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Bolsonarismo não é partido

Democracia brasileira depende de petismo e antipetismo se organizarem em siglas que se respeitem

Lucas de Abreu Maia | 13 out 2018_01h02
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Movimentos políticos são raros. Acontecem, em média, uma vez a cada três décadas. Jair Bolsonaro é, sem dúvidas, o líder de um deles. Em torno dele, realinharam-se os polos da política brasileira. Sua candidatura presidencial conseguiu, sozinha, reorganizar o sistema partidário no Brasil, por meio de eleições para o Congresso e governos estaduais. Mas, se quiser governar, o provável futuro presidente Bolsonaro terá de transformar o movimento em partido.

Como se sabe, não há democracia sem partidos. O que não se sabe é se há democracia com trinta deles. Será esse o número de bancadas na Câmara a partir de 1º de fevereiro de 2019. No Senado, devem ser 21. É uma fragmentação partidária inédita no Brasil e a qual pouco se vê entre países democráticos.

Os partidos desempenham dois papéis fundamentais: em primeiro lugar, são eles os responsáveis por intermediar a relação entre eleitor e eleito. Eles organizam o debate político em ideias mais ou menos consistentes e as vendem ao eleitorado. Ao eleger um número recorde de legendas, o eleitor não poderia falar mais claramente que os partidos falharam miseravelmente em sua missão de mediadores.

Em segundo lugar, os partidos administram a relação entre Executivo e Legislativo. Eles pautam as discussões no Congresso, conseguem votos para aprovação de projetos de lei e determinam as prioridades do governo.

Ocorre que a bancada eleita na esteira do capitão da reserva vai muito além do seu PSL e inclui gente de uma tropa de siglas outrora desconhecidas do eleitor, como PSC, PRB e Novo. Será quase impossível negociar com grupo tão díspar, como provam o impeachment de Dilma Rousseff e os tantos fracassos do governo Temer.

O PSL de Bolsonaro era, até a semana passada, um nanico eleitoral. Agora, são 52 deputados e quatro senadores sem qualquer estrutura partidária que os sustente. Bolsonaro precisará de uma. O problema é que isso dá trabalho e leva tempo. Partido exige representação nos estados, organização burocrática e, como prova o desmoronamento do PSDB, base social. Mas nada na carreira de Bolsonaro – do seu isolamento parlamentar, mesmo depois de quase três décadas como deputado, à anarquia que foi sua campanha presidencial no primeiro turno – sugere que ele tenha capacidade para uma articulação política tão delicada e de tão longo prazo.

Bolsonaro tem, porém, algo que os tucanos nunca tiveram: o poder de se comunicar. Por isso mesmo recebe, agora, a oportunidade única de organizar eleitoralmente o polo antipetista da política brasileira – tarefa em que o PSDB fracassou.

O PSDB sempre foi um partido entre aspas. Bons quadros, mas sem base social sólida. Desde 1994, o antipetismo caiu no seu colo graças à inércia do Plano Real. Mas a inércia foi subitamente estancada por Bolsonaro – o antipetista raiz. Se sobreviver, o PSDB deve virar linha acessória do bolsonarismo, mais ou menos como o PPS foi linha acessória do tucanato em tempos mais felizes para o partido.

O próprio PT sobrevive, porém o furacão abalou gravemente suas estruturas. Tornou-se quase um partido regional. Todos os governadores petistas eleitos estão no Nordeste. Três dos quatro senadores também. Independentemente do resultado do segundo turno presidencial, o maior partido brasileiro vai precisar encontrar um discurso que o traga de volta ao resto do país. Diante do crescimento de PDT e PSOL, terá de admitir dividir mais poder com as outras legendas da esquerda.

Petismo e antipetismo dão a lógica da política brasileira desde a redemocratização. Do realinhamento desses dois polos em partidos legítimos, com bases sociais que se respeitam mutuamente e à Constituição, depende a nossa democracia. Infelizmente, não há nenhuma evidência que nos permita ser otimistas.

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