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    Já passava de duas da manhã, e ao fundo se ouvia o burburinho dos bailes que agitam os quartéis de bombeiros de Paris na noite de 14 de julho. A atmosfera ainda guardava alguma pólvora dos fogos de artifício queimados para comemorar a queda da Bastilha. A festa não abalava a concentração de um pequeno grupo de cientistas no laboratório Kastler Brossel, no prédio da École Normale Supérieure, não muito longe do Panthéon. Eles aguardavam a realização de uma experiência – a tentativa de fazer funcionar um tipo específico de laser no qual a emissão de luz deveria ser desencadeada por apenas dois fótons.

Questões da Ciência

Luz aprisionada

O Nobel de Física deste ano vai para dois cientistas que desenvolveram métodos experimentais que permitiram manipular e estudar átomos e partículas de luz, revelando propriedades misteriosas do mundo quântico. Os premiados são o francês Serge Haroche, da École Nationale Supérieure, e o americano David Wineland, da Universidade do Colorado. O francês Haroche é amigo e colaborador do físico brasileiro Luiz Davidovich, com quem tem vários trabalhos publicados em coautoria.

| 09 out 2012_09h49
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O Nobel de Física deste ano vai para dois cientistas que desenvolveram métodos experimentais para manipular e estudar átomos e partículas de luz. Os premiados são o francês Serge Haroche, da École Nationale Supérieure, e o americano David Wineland, da Universidade do Colorado. As técnicas desenvolvidas pelos dois laureados permitiram entender melhor as interações entre a luz e a matéria e revelar propriedades misteriosas do mundo quântico.

No comunicado em que anunciou o prêmio na manhã de hoje, a Real Academia Sueca de Ciências justificou a escolha da dupla: “Através de seus métodos engenhosos, Haroche e Wineland, junto com seus grupos de pesquisa, conseguiram medir e controlar estados quânticos muito frágeis, que antes se acreditava serem inacessíveis à observação direta. Os novos métodos permitem examinar, controlar e contar as partículas.”

Os dois premiados desenvolveram métodos complementares fundamentais para a óptica quântica. A técnica de Wineland é capaz de aprisionar e medir átomos individuais; já a criada por Haroche permite o estudo de fótons, como são conhecidas as partículas que compõem a luz. Entre os avanços proporcionados pelo melhor entendimento das interações entre átomos e fótons está a promessa da computação quântica, que espera-se que um dia possa multiplicar de maneira assombrosa a capacidade de processamento de dados das máquinas convencionais.

Haroche é amigo e colaborador do físico brasileiro Luiz Davidovich, professor da UFRJ. A dupla tem vários trabalhos publicados em coautoria realizados nas várias temporadas que Davidovich passou no laboratório de Haroche na École Nationale Supérieure, em Paris – inclusive a primeira proposta de um arranjo experimental para fazer teletransporte quântico em laboratório.

Quando estava preparando um perfil de Luiz Davidovich no ano passado, conversei por telefone com Serge Haroche sobre suas colaborações com o físico brasileiro. O trecho abaixo, parte do perfil publicado em outubro passado, relata o experimento que deu origem à colaboração da dupla:
 

Era 1986 e Luiz Davidovich passava um ano sabático na École Normale Supérieure. Aquela era sua primeira colaboração com o grupo de Serge Haroche. Com 40 anos recém-completos, ele acabara de terminar seu primeiro casamento, no qual teve dois filhos. Tinha uma barba ruiva vistosa, que evidenciava a ascendência – seus avós foram judeus russos que vieram para o Brasil com a Revolução de Outubro.

Davidovich fizera a proposta teórica do dispositivo e calculara o tempo que levaria até a emissão do feixe de luz. Deu certo: o disparo aconteceu vinte segundos após o início do experimento, exatamente no instante previsto por ele. O brasileiro saiu dali fascinado com a possibilidade de fazer propostas teóricas e vê-las funcionar no laboratório.

Laboratório é um termo modesto para descrever o conjunto de instalações que ocupam dezenas de salas e se espalham por 3 mil metros quadrados da École Normale Supérieure, com um orçamento anual de 9 milhões de euros. Em diversas visitas a Paris, Davidovich concebeu experimentos que pudessem atacar problemas fundamentais da óptica quântica a partir do formidável conjunto a seu dispor no laboratório. “Luiz nos permitiu entender com mais profundidade o que fazíamos e nos deu ideias para novas experiências”, disse-me Serge Haroche. “Seus trabalhos teóricos tiveram uma contribuição importante para nossas pesquisas.”

A aproximação de físicos brasileiros ao grupo de Haroche foi fruto de um convênio de cooperação científica assinado em 1982, cuja costura envolveu Davidovich e Nussenzveig, do lado brasileiro, e Claude Cohen-Tannoudji, do lado francês. O acordo motivou a formação de grupos de óptica em diversas universidades brasileiras e criou um fluxo de mão dupla de professores e estudantes dos dois países.

A experiência também levou Davidovich a adotar no Brasil o modelo de pesquisa em que físicos teóricos e experimentais trabalham em parceria. Seu desejo começou a virar realidade na segunda metade dos anos 90, quando a equipe ganhou do governo federal financiamento de um programa para desenvolver núcleos de excelência em várias áreas nas universidades brasileiras. O grupo de óptica quântica da UFRJ pôde então ter um laboratório para chamar de seu. As instalações foram inauguradas em 1999 e no mesmo ano foram gerados ali os primeiros fótons gêmeos.

O perfil de Luiz Davidovich tem mais informações sobre a sua colaboração e amizade com o laureado deste ano e ajuda a entender as aplicações tecnológicas que podem advir do estudo das interações da luz com a matéria.

(foto: halfrain / CC BY-SA 2.0)

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