Nem todos os aiatolás do mundo impediriam Saddam Hussein de interpretar o Alcorão a seu bel-prazer. Bastava um gesto blasfemo ter sido consumado por ele para deixar de ser blasfemo ILUSTRAÇÃO: SIMON BAILLY_2018
O Alcorão de Sangue
À procura do livro sagrado escrito com a hemoglobina de Saddam Hussein
Emmanuel Carrère e Lucas Menget | Edição 145, Outubro 2018
Texto originalmente publicado na revista XXI
Tradução de André Telles
O protocolo é sempre o mesmo, pelo menos no caso das pessoas importantes. Em primeiro lugar, transpostos os checkpoints, espera-se. Espera-se muito tempo. Essa espera é entremeada por copinhos de chá superaçucarados trazidos por rapazes solícitos, mais raramente por moças. A princípio, não desconfiei. No segundo dia, levei um livro para matar o tempo; no terceiro, deixei o livro no hotel porque é uma pena matar o tempo no Iraque, é preferível deixá-lo viver e sentir sua densidade milenar – a todo instante vão nos lembrar de que estamos num país com 7 mil anos de história e que inventou praticamente tudo, a começar pela escrita.
Reportagens apuradas com tempo largo e escritas com zelo para quem gosta de ler: piauí, dona do próprio nariz
ASSINEEmmanuel Carrère, escritor, roteirista e diretor de cinema, é autor de O Reino, da Alfaguara
Editor da rádio France Info, foi correspondente no Oriente Médio e codirigiu o documentário Bagdad, Chronique d'une Ville Emmurée