Sonho de Ícaro

CVV – Em ligação considerada inédita na história do serviço de atendimento aos angustiados e deprimidos, a atendente do CVV Cibele Liberato recebeu, ontem, uma chamada do chuveiro de Oswaldo Montenegro. “Ele estava bastante desassossegado”, descreveu Cibele, referindo-se à ferragem hidráulica. Durante duas horas, a funcionária tentou dissuadir o chuveiro a se lançar da cobertura do prédio onde está instalado. “A situação era muito delicada, pois, segundo me dizia, no boxe de Montenegro há um basculante que dá para a garagem, e ele insistia em se jogar de lá”, disse a moça, ainda perturbada.

Ao longo da penosa conversa, o chuveiro sustentou que trabalhava na casa do trovador há quase três anos, e todos os dias, de manhã e à noite, era forçado a ouvir, às vezes na íntegra, a Léo e Bia, O Condor e Bandolins, entre outras. Cibele Liberato tentou argumentar que isso não era razão suficiente para deixar a vida, e que, além do mais, as canções eram bonitas. “Mas todo dia?”, teria respondido o chuveiro. E “com um fio de voz”, segunda ela, prosseguiu dizendo que não era só isso: muitas vezes, ao fazer suas abluções matinais, Montenegro também cantarolava A incrível história de Mauro Shampoo, A oficina de Gepeto e Nem todo Alceu é Valença. Antes que a moça pudesse reagir, o chuveiro se pôs a balbuciar, com dor, os primeiros versos desta última canção:Nem todo amor é bandido/todo sonho é legal/Nem todo beijo é ardido/toda paixão é fatal.

Cibele Liberato pediu que parasse, e como o chuveiro parecia fora de si, e não mais ouvisse, a moça correu para a janela, sendo resgatada no último instante por um colega de trabalho.

O CVV informa que, graças à intervenção dos bombeiros, o chuveiro de Oswaldo Montenegro não chegou a levar adiante o gesto extremado. Infelizmente, a notícia se espalhou e noventa minutos depois de tomar conhecimento do fato, a cortina do boxe de Orlando Morais ateou fogo em si mesma.

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