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Subordinação e rebeldia

Nem todos irão bater continência para o capitão

Suellen Guariento | 21 out 2018_01h27
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Nas últimas semanas, as redes sociais foram tomadas por eleitores reais e fictícios (os chamados perfis fakes) que se uniram num bloco coeso para conter o “lado vermelho da força”. Esse lado representa, claro, o PT, o candidato à Presidência Fernando Haddad e tudo o que o vermelho na política pode significar para a direita mais radical: comunismo, ameaça aos valores cristãos, defesa de bandido, invasão de terras, privilégios às minorias, esmola aos pobres e desordem. O esforço da equipe de Haddad e de diversos setores – organizações religiosas e sindicais, artistas, ongueiros, acadêmicos, jornalistas – para rebater os ataques e resguardar os pilares da democracia assanhou ainda mais os fãs de Jair Bolsonaro. Imagino que uma infinidade desses apoiadores, especialmente os de baixa renda, acessou o WhatsApp e o Facebook com a sensação de, finalmente, participar de uma campanha eleitoral. Brigar com unhas e dentes por um candidato, acreditar nas ideias dele, comover-se com seus discursos inflamados… A paixão parece ser algo extremamente novo para boa parte das pessoas que decidiram apostar no presidenciável do PSL.

Vários amigos meus estão fazendo campanha a favor de Haddad e longe das redes sociais, em rodas de conversas e pequenos debates. Quase todos se surpreendem com a defesa veemente do capitão reformado por parte dos eleitores pobres. Na verdade, eu própria me surpreendo. Outro dia, tentando rastrear os motivos de tamanha devoção, me ocorreu que nós, os de origem simples, aprendemos desde cedo a identificar e respeitar quem está no comando – seja em nossa família, seja fora de casa. Ou melhor: aprendemos desde cedo a nos enxergar como subordinados. Não por acaso, à semelhança do que acontece nas Forças Armadas, muitos de nós nem sequer cogita questionar hierarquias. Um “cidadão de bem” não foge às tarefas que lhe foram dadas por seus superiores. Rebelar-se é coisa dos vermelhos, de quem propaga atitudes ilegais e imorais. Colocar em xeque as determinações do “Mito” representa, portanto, uma insubordinação passível de crítica. Só o capitão deve comandar. E não lhe cabe dividir o poder com os subalternos.

Creio que os mais empobrecidos também veem em Bolsonaro a chance de botar ordem na casa, de arrumar suas vidas devastadas pela crise econômica, educação precária e falta de saúde. Eles se sentem frágeis e desejam não apenas a proteção extraterrena de um deus soberano.

É possível que os eleitores pobres de Bolsonaro venham a se decepcionar com um governo que, no fim das contas, os manterá na posição de sempre. Isso acabará minando o prestígio do militar reformado. Convém não desconsiderar, ainda, que os insubordinados de hoje continuarão rebeldes após a provável vitória do candidato de extrema direita. As consequências das políticas públicas implementadas pelos governos do PT não desaparecerão de uma hora para outra. Jovens beneficiados por cotas nas universidades continuarão enfrentando a cara feia do Mito e de sua turma. Um batalhão de mulheres continuará lutando contra o feminicídio. Ativistas continuarão se opondo às propostas nefastas de Bolsonaro para o meio ambiente e a segurança. Negros continuarão denunciando o racismo estrutural brasileiro e LGBTIs continuarão a ser representados na política institucional, a despeito daqueles que os enxergam como cidadãos de segunda classe. Capitães que dão ordens e tocam o terror são tão recorrentes na história do Brasil quanto a desobediência de quem se recusa a baixar a cabeça. Desta vez, não vai ser diferente.

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