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Um Gandhi apressado

A carta reproduzida nesta página foi ditada por Gandhi a um secretário, que a bateu à máquina num papel artesanal indiano

| 29 mar 2016_20h28
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Mahatma Gandhi passou parte de sua juventude na África do Sul, onde chegou a exercer a profissão de advogado. Lá conheceu de perto a herança do colonialismo inglês em outro continente que não o da sua Índia natal. Deixou a África do Sul em 1914 e começou sua longa pregação pela independência de seu país.

A carta reproduzida nesta página foi ditada por Gandhi a um secretário, que a bateu à máquina num papel artesanal indiano. Em seguida Mahatma corrigiu à mão algumas palavras e a assinou.

Trata-se de uma carta profética escrita dez meses antes de ele ser assassinado. Responde a Solomon Alexander, advogado residente em Alexandria, no Egito, que lhe havia escrito para evocar seu falecido irmão, com o qual Gandhi convivera na África do Sul décadas antes. Talvez Alexander esperasse um comentário a respeito daquela longínqua amizade. Gandhi responde com gentileza, mas deixa transparecer sua preocupação quanto ao futuro:

“Patna, 16 de Março de 1947

Caro amigo,

Claro que conheci muito bem seu irmão. Peço-lhe encarecidamente, porém, que me poupe no momento atual. Não posso distrair minha atenção nem para coisas grandes nem pequenas. Terei tempo de pensar nos outros se sair ileso do fogo que estou tentando apagar. Mas são muito maiores as chances de que o fogo apague a mim, caso eu não consiga dar conta dele.

Sinceramente,

K Gandhi”

Dez meses depois dessas palavras premonitórias, o líder tombava sob as balas de um fanático.

Era raro Gandhi, um correspondente fiel e prolífico, deixar alguém sem resposta. Por isso atendeu (ainda que rapidamente) à carta do irmão de seu antigo amigo, mas um desabafo nesse tom é incomum em sua correspondência do período. O ativista ainda acreditava poder continuar sua pregação de paz, e esse instante de sinceridade torna esta carta particularmente preciosa.

Nas últimas duas décadas, os colecionadores da Índia têm adquirido com avidez os papéis de Gandhi que surgem em leilões no mercado europeu ou americano. Este documento foi encontrada por acaso em Portugal por seu atual detentor há mais de 30 anos. Foi parar lá com os descendentes do tal Solomon Alexander, o destinatário da carta-bilhete de Gandhi.

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