Do que morre o mundo
Gráficos de mortalidade contam a história e as tragédias recentes das nações, além de projetar o futuro de cada uma delas
Entre 2005 e 2014, acidentes com cortadores de grama causaram, em média, 69 mortes por ano nos Estados Unidos. No mesmo período, em média, dois americanos foram mortos em ataques lançados por imigrantes jihadistas no território do país.
A comparação bizarra ganhou no ano passado o prêmio da Sociedade Real de Estatística, de Londres, e – depois de aparecer até numa postagem do Twitter da celebridade Kim Kardashian – é citada no relatório anual do observatório Our World in Data (Nosso Mundo em Dados), divulgado em 14 de fevereiro, sobre a causa de mortes no planeta.
O site criado e dirigido pelo economista Max Roser, da Universidade de Oxford, e mantido por entidades como a Fundação Bill e Melinda Gates constata que o terrorismo realmente está longe das principais causas de fatalidade no mundo em 2016. Foram menos de 35 mil casos entre as 55 milhões de mortes do ano.
O número de mortos em catástrofes naturais foi ainda menor: 7 mil. Para efeito de comparação, o HIV matou 1 milhão de pessoas; os acidentes de trânsito, 1,34 milhão; o alcoolismo, 174 mil. Todas essas causas ficaram muito distantes das líderes, as doenças cardiovasculares (17,6 milhões) e do câncer (9 milhões).
Mas, se quase somem no conjunto das mortes mundiais, os desastres naturais e os grandes conflitos políticos – qualificados no estudo do Our World in Data como “eventos de volatilidade” demográfica – são capazes de alterar profundamente a vida dos países onde ocorrem, às vezes por anos a fio. A mudança radical no padrão de mortalidade provocada por um tsunami, por exemplo, se traduz nos gráficos apresentados no estudo: formam picos escarpados, ou, no caso de conflitos armados, alteram as tendências demográficas de longo prazo.
O exemplo mais dramático é a montanha de óbitos criada de um ano para outro pelo terremoto do Haiti, em 2010 (veja gráfico). O estudo abrange um período que se inicia em 1990, quando o país – miserável e já em plena conflagração política – registra uma média de 100 mil mortes a cada ano. O sismo de 7 graus na escala Richter (cujo maior valor registrado chegou a 9,5 graus) multiplicou esse número por 3. A cifra oficial de mortes causadas diretamente pela catástrofe é de 316 mil, parte considerável da população do país na época, estimada em 10 milhões de habitantes. Estes colocam o terremoto haitiano, proporcionalmente, como a maior tragédia natural dos tempos modernos.
Comparável a ele, só o tsunami causado por outro tremor, no Oceano Índico, que causou devastação e matou 227.898 pessoas em várias ilhas da Indonésia, no Sri Lanka e outros onze países em dezembro de 2004. As 167 mil vítimas indonésias e 35 mil cingalesas se distinguem no gráfico de óbitos dos dois países do Our World in Data. O estudo do Sri Lanka reflete também o recrudescimento e a pacificação da guerra civil entre o governo do país e a guerrilha do Tamil-Eelam entre 2007 e 2009.
O gráfico da Venezuela ressalta outra grande catástrofe natural, o deslizamento de Vargas – entre o litoral e a capital, Caracas, de dezembro de 1999. Estima-se o número de mortes em 30 mil. A linha de óbitos no país, porém, não parou de subir após o pico registrado pela catástrofe. Em 1990, a Venezuela registrou pouco mais de 80 mil mortes. Em 2016, esse número quase dobrou. Neste mesmo período, a população do país passou de 20 milhões para 31,5 milhões – ao mesmo tempo em que se verificou o crescimento da criminalidade e a deterioração dos serviços de saúde pública.
Conflitos como o da Chechênia também determinaram o aumento atípico do número de mortos na Rússia em 1995. Antes disso, a desestabilização econômica que se seguiu ao fim do comunismo provocou uma elevação abrupta da mortalidade. Fenômeno parecido com o pico registrado entre 2003 e 2005, com a intensificação de confrontos separatistas em regiões como a Abkássia e Ossétia do Sul.
Na Síria, a ONG também registra a duplicação do número de cerca de 60 mil mortes, entre 1990 e 2010, após a eclosão da guerra civil. O gráfico demonstra ainda o aumento significativo de óbitos na faixa etária de 15 a 49 anos.
O Our World in Data registra também um fenômeno anunciado pelo governo japonês em 2015. Naquele ano, pela primeira vez desde o pós-guerra, o número de mortes superou 1,3 milhão, o que resultou numa redução de 290 mil habitantes na população de 127 milhões, entre 2014 e 2016. O país tem a maior expectativa de vida do planeta, de quase 84 anos (segundo a OMS).
A boa notícia é que em praticamente todos os países, mesmo os mais pobres e politicamente instáveis, a mortalidade infantil foi significativamente reduzida desde 1990. Em contrapartida, o envelhecimento da população nos países que completaram sua transição demográfica, como o Japão, ou que estão no meio dela, como o Brasil, faz aumentar consistentemente a taxa de mortalidade, ainda que concentrada cada vez mais entre os mais idosos.
A projeção das tendências de longo prazo reveladas pelos gráficos indicam os principais problemas que cada país enfrentará no futuro imediato: aumento de gastos com doenças crônicas e cujo tratamento é caro, e um peso crescente sobre a força de trabalho para sustentar uma fatia cada vez maior de aposentados.
Clique em “Change country” para ver o gráfico de cada país.
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