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Questões da Ciência

Revisão transparente

Uma nova revista de biologia a ser lançada no ano que vem promete trazer um sopro de renovação ao universo conservador da publicação científica. Bancado por três instituições da Europa e dos Estados Unidos, o periódico pretende agilizar o lento processo de edição dos artigos submetidos para publicação e torná-lo mais transparente, trazendo a público os comentários e críticas dos revisores.

Bernardo Esteves | 01 jul 2011_12h57
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Uma nova revista de biologia a ser lançada no ano que vem promete trazer um sopro de renovação ao universo conservador da publicação científica. Bancado por três instituições da Europa e dos Estados Unidos, o periódico pretende agilizar o lento processo de edição dos artigos submetidos para publicação e torná-lo mais transparente, trazendo a público os comentários e críticas dos revisores.

Ainda sem nome oficial, a nova publicação será dedicada às ciências da vida e biomédicas e deve ser lançada no inverno de 2012 no hemisfério Sul. O anúncio do lançamento foi feito no site do Instituto Médico Howard Hughes, dos Estados Unidos, uma das instituições por trás da nova publicação. As outras duas são a Sociedade Max Planck, que coordena 80 centros de pesquisa na Alemanha e em outros países, e a Wellcome Trust, organização de caridade que é um dos maiores financiadores da pesquisa biomédica no Reino Unido.

As revistas científicas costumam recorrer ao chamado processo de revisão por pares para garantir a qualidade dos artigos que publicam (o assunto já foi rapidamente abordado num post anterior). Um texto submetido para publicação precisa ser aprovado por revisores anônimos, que são pesquisadores da área do artigo e podem apontar a necessidade de correções ou de realização de mais experimentos, num processo lento e opaco.

A nova revista terá a missão de mudar esse quadro adotando “decisões editoriais justas, rápidas e transparentes”. Na prática, isso vai se traduzir em menos rodadas de revisões – eles prometem resolver tudo com uma única leva de comentários dos revisores – e na limitação das modificações apontadas pelos revisores. O diretor da Wellcome Trust, Mark Walport, deu mais detalhes na nota que noticiou o lançamento do periódico: “O do periódico será evitar pedir aos autores que façam modificações extensivas ou que conduzam experimentos adicionais intermináveis antes que um artigo possa ser publicado”.

A novidade de maior impacto, porém, é a decisão de publicar os comentários dos revisores, que geralmente ficam disponíveis apenas para os autores do artigo e os editores da revista. O anúncio foi celebrado no Twitter pelo biólogo brasileiro Stevens Rehen, pesquisador da UFRJ. “Viva a transparência!”, ele escreveu, ao comentar o lançamento da revista.

Numa entrevista telefônica, Rehen explicou por que considera a medida bem-vinda. “Essa iniciativa permitirá reduzir problemas em relação ao atraso na revisão dos artigos e deve revelar as reais motivações para que um trabalho seja recusado. Esta é uma prática que deveria ser estendida aos projetos de pesquisa submetidos às instituições de financiamento.”

Para Rehen, a medida tende a reduzir diferenças regionais que em alguns casos dificultam a aceitação de artigos submetidos por pesquisadores de países de menos tradição científica, como o Brasil – uma queixa muito comum entre cientistas de várias áreas. “Para um cientista brasileiro, é muito mais difícil publicar em uma revista de alto impacto do que para um pesquisador [da Universidade] Harvard ou [do Instituto] Salk”, afirmou. “A possibilidade de ver por que um artigo não foi aceito tende a homogeneizar a qualidade do trabalho ou pelo menos a sua percepção pelos pares, independentemente de onde esse trabalho veio”.

A medida se inscreve num lento processo de flexibilização do modelo de publicação científica, consolidado há décadas. Stevens Rehen enxerga um paralelo entre a resistência que muitos têm às mudanças no processo de publicação àquela encontrada para a modernização das regras do futebol. Talvez por isso a nova revista ainda vai manter algumas características do processo convencional de revisão por pares, como o anonimato dos revisores.

Rehen acredita que os revisores seriam mais rigorosos e cuidadosos em suas observações caso seu nome fosse tornado público, mas se contenta com o passo a ser dado pela nova revista. “Como no futebol, temos que mudar uma regra de cada vez. Colocar os comentários na roda já é um avanço danado.”

E vale assinalar: o periódico será publicado apenas on-line e será aberto, disponível gratuitamente para todos os internautas. Leia mais sobre revistas científicas de livre acesso no último post do blog.

Foto: Theaphotos (CC 2.0 BY)

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