trata propriamente de empresa dedicada a atividades secretas.
Apesar disso, foi o que ocorreu domingo passado (27/5), quando o Max *e, canal 79 da NET, exibiu, às dez da noite, Caverna dos sonhos perdidos (2010), documentário gravado em 3D, dirigido por Werner Herzog, exibido em dezembro do ano passado, com excelente projeção, no Instituto Moreira Salles, no Rio, e que comentamos neste blog em 23/12/2011.
Dizer que um filme foi exibido clandestinamente na televisão, à primeira vista, pode parecer absurdo. Ainda mais se o canal em questão é o Max *e, operado pela Home Box Office, Inc., subsidiária da Time Warner Inc.. Não se trata propriamente de empresa dedicada a atividades secretas.
Apesar disso, foi o que ocorreu domingo passado (27/5), quando o Max *e, canal 79 da NET, exibiu, às dez da noite, (2010), documentário gravado em 3D, dirigido por Werner Herzog, exibido em dezembro do ano passado, com excelente projeção, no Instituto Moreira Salles, no Rio, e que comentamos neste blog em 23/12/2011.
Algum admirador de Herzog, ou interessado em documentários, algum arqueólogo ou cinéfilo soube a tempo da exibição? Salvo zapeadores contumazes, ou abençoados pelo acaso, como foi meu caso, arriscaria dizer que não. Além de clandestina, só foi possível ver, sem ser em 3D e HD, uma imagem pálida do que foi projetado na tela do IMS.
O fato é que as emissoras parecem desprezar seu público potencial, limitando-se à divulgação burocrática do que vão exibir. A profusão de opções, mesmo pensando apenas nos vinte canais da NET dedicados à exibição de filmes, acaba embolando uma programação desigual, e deixando passar despercebido um filme como .
Herzog é o cineasta por excelência de situações arriscadas e locações distantes, talhado para ser o primeiro a gravar imagens na caverna de Chauvet–Pont–d’Arc, no sul da França, onde arqueólogos descobriram, em 1994, pinturas rupestres – inicialmente um pequeno mamute desenhado em vermelho ocre, seguido de centenas de pinturas que vieram a ser consideradas autênticas, sem qualquer sombra de dúvida, algumas datadas de aproximadamente 31000 anos e feitas por muitos homens, às vezes com intervalos de milhares de anos.
Além da sua antiguidade, as pinturas descobertas são excepcionais por sua originalidade, sendo rara a representação no paleolítico de rinocerontes, leões e ursos, além do uso de perspectiva e sombreado – técnicas utilizadas em Chauvet–Pont–d’Arc.
Em um encontro com arqueólogos da Universidade de Cambridge, e uma entrevista dada em seguida, Herzog declarou que diante das pinturas a atitude dele como cineasta foi “de admiração, de deslumbramento, sem se preocupar em dar muitas explicações. Há algo de profundamente humano na nossa experiência de sermos confrontados com algo que foi deixado para trás por seres humanos há 32000 [sic] anos,” declarou.
Para Herzog, “a peregrinação da equipe ao santuário tem um valor em si mesma. Caso contrário, o valor de ver a pintura na caverna com os próprios olhos seria o mesmo da reprodução digital na tela de alta resolução do computador, ou reproduzida em um livro.” Daí ser também sobre a própria experiência de fazer o documentáro com equipe reduzida a quatro pessoas, usando refletores LED (diodo emissor de luz), tempo de permanência na caverna “severamente restringido” a apenas seis dias, quatro horas por dia, e sem poder se aproximar e ver parte das pinturas.
Herzog é um provocador assumido. Neste caso uma das mais inocentes, considerando que o filme termina com um epílogo sobre supostos crocodilos albinos radioativos, é dizer que o bisonte de oito pernas galopando “dá a sensação de que pode ter havido uma tentativa de retratar o movimento, quase como as etapas do desenho em um filme de animação. É um comentário feito com cautela”, diz Herzog, “parece alguma coisa como protocinema”.
Os supostos crocodilos, na verdade, admitiu o próprio Herzog, são jacarés, répteis de outra família, capturados na Louisiana, e nunca foram submetidos à radioatividade. “Fatos? Eu não me prendo a fatos”, diz Herzog. “Tenho interesse por atitudes.”
Tendo sempre se definido como um contador de histórias, Herzog se declara confiante em que “a arte, a demanda e a alegria de contar histórias continuará viva, geração após geração, mesmo se agora há a televisão que fragmenta as narrativas, intercalando o fluxo da história com intervalos comerciais – a cada 9’ um novo comercial –, o que é, de fato, um verdadeiro pecado. Essa grande arte, essa grande alegria de contar histórias que desenvolvemos em, literalmente, dezenas de milhares de anos, não deveria ser fragmentada. Não deveríamos perdê-la e é claro que me importo. Mas tenho confiança em que histórias continuarão a ser contadas e viverão mais do que eu e as próximas quinhentas gerações também.”
A bem da verdade, ao menos no que diz respeito à exibição de no canal Max *e, domingo passado (27/5), Herzog não tem do que reclamar – os 90’ do filme foram ao ar sem intervalos comerciais.
Das dezenas de horas de histórias transmitidas pela televisão por dia, através de cabos coaxiais, a maioria parece não deixar registro. Seria preciso, porém, que algumas tivessem ao menos oportunidade real de serem vistas e ouvidas.
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