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Quem liga para a corrupção?

O eleitor, certamente, liga

Lucas de Abreu Maia | 01 set 2018_07h00
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O candidato em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto para presidente da República está preso, condenado por corrupção passiva. Chance perfeita para fascistoides bradarem, sem culpa, uma sucessão de clichês. O brasileiro (pobre, os mais desavergonhados acrescentam) não sabe votar; a cultura brasileira é de tolerância à corrupção; só vale o rouba, mas faz; o povo troca o voto por um prato de comida. Noves fora a moralidade de trocar o voto por um prato de comida – é fácil bradar contra isso quando se tem o estômago cheio – há um problema empírico com esses clichês: os dados os desmentem.

É muito difícil medir a reação do eleitor a escândalos de corrupção. Não dá para simplesmente perguntar ao sujeito na rua se ele vota em político corrupto – conforme a sucessão de platitudes no Jornal Nacional atesta, em tese, somos todos contra a corrupção. Para uma estimativa realista, seria preciso comparar quantos votos um determinado candidato teve num pleito com os votos que o mesmíssimo candidato receberia num pleito em que tudo fosse quase idêntico, a não ser por um (ou mais um) escândalo de corrupção a pesar no ombro desse candidato. É óbvio que a comparação é impossível na prática, porque esse segundo cenário hipotético nunca acontecerá.

O melhor estudo já feito para isolar o impacto de denúncias de corrupção é de autoria de dois economistas brasileiros: Claudio Ferraz, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, e Frederico Finan, da Universidade da Califórnia, Berkeley. O que eles fazem beira o genial.

O governo federal audita, aleatoriamente, as contas de municípios para garantir que os repasses de dinheiro da União não estejam sendo desviados. O segredo, aqui, é a palavra “aleatoriamente”. Como as prefeituras examinadas são escolhidas ao acaso, o grupo de cidades auditadas é comparável ao daquelas não investigadas. Ou seja, não há nenhuma característica específica dos municípios que justifique as investigações – partido, nível de corrupção, nada. É só sorte, mesmo.

O que Ferraz e Finan fizeram foi simplesmente comparar a probabilidade de um prefeito acusado de corrupção nos municípios auditados aos não auditados. Assim, eles descobriram que cada novo escândalo de corrupção divulgado antes da votação reduz a probabilidade de um prefeito ser reeleito em 16%. Portanto, quanto mais escândalos, menores as chances de reeleição.

O mais importante, porém, talvez seja a descoberta seguinte de Ferraz e Finan. O impacto das denúncias é maior nas cidades com maior número de estações de rádio, e em que as pessoas têm mais aparelhos de rádio em casa. Não basta ser acusado de corrupção, portanto. É preciso que o eleitor saiba disso.

O efeito dos escândalos não se restringe a prefeitos. Num estudo ainda sequer publicado, a também economista Arieda Muço, da Universidade da Europa Central, em Budapeste, ampliou a análise de Ferraz e Finan não apenas para as cidades cujos prefeitos foram investigados, mas inclusive para municípios vizinhos, que também recebem o sinal de rádio das emissoras de onde aconteceu o caso de corrupção. O que ela descobre? As acusações fazem com que o partido do prefeito acusado perca, em média, 10 pontos percentuais nas urnas. Mais: o efeito não se restringe às eleições municipais. Candidatos a deputado também sofrem as consequências.

Os dados, portanto, parecem desmentir os dois primeiros clichês. O brasileiro liga, sim, para a corrupção e a nossa cultura não parece ser particularmente tolerante a ela. E quanto aos outros dois chavões? O eleitor adota mesmo o lema “rouba, mas faz”? Se sim, os pobres são mesmo mais sujeitos a ele?

Você já deve estar desconfiado de que a resposta seja “não”. Os cientistas políticos (finalmente eles apareceram, para não me deixar passar vergonha) Matthews Winters e Rebecca Weitz-Shapiro mostraram, numa pesquisa, que, na média, o eleitor brasileiro prefere um político honesto a um político competente. Quando forçados a escolher entre o “não rouba” e o “não faz”, a maioria prefere o candidato que não faz, mas é honesto. E sabe quem é exceção à regra? Justamente os mais ricos. Eles preferem quem faça, mesmo roubando.

Mas, se o brasileiro não endossa político corrupto, porque um condenado é o candidato a presidente favorito de em torno de 40% do eleitorado? Sem entrar no mérito da culpa ou inocência do ex-presidente Lula, a resposta mais simples é que todas as outras variáveis não são constantes. Ou seja, os candidatos não são perfeitamente comparáveis entre si, a não ser pelas denúncias de corrupção. Há muito mais que os difere. E 40% do eleitorado olha para a oferta de presidenciáveis e decide que Lula, preso ou não, injustamente condenado ou corrupto, é o seu candidato.

A culpa, portanto, não é do eleitor. Ele escolhe a partir das opções que lhe são dadas. Em vez de despejar um balde de clichês mentirosos, mais valeria aos fascistoides se perguntarem o que Lula tem e a eles tanto falta.

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