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Pontas fora da curva

A relevância das candidatas negras

Suellen Guariento | 26 ago 2018_07h00
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Existe um número significativo de candidatos que se sentem sub-representados no sistema político brasileiro. Muitos completaram o ensino superior, não estão envolvidos em escândalos de corrupção, fazem parte de partidos com viés mais ideológico que fisiológico e, mesmo assim, encontram dificuldades para se eleger.

Se substituirmos a palavra “candidatos” por “mulheres negras”, teríamos outro efeito na leitura do parágrafo anterior? Desconfio que sim. Talvez isso aconteça porque há quem enxergue a política de maneira muito rígida e redutora, sem levar em conta as demandas e os direitos de quem ocupa lugares pouco privilegiados. Penso nessa rigidez ao considerar a importância dos cargos de deputado federal e estadual. Para mim, a diversidade na composição do Legislativo pode ser um indicador do quanto uma sociedade é capaz de lidar bem com seus conflitos. Se não consegue fazê-lo, tais conflitos acabam desembocando em usos irracionais e abusivos da força pelo Estado. Um exemplo disso é a absurda intervenção militar no Rio de Janeiro. “Soluções” como essa colocam em xeque toda a compreensão do que deve ser uma democracia.

Embora eu ainda nem tivesse nascido em 1982, encaro as eleições daquele ano como um marco. Ao procurar candidatas que pudessem me representar a partir da abertura política, fui constatando uma distribuição absurdamente desigual dos cargos públicos. Descobri, por exemplo, que a antropóloga e ativista negra Lélia Gonzalez – filha de um ferroviário e uma empregada doméstica – candidatou-se a deputada federal pelo Rio de Janeiro em 1982. Na campanha, falava de “minorias silenciadas”. Autora de ensaios e artigos sobre a situação das mulheres negras na América Latina, elegeu-se suplente e, tempos depois, convocou a imprensa para denunciar o escasso apoio que recebeu de seu partido, o PT.  Nessa mesma eleição, outra negra, vinda da favela, Benedita da Silva, buscou um lugar ao sol na Câmara Municipal do Rio. Foi eleita e, mais tarde, conquistou dois mandatos de deputada federal.

Dez anos depois, a professora de português e literatura Jurema Batista também se elegeu vereadora pelo Rio com quase 36 mil votos. Ela persistiu na política mesmo quando, em 1994, dois de seus assessores foram assassinados. À época, estavam envolvidos nas investigações das chacinas da Candelária e de Vigário Geral.

Apesar das ambiguidades e alianças duvidosas, essas candidaturas tiveram um papel fundamental no fortalecimento da democracia. Afinal, levaram para o campo político-partidário questões urgentes, que afetavam diretamente pessoas como as candidatas: a violência urbana, o racismo, a falta de saneamento básico e o acesso desigual à cidade.

Em outubro, várias mulheres negras voltarão a disputar o cargo de deputada estadual e federal, na contramão das expectativas redutoras sobre o lugar que elas devem ocupar na vida pública. Conheci muitas dessas candidatas em minhas andanças pelo Rio, mas também graças à plataforma digital Mulheres Negras Decidem, uma iniciativa de coletivos como a Rede Umunna.

Agir com competência sob a vigilância atenta de olhares desqualificadores certamente não é uma preocupação dos homens brancos. Eles tampouco precisam lidar o tempo inteiro com visões que reduzem suas candidaturas a uma expressão de pautas específicas e restritas. Também correm menos riscos físicos ao fazer política partidária, pois não pertencem a segmentos que são alvos de ódio e profundamente marcados por estereótipos negativos. Vejo as candidaturas de mulheres negras como fruto da urgência de renovação da política institucional. Essas candidatas tecem pontes fundamentais entre a sociedade civil e o Estado. São personagens essenciais para a sanidade de nosso sistema político, já que colocam em questão a posse da fala pública. Se isso não é motivo para se ter alguma esperança em outubro, eu não sei o que poderia ser.

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