Missão Sucksdorff – o que poderia ter sido (parte 4)
A mudança de função, passando de consultor para membro pleno, informada a Sucksdorff em maio de 1962, implicava vantagem financeira, confirmada por Henny de Jong na carta seguinte, de 22 de maio, na qual esclarece ainda que a remuneração era livre de impostos. O que não era permitido, segundo o regulamento da UNESCO, era “fazer um filme documentário”, estando a serviço da organização, pelo qual ele [Sucksdorff] seria responsável e que “ficaria sendo de propriedade dele”. Talvez fosse possível, caso quisesse fazer o filme
VII – Tratativas
A mudança de função, passando de para membro pleno, informada a Sucksdorff em maio de 1962, implicava vantagem financeira, confirmada por Henny de Jong na carta seguinte, de 22 de maio, na qual esclarece ainda que a remuneração era livre de impostos. O que não era permitido, segundo o regulamento da UNESCO, era “fazer um filme documentário”, estando a serviço da organização, pelo qual ele [Sucksdorff] seria responsável e que “ficaria sendo de propriedade dele”. Talvez fosse possível, caso quisesse fazer o filme “independente do trabalho para a UNESCO. Isso dependeria de um acordo entre você e as autoridades brasileiras no qual a UNESCO não estaria envolvida,” esclarece de Jong. “Gostaria de acrescentar”, continua, “ser bem provável que a melhor maneira de dar treinamento avançado para os cineastas brasileiros seria você fazer um filme com eles durante sua missão e sob sua direção. Mas esse filme seria propriedade do governo brasileiro.”
No dia seguinte ao dessa carta, chegava ao fim o 15º Festival de Cinema de Cannes, no qual O pagador de promessas, dirigido por Anselmo Duarte, ganhou a Palma de Ouro. A repercussão no Brasil do inesperado e inédito prêmio certamente fortaleceu a disposição favorável do governo brasileiro para apoiar o cinema nacional. E no exterior, a dar respaldo a iniciativas como a que estava sendo planejada na UNESCO.
No início de junho, Sucksdorff responde dizendo já ter comunicado que teria “dificuldade para iniciar o trabalho com a UNESCO em agosto e que o mais cedo que poderia estar livre seria em outubro.” Comenta ainda que “o orçamento para o trabalho prático de filmar durante cinco meses, [sendo] limitado pelo que foi dito a 3000 dólares (!)” não é suficiente para “nenhuma espécie de experiência em cinema de qualquer padrão: tentar produzir um filme nessas circunstâncias seria desperdiçar tempo e dinheiro.”
Sem poder fazer um filme do qual detivesse a propriedade no âmbito da “missão”, e por considerar que o orçamento não era suficiente para fazer exercícios práticos de filmagem, Sucksdorff propõe “outra maneira de ensinar” que “certamente garantirá um resultado ao menos com os talentosos.”
A alternativa seria selecionar e fazer “cópias das melhores partes dos mais destacados documentários, que serão material maravilhoso para ensinar cinema.”
“O que pretendo é cortar diversas sequências e os ‘alunos’ [aspas do Sucksdorff] as montarão várias vezes. Haverá muitas possibilidades de diferentes tipos de erros e acertos e eles com certeza aprenderão ‘como funciona’: como a expressão é enfraquecida ou fortalecida. Pessoalmente acredito que essa maneira dará o melhor resultado. Estou muito ansioso para ouvir sua opinião.”
Foi essa proposta, feita em junho de 1962, que acabou levando à aquisição pela UNESCO de uma mesa de montagem 35mm para ser usada na “missão”, doada depois ao IPHAN. Mesa na qual, depois do curso, foram montados inúmeros filmes, a partir de 1963 – entre outros, Maioria absoluta,Os fuzis, O padre e a moça, Terra em transe, Macunaíma.
A mesa de montagem vagou pela cidade, sem pouso permanente, por um bom tempo. Do Posto 6, na avenida N.S. de Copacabana, onde inicialmente foi instalada, seguiu para a rua 19 de Fevereiro, em Botafogo; de lá para a casa de Benjamin Constant, na rua Monte Alegre, em Santa Teresa; depois para a Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI), na rua Evaristo da Veiga, no Centro; até pousar na Cinemateca do Museu de Arte Moderna, onde prestou bons serviços, por vários anos, antes de se desfazer.
Embora não fossem excludentes, duas concepções estavam delineadas para a “missão”. Uma da UNESCO, claramente formulada na carta de Henny de Jong, de 22 de maio. Outra, de Sucksdorff, duas semanas depois, apenas em aparência mais simples.
De Jong advogava, na linha do que Ivens faria no Chile em outubro de 1962, a feitura de um filme com “os cineastas brasileiros” durante a “missão” como “a melhor maneira de dar treinamento avançado”. Sucksdorff negaceava, propondo o que em última análise seriam exercícios de montagem, sem abranger aspectos básicos da realização de documentários.
VIII – Adiamento
A caminho do Festival Internacional de Cinema de Berlim, no qual Os cafajestes, de Ruy Guerra, escolhido pela comissão de seleção do Itamaraty, iria participar em competição, o chefe do Departamento Cultural do Itamaraty, Lauro Escorel, reúne-se, em Paris, com o Delegado do Brasil junto à UNESCO, Paulo Carneiro, e Henny de Jong. Depois de conversarem, de Jong escreve a Sucksdorff manifestando a esperança que ele “possa ir antes de outubro”, uma vez que não poderia viajar em agosto, conforme havia sido previsto.
Quanto à ida a Paris naquele momento, proposta por Sucksdorff, de Jong não a “considera essencial”, mas se houvesse “razões importantes que a tornem necessária” antes dele estar a caminho do Brasil, de Jong pede que “por favor avise para que possamos considerar esse problema e suas implicações orçamentárias.”
De Jong esclarece ainda a Sucksdorff que os 3000 dólares do orçamento não seriam destinados para o trabalho prático de filmagem, uma vez que “os itens mais importantes normalmente requeridos para esse tipo de trabalho serão fornecidos pelas autoridades brasileiras.” Os 3000 dólares, do ponto de vista da UNESCO, deveriam ser reservados apenas para aquisição de material sensível – filme virgem e fitas de som.
Quanto ao trabalho prático de filmagem, de Jong insiste que seria melhor tomar uma decisão sobre isso em conjunto com as autoridades brasileiras “quando você mesmo tenha formado uma opinião sobre as possibilidades existentes, potencialidades e necessidades de treinamento.”
“Esse trabalho prático poderia consistir na realização de um filme completo (cuja duração dependerá da situação que prevalecer) ou de vários exercícios. O exercício de montagem que você propõe na sua carta pode ser um deles mas consideraríamos que exercícios de roteiro e filmagem, abrangendo ao mesmo tempo problemas práticos de natureza organizacional, precisariam ser incluídos também.”
Quanto ao filme que “você gostaria eventualmente de fazer depois da missão”, o chefe do Departamento Cultural se mostrou simpático à ideia, podendo-se talvez chegar a um acordo de cooperação no qual o Brasil tornaria alguns implementos disponíveis para você.”
Nessa carta de junho de 1962, fica claramente reiterada a expectativa de que a “missão” incluisse trabalho de roteiro e filmagem. E a intenção de Sucksdorff de fazer um filme, no Brasil, depois de encerrada a “missão”. Além disso, do ponto de vista da UNESCO, era reiterado o entendimento de que os custos de filmagem, ou de produção de um filme, no âmbito da “missão”, seriam de responsabilidade do governo brasileiro. (cont.)
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