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Extremo centro x extrema direita

Do entendimento entre PT e PSDB depende a democracia no Brasil

Miguel Lago | 08 out 2018_01h52
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O meu primeiro texto aqui na piauí, em julho, caracterizava as eleições de 2018 como aquelas em que a disputa central seria entre civilização e barbárie. Reafirmo o meu argumento. O lado da barbárie está muito bem representado pelo youtuber Jair Messias Bolsonaro, como sempre esteve. O lado da civilização, que poderia ter sido ocupado por qualquer um dos demais pretendentes, de Ciro a Henrique Meirelles, calhou agora de estar nas mãos do candidato petista, Fernando Haddad. A barbárie representada por Bolsonaro tem lastro internacional.

A crise de representatividade, aliada às crises econômicas, chacoalharam o Ocidente. A extrema-direita soube aproveitar esse caldo e trazer como resposta ao moribundo Estado-nação uma vitalidade única de nacionalismo – forma o governo de países como os Estados Unidos, Turquia, Itália, Hungria, Polônia. Cresce significativamente em países como França, Holanda, Alemanha e Suécia. Nada mais natural, portanto, que o Zeitgeist global encontre terreno fértil por aqui.

O populismo de direita, como é chamado por analistas, se baseia sempre em algum discurso de ódio quanto a alguma minoria e em combate ao establishment e seus valores amorais (no caso, são valores liberais). Se, no passado, a extrema-direita era essencialmente anticomunista, hoje ela é antiliberal. A figura do barbudo militante comunista do passado foi substituída pela do burguês progressista e viajado, o vencedor da globalização.

Não à toa, o inimigo nº 1 desses movimentos é justamente um financista, o senhor George Soros, aluno de Karl Popper, talvez o mais brilhante pensador liberal do século XX. A extrema direita de hoje tem mais medo de banqueiro do que de guerrilheiro. Isso fica claro nas declarações de Bolsonaro, quando ele afirma lutar contra a esquerda, quando na verdade está combatendo os pilares centrais do liberalismo. Ele já se declarou claramente contrário ao sistema de poderes e contrapoderes e ao modo de escrutínio. É militantemente contrário aos direitos humanos, em outras palavras às liberdades individuais: defende a tortura e as execuções extrajudiciais (afirma que os direitos humanos são a razão para a crise de segurança pública). E também militantemente contrário à livre associação e à livre imprensa – esta última seus aliados chamam de fake news.

Bolsonaro recusa a evidência científica como base para a ação governamental, ao negar as mudanças climáticas e querer entregar a Amazônia para o extrativismo mais primário e grotesco. Opõe-se a uma sociedade diversa e plural, o que se nota no combate que empreende ao que, estupidamente, chama de “ideologia de gênero”. Salvini, Trump, Erdogan, Orban, Putin, também têm o mesmo discurso. Em nenhum de seus países o alvo é a esquerda, mas sim o liberalismo.

O que está em jogo é a manutenção da ordem global liberal que parecia consolidada no momento da queda do Muro de Berlim e é agora desafiada pelos movimentos de extrema direita. É nesse sentido que surge uma disputa muito mais profunda do que a rixa esquerda versus direita: o embate entre extrema direita e extremo centro. A luta não é distributiva, é de visão de mundo, e se dá entre nacionalismo e a globalização, entre a ignorância provinciana e o cosmopolitismo elitista, quer dizer, entre barbárie e civilização.

 

A França talvez seja o país onde a ameaça da extrema direita paira há mais tempo, embora nunca tenha se concretizado. O sistema político francês foi eficiente em adotar diferentes estratégias de articulação de um extremo centro, tanto em 2002 quanto em 2017, para barrar a subida do fascismo, quando este se apresentou no segundo turno.  Em 2002, o candidato socialista, Lionel Jospin, era dado como franco favorito, mas a dispersão da esquerda em oito candidaturas tirou-lhe os preciosos votos que poderiam levá-lo ao segundo turno.

Junto ao candidato da Frente Nacional (extrema direita), chegou o então presidente Jacques Chirac, político da direita tradicional, associado a diversos escândalos de corrupção, com baixa aprovação e que estava havia quase uma década no poder. A esquerda deixou a polarização de lado e fez um apelo pela mobilização de sua militância em favor da direita, no que ficou conhecido como Frente Republicana. Chirac, de maneira inteligente, soube receber o apoio e se apresentar não mais como candidato da direita, e sim como do extremo centro, o candidato de todos os franceses democratas. Em seu discurso de vitória, ressaltou a importância de estar sempre alerta em defesa da liberdade e reconheceu a importância da união entre esquerdas e direitas contra a barbárie. Finda a eleição, e uma vez afastado o perigo do fascismo, a habitual polarização entre direita e esquerda voltou à cena.

Na última eleição francesa, em 2017, o polo de extremo centro se construiu antes mesmo do primeiro turno: sabia-se de antemão que a extrema direita figuraria no segundo turno, e que direita e esquerda disputavam para saber qual delas chegaria lá. Foi então que Emmanuel Macron, um ex-socialista que quando ministro rezou pela cartilha do liberalismo econômico, fundou seu movimento que congregava elementos da direita tradicional e da esquerda tradicional. Foi eleito com um discurso voltado em defesa do livre mercado, da União Europeia, dos direitos humanos e da luta contra as mudanças climáticas. Seja antes do primeiro turno, seja depois, o extremo centro continuará derrotando a extrema direita.

A eleição francesa de 2002 guarda semelhanças com a eleição brasileira de 2018 embora com papéis invertidos entre direita e esquerda. Nela, Fernando Haddad corresponderia mais à Chirac, e Jospin corresponderia a Geraldo Alckmin, detonado pela proliferação de candidatos da direita, que o tiraram do segundo turno (não fossem Alvaro Dias, João Amoêdo e Henrique Meirelles, Alckmin teria se mostrado muito mais competitivo nas pesquisas e, portanto, passível de receber os votos antipetistas que o levariam para o segundo turno).

Cabe agora saber se o PSDB terá a grandeza que Jospin teve de suspender a polarização entre direita e esquerda e formar um extremo centro com seu inimigo histórico, ou se escolherá ser uma linha auxiliar da extrema direita. Vale também perguntar se Haddad conseguirá abandonar o PT para articular uma plataforma que encarne de fato os valores do liberalismo e da democracia. Será o PSDB capaz de sublimar seu antipetismo? Será o PT capaz de sublimar a sua destituição da Presidência?

Desse entendimento depende a permanência do Brasil na ordem global liberal, a sobrevivência da democracia e suas instituições, mas sobretudo a sobrevivência das duas legendas. Ou PT e PSDB se unem agora, ou acabam.

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