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O partido de um homem só

Em prejuízo do PT, só Lula se beneficia claramente com insistência em candidatura fictícia

Lucas de Abreu Maia | 21 jul 2018_07h50
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A despeito do clichê que apregoa que as ciências sociais são incapazes de consenso, eles existem. Um deles é que, para cientistas políticos, o PT é o único partido de verdade no Brasil.

Há muitos dados para justificar este consenso. O PT é o único a ter lançado candidatos competitivos à Presidência desde 1989; o único a receber, nas eleições para deputado e vereador, um percentual digno de nota de voto de legenda; o único a ter uma hierarquia partidária forte, com eleições entre filiados para escolher seus dirigentes e correntes internas bem organizadas.

Mais importante: é o único partido com significativo lastro social. Desde 1999, o número de eleitores que dizem às pesquisas de opinião pública preferirem o PT é muito maior do que os que se alinham com qualquer outro partido. Em abril, 20% do eleitorado preferia o PT, enquanto o MDB, no segundo lugar, recebia apenas 4% das preferências segundo o Datafolha.

Mesmo em seu ponto de popularidade mais baixo, em dezembro de 2016, depois do impeachment de Dilma Rousseff, os 9% do eleitorado que se identificavam com o PT eram mais que o dobro de qualquer outra sigla.

Ainda assim, a insistência do PT na ficção representada pela candidatura presidencial de Lula está colocando o consenso em dúvida. Afinal, será que o PT é só mais uma das dezenas de siglas brasileiras que giram em torno de um único líder? Será o PT só mais um partido com dono?

As perguntas não são retóricas. Até agora, o único beneficiário claro dessa candidatura de mentirinha é o próprio Lula, que mantém a relevância política mesmo preso. Já o PT parece perder. Está praticamente fora das negociações por apoio de outras legendas. Sem candidato claro ao Planalto, é possível que diminua ainda mais sua bancada no Congresso.

O eleitor, por sua vez, é o claro derrotado. Enquanto o principal partido do país o faz de bobo, ele nem sequer sabe quais opções estarão, de fato, na urna.

Em 1962, o cientista político William Riker publicou um livro que revolucionou a forma como entendemos partidos políticos. Em A Theory of Political Coalitions (Uma Teoria de Coalizões Políticas), Riker argumenta que partidos querem, acima de tudo, chegar ao poder.

Hoje pode parecer óbvio, mas, à época, as teses preponderantes afirmavam que legendas eram organizações de pessoas com uma mesma ideologia. Até nas teorias menos benevolentes, os partidos buscavam apoio popular por meio de votos. Riker mostrou que, se partirmos da premissa de que tudo o que as siglas políticas querem é chegar ao governo, fica muito mais fácil entender porque elas agem como agem.

Pressupondo, portanto, que tudo o que o PT quer é voltar ao Planalto, será que a estratégia atual do PT faz sentido? A explicação corrente é que o PT levará a farsa até quando possível para mudar o nome do candidato na urna somente no último minuto. Assim, os votos de Lula cairiam no colo do substituto.

Seria a estratégia do poste levada ao extremo.

A coisa toda é tão improvável que mesmo PCdoB e PSB, aliados petistas de primeira hora, não parecem dispostos a apostar seus preciosos segundos de televisão na estratégia petista. Se for mesmo sozinho à eleição, o PT vai ter de fazer uma fezinha para que o horário eleitoral gratuito de fato se prove menos relevante em 2018.

Mas talvez nem isso baste. Para que a jogada dê certo, será preciso que Ciro Gomes se prove incapaz de consolidar o voto da centro-esquerda; que a campanha de rua não importe nada; e, sobretudo, que o eleitor continue se mostrando disposto até outubro a votar num candidato preso sem chances reais de concorrer.

Parece impossível, mas pode até ser que funcione – essa é mesmo a eleição mais imprevisível de que se tem notícia na história democrática do Brasil. Afinal, em 2010, Joaquim Roriz teve sua candidatura ao governo do Distrito Federal substituída pela de sua mulher, Weslian, tão em cima da hora que foi a foto dele e o nome dela que o eleitor viu na urna ao votar.

Só que eleição para presidente não é comparável à de governador. Foi o próprio PT quem nos ensinou que campanha presidencial no Brasil é maratona. A candidatura de Dilma Rousseff começou a ser construída em 2007, três anos antes de ela ser a candidata oficial do partido à Presidência. Será que o PT esqueceu-se da própria lição?

O mais provável é que o consenso da ciência política esteja errado e que o PT, por mais forte que tenha sido um dia, tornou-se de fato aquilo em que seus maiores opositores apostavam: um partido de um homem só. As consequências para o Brasil serão piores do que os antipetistas podem supor.

Na década de 50, a Associação Americana de Ciência Política publicou um manifesto em que deplorava a fraqueza dos partidos nos Estados Unidos. Nela, estudiosos argumentavam que as legendas organizam o debate público de ideias e que representam o povo no governo. Está aí outro consenso da ciência política que perdura até hoje: sem eles, os partidos, não há democracia.

Pode até ser que esse consenso também esteja errado, mas não há um só exemplo de democracia sem agremiações políticas. O enfraquecimento da nossa principal legenda é, portanto, mais um sintoma da doença da nossa democracia.

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