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A vitória do forró

Paulo da Costa e Silva | 15 maio 2015_16h22
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Crédito: Clube democráticos/Divulgação

Tive a sorte de acompanhar de perto o nascimento da “onda” do forró no Rio de Janeiro. Isso foi em meados dos anos 1990, eu tinha acabado de entrar na faculdade. Lembro dos primeiros bailes, na UFRJ da Praia Vermelha. Lá estava o Forróçacana, bem no seu início. Ainda sem muito repertório, repetiam “Asa branca” várias vezes. Estendiam a resolução das músicas para ampliar o tempo da dança. Na pista, o pessoal desenvolvia um forrózinho ainda bastante primitivo. Alguns afortunados que haviam passado as férias em Itaúnas (Espírito Santo) e Caraíva (Bahia), em intensivo treinamento com os locais, conseguiam já transcender o “dois pra cá, dois pra lá”. Eu achava elegante aquele jeito de dançar no qual o cavalheiro conduzia livremente a dama, caminhando no salão, entre paradas e mudanças de direção – a parte de cima do corpo permanecendo estática, como se estivesse flutuando, enquanto o movimento dos quadris marcavam o ritmo. Acima de tudo, o forró representava uma alternativa às tradicionais festas em boates. Tudo era mais relaxado no ambiente do forró. A música nordestina trazia para aquela rapaziada metropolitana uma tonalidade de afeto muito doce, muito intimista; um calor humano que destoava do clima mais frio das boates – que eu também frequentava, mas que foram me cansando. A música e a dança condicionavam uma atmosfera de chamego que eu até então desconhecia. E o que me fascinava, e fascina, era o modo como, no contexto do forró, as pessoas eram celebradas não exatamente pela figura estática, pela aparência fotográfica das formas, mas pela elegância dos movimentos. Aquilo me parecia um enriquecimento da ideia de beleza, o índice de uma outra inteligência. As pessoas se diferenciam pela maneira única como conduzem seus corpos, pelo jeito como relacionam seus corpos na dança conjunta, reagindo continuamente à torrente de afetos que as músicas vão destilando no salão. O forró possui uma visão existencial própria, nos informando implicitamente sobre concepções básicas da vida. Que coisa boa ter uma parte da minha formação emocional conduzida pelos sons de um Dominguinhos, pela incomparável ternura de sua música! Você começava a frequentar os bailes e quando se dava conta estava cantarolando aquelas melodias (“tô com saudade de tu, meu desejo / tô com saudade do beijo e do mel”), sonhando com aquelas músicas, fantasiando um xodó, pensando em largar o estágio para ir viver a verdadeira vida em algum outro lugar…

Aos poucos foi sendo criado um circuito de forró. As bandas se multiplicaram e também os eventos. Novos músicos e produtores foram entrando em cena. Duani compôs o clássico “Suor de pele fina”, cantando sobre as “mulé que tão na feira, de segunda a segunda tão em todos os forrós”. Havia um processo contínuo de evolução. As novas composições iam se tornando mais sofisticadas, os arranjos mais complexos. Por outro lado, novos passos iam sendo inventados e absorvidos na pista de dança, tornando o baile um espetáculo visual cada vez mais bonito. Quinta era o dia clássico do baile no extinto Ballroom, no Humaitá, e o fim de semana dividia-se entre o Lagoinha, a Quinta do Bosque, a Casa das Tochas, e o eterno Malagueta – que servia café da manhã pros forrozeiros exaustos, depois de longuíssima incursão na pista da dança. Não era apenas uma “onda”: o forró efetivamente foi se tornando uma cultura urbana no Rio de Janeiro, com uma linguagem própria, roupas específicas, e até um código de etiqueta. Foi também um esteio fundamental para o ressurgimento do samba na Lapa, nos anos 2000, pois fez ressurgir a cultura do baile em torno da qual tal samba se estruturou.

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