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    Murilo Ferreira, presidente da Vale. FOTO: CECÍLIA ACIOLI/FOLHAPRESS

questões da política

Presidente da Vale foi salvo pelo mercado

Por que Michel Temer optou por não intervir no comando da mineradora

Consuelo Dieguez | 13 jul 2016_18h18
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Duas semanas após ter assumido interinamente a presidência da República, Michel Temer recebeu um grupo de parlamentares mineiros aflitos para discutir as consequências do rompimento da barragem de rejeito de minério da Samarco, empresa controlada pela brasileira Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton. A reunião foi tensa. Desde o início, os parlamentares fizeram críticas pesadas ao presidente da Vale, Murilo Ferreira. Queixaram-se do seu comportamento no acidente em Minas Gerais. Os termos usados foram de omisso a despreparado para lidar com um desastre daquela magnitude. Os ataques eram endossados pelo então ministro do Planejamento, Romero Jucá, que participou da reunião.

Temer também ouviu da bancada mineira reclamações a respeito do impacto do desastre sobre a economia do estado. Os parlamentares disseram que o rompimento da barragem arrasou a região de Mariana e toda a bacia do rio Doce, que engloba 228 municípios. Levará décadas para que a região se recupere. A indignação maior era com a demora da Vale e da BHP para dialogar com o governo e propor medidas de reparação às áreas afetadas e à vida das pessoas que perderam bens e tiveram seus negócios arruinados. Ao final, os parlamentares pediram a Temer a cabeça de Murilo Ferreira.

O presidente interino prometeu analisar o assunto. Nos dias que se seguiram, ele procurou o mercado. Queria ouvir a opinião de especialistas sobre o impacto na empresa caso Ferreira caísse. Foi desaconselhado a defenestrá-lo. A preocupação era de que Temer, ao demitir o executivo, sinalizasse ao mercado que estaria repetindo o comportamento da presidente afastada, Dilma Rousseff, de se imiscuir na vida das empresas nas quais o governo tem alguma ou total participação. A Vale, embora privatizada em maio de 1997, no governo de Fernando Henrique Cardoso, continuou sendo controlada pelo Estado. Isso porque 52,5% do seu capital pertence a fundos de pensão de empresas estatais – Banco do Brasil, Caixa e Petrobras – e ao BNDESpar, o braço que gerencia as participações sociais do banco. Além disso, a União possui golden shares da Vale, ações que lhe dão o poder de veto caso não concorde com alguma estratégia adotada pela companhia. Tanto Lula quanto Dilma não se constrangeram de se meter na gestão da empresa. Na crise financeira internacional de 2008, quando o mundo entrou numa espiral recessiva, o então presidente da Vale, Roger Agnelli, morto recentemente em um acidente de avião com a família, foi duramente repreendido por Lula por ter demitido 1 300 funcionários para se ajustar à crise. A partir daí, as desavenças de Agnelli com o governo só aumentaram, chegando ao paroxismo com Dilma, que exigiu que o Bradesco, um dos sócios importantes no negócio, junto com a japonesa Mitsui, apoiasse a decisão do conselho de administração de demitir o executivo. Foi o Bradesco, logo após a privatização, quem indicou Agnelli para comandar a mineradora. Ele ficou à frente da companhia até maio de 2011, quando foi dispensado.

Embora tenha multiplicado o tamanho da Vale, principalmente em razão da brutal alta do preço do minério de ferro no mercado internacional justamente nos anos em que esteve à frente da empresa, Agnelli não era pessoa de temperamento fácil e angariou grandes inimizades também na mineradora. As restrições ao executivo vinham desde o governo Fernando Henrique. Quando o Bradesco sugeriu o nome dele, um ministro de FHC chegou a procurar o presidente para alertá-lo dos riscos de tal indicação. Na opinião desse ministro, Agnelli, um bem-sucedido funcionário de carreira do Bradesco – tinha 42 anos quando assumiu o comando da Vale –, não dispunha do tato necessário para lidar com uma empresa do porte da mineradora. O ministro definiu Agnelli como “um cowboy que sai todo dia de casa pronto para matar alguém”. O Bradesco venceu a parada e Agnelli assumiu o cargo.

Na sua gestão, a Vale passou a adotar práticas agressivas de mercado. Apesar de os resultados serem bons para os acionistas, muita gente na empresa e no próprio mercado olhava sua atuação com reservas – principalmente engenheiros da área de mineração, que foram responsáveis pela gestão da companhia quando ela era totalmente estatal. A opinião é de que Agnelli priorizava o lucro acima de tudo. “Não havia mais mineradores à frente da companhia e, sim, financistas. Esses caras olham muito mais para o desempenho das ações do que para o negócio em si”, me disse um deles.

Embora Murilo Ferreira seja um sujeito afável e com origem na mineração – é funcionário de carreira da Vale –, também acabou se submetendo às pressões do mercado, afirmam alguns de seus ex-companheiros na empresa. Seja como for, nada justifica a omissão da Vale, da BHP e da Samarco no episódio da barragem de Fundão, que rompeu no último dia 5 de novembro, matando 19 pessoas e arrasando o meio ambiente. As três empresas não só custaram a apresentar uma proposta de reparação e recuperação dos danos como fizeram muito pouco até agora para mitigar os efeitos do rompimento, segundo um alentado estudo do Ibama. O órgão ambiental do governo federal teme que, quando começar a estação das chuvas, em outubro, a lama remanescente na barragem e acumulada no rio Doce e suas margens volte a fazer terríveis estragos na região.

Apesar de todas as críticas dos parlamentares mineiros e do alerta do Ibama, Temer optou por não intervir no comando da Vale. Ele aceitou os argumentos do mercado de que destituir Murilo Ferreira poderia significar uma interferência indevida na mineradora. O presidente interino decidiu que o melhor, por enquanto, é esperar pelo fim do contrato de Ferreira com a companhia, o que ocorrerá em 2017.

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