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Missão Sucksdorff – o que poderia ter sido (parte 6)

O filme seguinte de Sucksdorff, O menino e a árvore, feito em 1961, foi um fracasso equivalente, se não maior do que A flauta e a flecha, conforme o próprio Sucksdorff escreveu, em 4 de julho de 1962, na carta para a Unesco. Tropeços, ou tombos, dos quais a Unesco e o Departamento Cultural do Itamaraty, ao que tudo indica, não tomaram conhecimento.

| 12 nov 2012_16h52
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X – Desastre

O filme seguinte de Sucksdorff, O menino e a árvore, feito em 1961, foi um fracasso equivalente, se não maior do queA flauta e a flecha, conforme o próprio Sucksdorff escreveu, em 4 de julho de 1962, na carta para a Unesco. Tropeços, ou tombos, dos quais a Unesco e o Departamento Cultural do Itamaraty, ao que tudo indica, não tomaram conhecimento.

Desta vez, a música de Quincy Jones, além  do contraste e luminosidade da fotografia em preto e branco de Gunnar Fischer – marca registrada dos doze filmes de Ingmar Bergman que fotografou, entre 1948 e 1960 – não livraram O menino e a árvore, do que Sucksdorff  chama de “desastre”, resultando em “dívidas e impostos a pagar” que o impediam de produzir um novo filme.

A única maneira de “voltar a ser um produtor independente”, ele escreve, foi “mudar minha casa e meu trabalho para a Itália, onde pago imposto de renda de acordo com a convenção sueco-italiana referente a royalties de filmes, livros etc. Levará anos até que eu tenha economizado o suficiente para recomeçar, mas eu o farei.”

Para se beneficiar das vantagens fiscais decorrentes da convenção entre os dois países, Sucksdorff explica que precisa “ficar pelo menos seis meses na Itália”, sendo essa “a principal razão pela qual” não pode partir para o Brasil antes de outubro, por que antes desse prazo poderia “não ser considerado residente italiano.”

Por essa informação é possível deduzir que Sucksdorff não só acabara de se instalar em Alghero quando recebeu, no final de abril de 1962, a carta convidando-o para a “missão”, como deve ter considerado uma verdadeira tábua de salvação a proposta de passar alguns meses no Brasil, com as despesas de viagem pagas, recebendo salário mensal da Unesco.

Continuando a revelar suas demandas a conta-gotas, procedimento padrão que continuaria a praticar nos meses seguintes, Sucksdorff levanta, pela primeira vez, os “problemas de um marido e sua mulher serem separados por um tempo tão longo quanto cinco meses.” O que talvez fosse considerado um problema muito particular, mas para ele era “relativamente sério.”

Casado desde 1951, Sucksdorff pergunta se não haveria algum trabalho para Astrid “fazer no Rio que pudesse pelo menos cobrir a viagem muito cara de avião ou navio. Sei que minha mulher está disposta a trabalhar. Mas como?”

Astrid Bergman-Sucksdorff, filha do explorador Sten Bergman, famoso biólogo e zoólogo, além de fotógrafa era atiradora de elite e autora de livros para crianças de grande sucesso.

A ideia aventada por Sucksdorff de fazer um filme no Brasil se transformara, por sua vez, na de “produzir alguns documentários de longa-metragem”, caso encontrasse o assunto e cooperação necessários.

E nessa carta de 4 de julho, é mencionada a possibilidade da Unesco mandar pela mala diplomática cópias dos filmes de Sucksdorff para o Brasil [para serem exibidos aos “alunos”]. “Dessa maneira, será fácil chegarem rapidamente ao Rio, em segurança,” Sucksdorff assegura.

XI – Um sueco no Rio

Quem chega ao Rio, em outubro de 1962, é um cineasta sem valor – segundo a conhecida máxima da atividade cinematográfica, um diretor de cinema vale tanto quanto o sucesso ou fracasso do seu último filme. E Sucksdorff trazia dois desastres na bagagem. Para sorte dele, tudo indica que poucos sabiam disso.

Depois do briefing de três dias na sede da Unesco, em Paris, e de ser submetido a exame médico, Sucksdorff chegou, acompanhado de Astrid. A situação que encontrou, nas suas próprias palavras, não era nada “encorajadora”.

Contrariando suas expectativas, não haviam chegado as cópias dos filmes dele e de outros diretores que havia pedido, nem a mesa de montagem Steenbeck – essenciais para a “missão” que planejara. Também não havia equipamento de filmagem disponível, nem “parecia haver qualquer dinheiro”, segundo Sucksdorff escreveu do Rio, à Unesco, em 15 de outubro.

Na tentativa de assegurar o sucesso da “missão”, Sucksdorff se empenhara pessoalmente muito além do que lhe caberia. Para garantir que a mesa de montagem fosse entregue a tempo, antes de partir para o Rio pagou pessoalmente um depósito ao fabricante, que, até meado de dezembro, ainda não havia sido reembolsado. E a própria mesa só acabou chegando no final de janeiro de 1963, faltando 1 mês para o curso terminar.

Na sucessão de cartas para a Unesco, escritas entre meados de outubro e novembro, Sucksdorff não esconde sua frustração e diz que “sem mesa de montagem, e sem filmes, meu próprio entusiasmo pela tarefa, e o fato de surpreendentemente haver muitos alunos com talento, ansiosos para participarem do seminário, não serão suficientes para assegurar o sucesso da missão.”

Anunciando que faria um novo plano de ensino, declara que “agora será totalmente impossível concluir o seminário até 1 de março de 1963”, iniciando sua campanha pela prorrogação do curso, o que acabou acontecendo às custas do Departamento Cultural do Itamaraty.

Sucksdorff apela, finalmente, para Henny de Jong, pedindo que (1) o seminário seja prolongado, (2) seja providenciada pela Unesco a vinda das cópias dos documentários e filmes de ficção pedidos, (3) sejam reservados pelo menos 1000 dos 3000 dólares do orçamento para fazer cópias das melhores sequências desses filmes, (4) dada autorização para ele [Sucksdorff] comprar a mesa de montagem Steenbeck do Ministério das Relações Exteriores quando a missão terminar, (5) aprovado o envio da mesa de montagem Steenbeck e duas câmeras Cameflex, cujo valor é de cerca de 12000 dólares.

Caso a mesa de montagem não chegasse até meados de novembro, escreve Sucksdorff, a missão “teria perdido sentido”, conforme lhe disse “amigavelmente” o terceiro secretário Arnaldo Carrilho, do Departamento Cultural do Itamaraty, diretamente encarregado do curso.

Todos os gastos adicionais pedidos por Sucksdorff são negados por  Henny de Jong. “A verba disponível para a missão é baseada num pedido oficial feito à Unesco pelo governo brasileiro”, ele escreve, “em decorrência do qual, como parte do Programa de Participação da Unesco, foi assinado um acordo com o governo do Brasil, em 5 de junho de 1961 (projeto 5.121.3 – código 013 (PP) 1961-62), definindo as obrigações da Unesco (fornecimento de um especialista por 5 meses e 3000 dólares para equipamento e filme virgem).”

Com relação do Programa de Participação, a Unesco considera “que o Governo responsável pelo pedido deve prover todas as demais necessidades para que a missão possa ser executada. Esse assunto tem sido objeto de frequentes discussões e troca de correspondência entre a Delegação do Governo do Brasil e a Unesco, inclusive discussões com o ministro Lauro Escorel quando esteve em Paris.”

“Só temos compromisso”, prossegue de Jong, com “o que está especificado no acordo mencionado acima, já tendo ido além dos termos acordados ao (1) concordar em que parte da missão prossiga em 1963, o que representa um gasto adicional, (2) possibilitar que você [Sucksdorff] levasse para o Brasil uma quantidade muito considerável de equipamento para uso na missão, e (3) estudar, neste momento, a possibilidade de tornar disponíveis $ 4000 dólares para financiar o custo da mesa de montagem Steenbeck. Com isso atingimos o máximo que podemos fazer. Não podemos ajudar em mais nada […].”

Além de reiterar que a Unesco não poderia estender a missão além de fevereiro de 1963, Henny de Jong  declara que a lista de filmes pedidos por Sucksdorff fora transmitida à Delegação do Brasil junto à Unesco para ser repassada ao governo brasileiro, de modo a permitir que fossem reunidos a tempo os títulos possíveis. “De qualquer modo, a Unesco nunca prometeu ou se comprometeu a tornar os filmes disponíveis.”

Com relação à mesa de montagem Steenbeck, a Unesco foi informada, escreve Henny de Jong, que a Delegação do Brasil “a encomendaria sem demora e sem esperar a resposta oficial da Unesco sobre o pagamento. Isso resolve essa questão, inclusive o transporte e seguro da mesa. Mas se a Unesco deve pagar pela mesa, não podemos acatar sua ideia de comprar a mesa do Ministério das Relações Exteriores quando a missão terminar.”

A carta mandada por de Jong para Sucksdorff termina em tom menor: “Tenho noção que o conteúdo dessa carta será decepcionante para você em muitos aspectos, mas espero que concorde que nossos argumentos são razoáveis e que dados os fatos não poderíamos apresentar a você outro quadro.”

Mesmo não havendo motivo para duvidar do que transparece da documentação da Unesco, sem conhecer os documentos do Departamento Cultural do Itamaraty e da Delegação do Brasil junto à Organização, não é possível saber exatamente o que aconteceu e como foi possível Sucksdorff desembarcar no Rio sem existirem os meios mínimos necessários para o curso começar.

Fica claro que a escolha do “especialista” foi feita tarde demais, e a “missão” demorou a definir um projeto, falhas das quais a Unesco não poderia se eximir. Deixando de lado, porém, o enigma que cerca a escolha em si do Sucksdorff, é inegável que mal-entendidos, atrasos e ineficiência ameaçavam o sucesso da iniciativa antes dela começar. 

A carta de Sucksdorff é de 15 de outubro, escrita provavelmente apenas alguns dias depois do curso começar, e a resposta de Henny de Jong do dia 25. O feriado de finados se aproximava.

Sem a mesa de montagem, as cópias dos filmes pedidos, e o equipamento de filmagem, que acreditava chegariam em duas semanas, não havia muito a fazer. A convite do conselheiro Mario Dias Costa, do Departamento Cultural do Itamaraty, Arne e Astrid partiram para Búzios. Ela com suas Hasselblads a tiracolo. Ele sem largar o indefectível cachimbo. Caminhando pela praia, Astrid dava saltos mortais que deixavam os brasileiros boquiabertos. (cont.)

A carta

Alghero 4.7.1962

Re: MC/46/22/3180

Caro Sr de Jong,

Como você talvez saiba eu fiz o filme “O menino na árvore”, que acabou em um desastre econômico. No momento, enquanto todas minhas dívidas e todos meus impostos não forem pagos, estou sem economias necessárias para produzir filmes. Minha única saída para para voltar a ser um produtor independente de novo foi mudar minha residência e trabalho para a Itália, onde pago imposto de acordo com a convenção sueco-italiana relativa a royalties provenientes de filmes, livros etc. Levará anos até que eu tenha economizado a quantia necessária para começar de novo, mas eu conseguirei. […]

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